sábado, 28 de maio de 2011

Monsenhor Francisco de Assis Feitosa – por Heitor Feitosa Macêdo


Francisco de Assis Feitosa, conhecido popularmente como Monsenhor Assis, nasceu na freguesia de Nossa Senhora da Conceição de Cococi, em Tauá, no sertão cearense dos Inhamuns, em seis de abril de 1893, tendo como progenitores: o tenente Emiliano Ferreira Ferro (filho do major Manoel Ferreira Ferro e Josefina Felizpátria Ferreira Ferro) e Epiphânia Estephânia Bandeira Ferrer (filha do capitão Salústio Tertuliano Bandeira Ferrer e Felismina de Matos Ferrer). Epiphânia, não era Feitosa, mas descendia de aristocrática família pernambucana e de “ingleses" ou "franceses”, segundo a tradição.

De acordo com o Tratado Genealógico da Família Feitosa (Leonardo, 1985:145), Monsenhor Assis foi o oitavo filho da decúria prole, apesar de outros sete irmãos terem falecido em tenra idade. De certo, rompeu os anos da puerícia na Fazenda Saco Virgem, avoenga herança de seu pai. Até que migrou para a cidade de Fortaleza a fim de firmar o voto eclesiástico no Seminário Episcopal do Ceará. Apesar de o Seminário São José, em Crato, ser contíguo aos Inhamuns, por conta de um surto de varíola fechou suas portas inúmeras e alternadas vezes, destarte, encerrou suas atividades pela primeira vez em 1877 até que em 1922 funcionou plenamente (O Levita, n°11).

Por isso, Francisco segue para o seminário de Fortaleza, segundo Irineu Pinheiro, em Efemérides do Cariri (1963:167): “dia sete de julho de 1909”; data em que consta estar matriculado em tal instituição sob o número 1244 (Álbum Histórico do Seminário Episcopal do Ceará, p. 222). Depois de concluir os estudos teológicos, vai para o Crato na condição de diácono. Na mesma urbe, foi lente e diretor interno do Colégio Diocesano (1917-1918), quando em 30 de novembro de 1917 ordena-se padre na capela do Seminário do Crato. Nesta ocasião fez-se presente o primeiro bispo da diocese caririense, D. Quintino Rodrigues de Oliveira e Silva, com quem estabeleceu fortes laços de amizade.

Em Tauá, como vigário, é nomeado, por D. Quintino, no dia 5 e empossado a 12 de Março de 1919, com a posterior exoneração em 13 de Fevereiro de 1921. Por conseguinte, retorna ao Crato, sendo nomeado Cura da Catedral do Crato a 8 de Janeiro e empossado a 12 de Março de 1921, ademais, exerceu o cargo de Pároco da Freguesia de Nossa Senhora da Penha até a data de sua morte em 30 de abril de 1952, sendo este o mais longo governo desta divisão territorial da diocese cratense. No dia 18 de Janeiro de 1926 recebe o título de Monsenhor. Também, foi conselheiro de D. Quintino e do segundo bispo do Crato, D. Francisco de Assis Pires. Ainda, foi sócio fundador do Hospital São Francisco, onde desempenhou a função de provedor a partir do ano de 1937, quando em 1944 deixa o cargo para perfazer o conselho permanente do mesmo. No mais, orientou prudentemente a respeito da ditadura e da seca de 1932, pois nesta, campos de concentração entre Crato e Juazeiro mantinham os desvalidos e famélicos, migrados de diversas regiões do Nordeste.

No ofício sagrado, fundou mais de quarenta associações religiosas. Deste modo, foi reconhecido pela Instituição Católica como: “um dos nossos parochos mais trabalhadores. Possuidor de um bello talento e de uma bondade de coração notável, o padre Assis tem conquistado, no seio da sociedade cratense, sympathias radicadas e grande admiração pelo seu proceder modelar” (Álbum do Seminário do Crato, P. 178).

Nos anos em que viveu na “Princesa do Cariri”, residiu na casa paroquial, ao lado da igreja matriz de Nossa Senhora da Penha, junto a sua mãe e aos sobrinhos, vindos também das plagas inhamunsenses. Destes, muitos deitaram raízes na cidade do Crato, e, alguns até mesmo, administravam-lhe os bens, gados e propriedades rurais, que não eram poucos, porquanto, todos os seus inúmeros sobrinhos herdaram algum dos seus haveres.

Monsenhor Assis, quando do seu falecimento, encontrava-se em João Pessoa (PB), com afã de tratar da saúde, na avenida Tambaú, hospedado na casa de um amigo, o esculápio Nelson Queiroz Carreira. Expirou no quarto em que dormia, provavelmente de infarto do miocárdio, em 30 de abril de 1952. Um de seus sobrinhos buscou-o, sendo que seu corpo foi sepultado no Cemitério Municipal do Crato a 1° de maio, ao lado de sua finada mãe. Sobre este acontecimento diz J. Lindemberg de Aquino em Roteiro Biográfico das Ruas do Crato (1969:35): “Modestíssimo, era o exemplo da pobreza, da humildade, da bondade em pessoa, onde se fundiam todas as excelentes qualidades de espírito e de coração (...) O seu sepultamento foi verdadeira consagração humana, ferindo a cidade de uma dor inconsolável pela perda daquele que lhe deu tanto de sua bondade e do seu exemplo”.

Ainda hoje, a inolvidável presença de Francisco é verberada pelos vetustos indivíduos que o conheceram. Instam os indeléveis predicados dispensados ao Monsenhor. Freqüentemente palra-se sobre a sua extrema lhaneza para com os pobres, a polidez no trato, a sua beleza física, sua retidão moral, o inexorável compromisso com a religião, dentre outros altaneiros elogios.

Mons. Assis Feitosa é o segundo, da esquerda p/ direita. na ocasião do velório de sua irmã, Maria de Santana Ferrer Feitosa. O outro, também de batina, é o historiador Padre Antônio Gomes de Araújo, irmão do esposo de Maria de Santana.

Autor: Heitor Feitosa Macêdo

quinta-feira, 26 de maio de 2011

Intercessão valiosa - Emerson Monteiro

(Dada a participação do Cariri na Confederação do Equador, eis um dos seus episódios)
Das inúmeras ocorrências verificadas no decurso da Confederação do Equador, no Ceará, idos de 1824, episódio impressionante ficou registrado por Esperidião de Queiroz Lima, no livro Tempos Heróicos, que narramos aos que ainda não leram a referida publicação.
Trata-se da execução de um dos sentenciados pelo tribunal militar conhecido por Comissão Matuta, no mês de outubro daquele ano, instalado para punir as hostes rebeldes. Depois de julgados e condenados, cinco líderes republicanos seriam fuzilados no pátio da Cadeia Pública de Icó. Um desses, Antônio de Oliveira Pluma, autodenominado Pau Brasil, conforme sua assinatura no manifesto do movimento, insatisfeito com o resultado a que se via submetido, reagiu em altos brados, protestando misericórdia de quem ali se achava.
Recusara mesmo permanecer de pé, mas, sendo assim, forçaram-no em cordas a se sentar numa cadeira, onde, com olhos vendados, ainda pedia que o deixassem viver.
De nada lhe valeram as rogativas, pois logo em seguida o pelotão recebeu a ordem de preparação:
- Apontar!
E, ante os disparos iminentes, o pânico pareceu querer tomar a alma do condenado em face da morte inevitável, sob o monto de todo o idealismo que até ali dominara os atos de sua razão da existência. Outra vez, um gesto cresceu de sua voz, explodindo mais alto em reclamações de amparo, lançadas aos planos superiores:
- Valei-me, Senhor do Bonfim!
Nisto foi secundado pelo toque de comando: - Fogo!
Cessada a fumaceira, as balas achavam-se cravadas no muro onde o revolucionário permanecera incólume, sacudindo de espanto os presentes. Seguiu-se nova carga de munição. Restabeleceu-se a ordem preparatória, e se fez no ar outro grito de socorro:
- Valei-me, Senhor do Bonfim!
- Fogo! - foi a ordem marcial.
Resultado: o alvo manteve-se intacto. Os tiros voltaram a ferir tão só e apenas o muro, para desânimo da escolta. Em meio do inesperado, tonto, pálido, o comandante reclamava prática melhor de tiro a seus homens, visando manter os praças no cumprimento do dever, tratando de retomar as determinações da próxima tentativa, que foi precedida pelo mesmo grito do condenado, tão pungente quando sincero:
- Valei-me, Senhor do Bonfim!
Os disparos se deram, de acordo com a obediência. Desta vez Pluma fora atingido por algumas balas, mas continuava vivo, segundo narra em seu livro Queiroz Lima.
Os soldados de pronto se movimentavam para um quarto fogo. Nesse instante, a população presente, tocada de simpatia pelo confederado, se ergueu coesa e exigiu o direito do réu ser libertado, qual merecesse o valimento dos céus. Em seguida, essas pessoas levaram-no consigo, alheado e preso à cadeira do martírio, até à Igreja do Senhor do Bonfim, distante cerca de 200m do ponto onde a cena ocorrera, entre preces e benditos fervorosos.
Há registros do ano de 184l que dão conta de que o sobrevivente veio a ser titular da Promotoria Pública da comarca de Baturité, no Ceará, o que bem comprova sua resistência aos ferimentos naquele dia recebidos, na tentativa de execução de que fora objeto e sobrevivera, no município de Icó, 17 anos passados.

terça-feira, 24 de maio de 2011

A FESTA DA SANTA CRUZ DA BAIXA RASA


Artigo de Cacá Araújo, baseado em relatos populares.


Um vaqueiro vindo do Pernambuco atravessava a Floresta do Araripe. Chegando à Baixa Rasa parou para descansar. Exausto, faminto e fraco, resolveu ali ficar, à espera de que alguém passasse e pudesse lhe ajudar, saciando-lhe a fome e a sede. Sua valentia de sertanejo ainda o ajudou a resistir por alguns dias. 

O corpo sem forças. O desespero e a agonia já o dominavam quando, mesmo com a vista turva, conseguiu ver um grupo de homens montados em burros, que seguiam em comboio, certamente transportando mercadorias. Tentou gritar, mas sua voz, quase apagada pela tirania da fome e da sede, produziu apenas um fraco sussurro. Não foi ouvido e os homens seguiram seu destino rumo ao Crato.

Repentinamente um dos comboieiros, numa avivada de consciência, disse aos camaradas que lá para trás tinha visto um homem caído bem na beira da rodagem. Voltaram para ajudá-lo, mas ele já havia morrido. Morte silente, testemunhada pelos pássaros e pelas plantas que pareciam chorar diante daquele quadro de desventura. Encontraram-no sobre folhas secas, a cabeça escorada numa raiz de árvore, os olhos abertos ainda reclamando um sopro de misericórdia. Fecharam-lhe os olhos. Libertaram sua a alma. Seu corpo foi enterrado ali mesmo, no palco encantado de seu teatro de agonia. Com varas da mata fizeram a cruz que cravaram em sua cova. Isso aconteceu, segundo relatos, nos idos de 1880. Nascia, assim, o mito da Santa Cruz da Baixa Rasa. 

O martírio daquele vaqueiro foi divulgado pelo grupo de comboieiros ao povo da região. Tomados pela compaixão e motivados pela forte religiosidade, os moradores dos arredores passaram a freqüentar o lugar e rezar por sua alma, a fazer promessas, a suplicar milagres.

São diversas as histórias sobre a origem do mito. Mas o real é que vários milagres são atribuídos Santa Cruz da Baixa Rasa, dentre eles o atendimento a uma promessa feita por uma senhora, em 1914, quando uma terrível peste espalhou-se por diversos pontos do Nordeste. Ela, com inabalável fé, pediu que a epidemia não chegasse ao Cariri. Foi atendida e o povo da região ficou livre da doença. Essa senhora era conhecida como Vó Pretinha, matriarca da família Estêvão, família que até hoje mantém a tradição de rezar aos pés da Santa Cruz da Baixa Rasa.

Muitas graças foram e são alcançadas e, todo 25 de janeiro, uma grande romaria de devotos acorre ao local, que fica a cerca de 20 quilômetros da cidade do Crato, dentro da Floresta Nacional do Araripe. 

Uma clareira aberta no coração da mata virgem. Ventos soprando a ancestralidade de um povo religioso, que ainda tem o privilégio de conviver com a natureza divina, mãe de todas as crenças e mitos e desejos e esperanças. Um oráculo nordestino onde os filhos da terra procuram respostas que lhes livrem da ação implacável da esfinge que a todo tempo lhes apavora com a possibilidade de condenação ao inferno. Aqui e “adepois”.  A Santa Cruz da Baixa Rasa é magia matuta. É a busca incansável da felicidade. É o céu que se insinua aos impuros que buscam a clemência de Deus. 

Purgar os pecados, pagar promessas, cantar, rezar pela cura e por querer ser feliz. Aqui, instala-se um ritual misto de sagrado e de profano: missa, devotos, benditos, vaqueiros, bandas cabaçais, reisados, maneiro pau, penitentes, cantadores de viola, políticos d’aqui e d’acolá, pesquisadores, curiosos. É o espírito da devoção e da festa, como no princípio, onde o sagrado e o profano eram um só.   

NOSSA IDENTIDADE PULSA


Cacá Araújo
Professor, Dramaturgo, Folclorista




O Folclore nordestino é a expressão máxima da fusão de mundos que se deu no doloroso processo de colonização em terras brasileiras. Neste contexto, o Cariri cearense é uma das maiores vitrines da cultura tradicional popular, mostrando raízes profundas e demonstrando resistência e teimosia quando se trata da manifestação de folguedos, brincadeiras e festas tradicionais que nos remetem à nossa ancestralidade. 

Às novas gerações deve ser ofertado o banquete das matrizes culturais que podem explicar o passado, consolidar a identidade e fortalecer o espírito de soberania, sentimento de pertença e auto-estima. Os folguedos populares, patrimônios imateriais, são peças fundamentais da antropologia, posto que contam sobre costumes, crenças, comportamento, organização social.

Cientes da importância estratégica da cultura no desenvolvimento da nação, a sociedade e os poderes públicos devem atuar fortemente na organização e defesa das manifestações tradicionais populares, procurando, neste sentido, resgatar, preservar e difundir o Folclore e a Cultura Popular como referências na manutenção e desenvolvimento da alma nordestina e brasileira. 

Nós somos um povo plural, como todos os outros, em todos os aspectos, o que não significa dizer que tenhamos que ser depositários do lixo cultural produzido pela humanidade. Ser plural é possuir variadas dimensões numa mesma existência; é contemplar no indivíduo a multiplicidade do espírito e do imaginário formadores da alma do povo, sacralizada e profanada pela mesma mão. Tudo obrado não pelo acaso, mas fruto do amalgamar que os séculos anteriores ofertaram em festa, em guerras, em tempos de bom e de mau humor dos ritos da natureza, dos animais, dos homens, das coisas.  

Precisamos fortalecer o movimento em defesa da cultura tradicional popular como forma de resgatar as mais profundas raízes dos povos do sertão nordestino, tomando-as pela universalidade, evidenciando as manifestações que traduzem a variedade de influências que marcaram a alma do nosso povo: o canto, a dança, o verso, a música, a religiosidade, a história.

Nestes tempos de neo-imperialismo, devemos construir um caminho original e naturalmente legítimo de autodeterminação cultural, sem negar as raízes formadoras e afirmando uma cultura própria, resultante desse caldeamento que se insere no contexto histórico e não cessa, ganhando e perdendo novos elementos, seguindo o curso dialético da transformação cotidiana de homens e povos. 

Fortaleçamos as trincheiras de combate à agressão cultural perpetrada pelo império dos potentados da economia mundial, que contam com a complacência de muitos agentes da mídia e da política nacional a serviço de interesses estranhos à Nação brasileira.

segunda-feira, 23 de maio de 2011

GEORGE GARDNER : A LONGA ARTE DE UMA VIDA BREVE (Parte I)


S. A. T. O. R.
A. R. E. P. O.
T. E. N. E. T.
O. P. E. R. A.
R. O. T. A. S.

( Palíndromo latino encontrado por Gardner
em Pernambuco, utilizado magicamente para cura
de mordeduras de cobras, significando :
“O Criador mantém cuidadosamente o mundo em usa órbita”)

Inseridos no contexto político-histórico-cultural brasileiro, os habitantes de Pindorama têm a vista um pouco borrada pela beleza circundante. Atores e atrizes da tragicomédia tupiniquim sequer percebemos as mudanças de cenário, de figurino de adereços ao nosso derredor. O distante olhar estrangeiro sempre se mostrou importante para que nós compreendêssemos melhor os caminhos traçados pela jovem Nação Brasileira. O Século XIX(Foto 1)


Foto 1 – Mapa do Brasil Colônia
talvez tenha sido o período de ouro da vinda destes ilustres visitantes , dentre os quais eminentes naturalistas. O Visconde de Taunay (1800-1892) compilou algumas destas importantes presenças. Lembremos alguns: Langsdorff (1803 e 1813);Henry Koster (albor do Século XIX); Sellow (1814); Saint-Hilaire(1816 a 1822); Spix e Gaudichaud (1817); Lund(1825); Spruce(1849); Franz Müller(1852); Schwacke(1873) e muitos, muitos outros. Para o Ceará e especialmente para o Cariri, nenhum destes viajantes foi tão importante quanto George Gardner ( 1812-1849). Ele esteve no Cariri entre Setembro de 1838 até os primeiros meses de 1839 e simplesmente traçou o melhor retrato da nossa região no segundo quartel do Século XIX. Gardner encontrou um Crato de apenas 2000 habitantes, a maior parte de índios e mestiços. Presenciou ainda a rebeldia dos índios cariris e denunciou a vila por sua baixa moralidade e por perfazer um “esconderijo de assassinos”. A ocupação principal do povo era o carteado e os dois padres da cidade viviam maritalmente, com uma récua de filhos. Descreveu ainda o primeiro comerciante importante da cidade de que se tem notícia : “Francisco Dias Azede e Melo”. A vilazinha possuía, segundo noticiou, apenas um sobrado e as demais casas todas térreas. Irineu Pinheiro acredita que este sobrado provavelmente era na Rua do Pisa , onde nasceu o famoso Padre Cerbelon Verdeixas. Visitou Gardner alguns engenhos de açúcar, máxime o do Capitão João Gonçalves e fez uma detalhada descrição do feitio da rapadura . Ele foi ainda, talvez, o primeiro cientista a explorar os fósseis caririenses. Os fósseis classificados por George Gardner chegaram ás mãos do cientista Louis Agassiz(Foto2),

Louis Agassiz (1807-1873)
ainda em 1841 e este publicou um primeiro estudo sobre os eles: “On The Fossil Fishes Found by Mr. Gardner in the Province of Ceará in the North of Brazil”. Não bastasse isto, Gardner relatou uma Festa da Padroeira N. S. da Conceição e aquele que é o pioneiro relato de uma Banda Cabaçal. Reportou-se ainda àquele que seria o primeiro tratamento médico na região, quando ele curou a esposa do Capitão João Gonçalves de uma Oftalmia. No Cariri visitou ainda Jardim onde colheu vários fósseis numa localidade conhecida por Mundo Novo. Em Carta encaminhada ao presidente da Província de Pernambuco, Francisco Rego Barros- o Conde da Boa Vista( publicada numa segunda feira, em 16/06/1938, no Diário de Pernambuco) , ele narra o suicídio coletivo perpetrado pelos sebastianistas em Pedra Bonita ( hoje, São José do Belmonte, ocorrido entre 14-18 de Maio de 1838) (Foto 3)

Foto 3: Pedra Bonita palco da tragédia dos sebastianistas,
comandado pelo mameluco João Antônio dos Santos em 1838.

Visitou ainda Lavras da Mangabeira, as Guaribas, o Brejo Grande ( atual Santana do Cariri), o Olho D´àgua do Inferno,Poço do Cavalo (cercanias de Nova Olinda?), Cachoeira (proximidades de Potengi?), Rosário ( arredores de Araripe?) e finalmente Várzea da Vaca ( atual Campos Sales) . Não tendo pendores para a pintura, durante todo o percurso fez uma belíssima descrição literária da viagem, além de pontificar com esmero científico, aquilo que se tornara sua especialidade, a grandiosa fauna caririense. Foi no Cariri, ainda que Gardner sofreu na Fazenda Massapê, na Vila do Jardim, o acidente mais dramático da sua viagem. Em 03/01/1838, bateu com a cabeça num galho de árvore, tendo ficado desacordado por vários dias. Teria este trauma ligação com o possível Acidente Vascular Cerebral que terminou por ceifar-lhe a vida prematuramente, dez anos depois ?

J. Flávio Vieira

GEORGE GARDNER : A LONGA ARTE DE UMA VIDA BREVE (Parte II)


George Gardner – Uma Breve Biografia

GEORGE GARDNER, nasceu em maio de 1809 em Ardentinny(Foto 4), na Escócia, onde seu pai , nativo de Aberdeen, atuava como jardineiro para o conde de Dunmore.


Foto 4- Ardenttiny

Quem sabe o sobrenome Gardner não tenha se somado ao da família por conta da atividade profissional do seu genitor? Ele era o segundo filho de uma família humilde. Em 1816 seu pai tornou-se jardineiro em Ardrossan ( a 36 Km de Glasgow e 45 Km de Ardentinny) e lá Gardner freqüentou a escola paroquial até o ano de 1822, quando seus pais mudaram-se para Glasgow( Foto5).

Foto 5 – Glasgow, High Street, Século XIX

Subseqüentemente, ele foi ao interior e passou um tempo considerável explorando as regiões dos diamantes. Ele foi infatigável em sua missão, e suas longas e cansativas jornadas apresentavam freqüentemente aventura e perigo. Cinco anos – de 1836 a 1841 – foram passados no Brasil.
Antes de seu retorno em 1841, ele fez uma visita de despedida à serra dos Órgãos, cujo objetivo, conforme ele narrou em uma de suas cartas, foi para “fazer uma coleção de alguns arbustos finos e plantas herbáceas que eram encontradas nos níveis mais altos”, daquela escalada e levá-las vivas consigo. Depois de ir para o interior, ele encontrou dificuldades em enviar estas plantas sem sofrer algum tipo de danos. Mesmo assim, ele continuou a preservar grandes coleções para o herbário, que, com as sementes e plantas vivas podiam suportar a viagem pelo interior e seriam enviadas assim que houvesse uma oportunidade. Algumas das Melastomaceae, como a Pleroma benthamianum e a multiflora podem ser mencionadas entre o número das que ornamentam toda grande coleção de plantas que coletou.
Fósseis e Medicina
Apesar da botânica ser, naturalmente, sua busca principal, Gardner tinha sempre um olho no que seria de interesse a outros departamentos de história natural – portanto suas coleções foram acrescidas com minerais, conchas fossilizadas ou recentes, peles conservadas de pássaros, peixes, etc. ao mesmo tempo, ele não negligenciou as aquisições de espécies relativas à Medicina. Nas suas jornadas longas, ele sempre carregou seus instrumentos cirúrgicos e fez várias cirurgias importantes com pleno sucesso, as quais não somente melhoraram suas finanças, mas também lhe deram bons amigos – assim assegurando um grau de respeitabilidade, conforto e, em alguns casos, segurança entre as tribos nativas.Imaginem a importância de uma espécie rara como um médico no interior do Brasil, na maior parte das vilas, certamente, terá sido o primeiro esculápio a aportar por ali, até 1789 ( meio século antes da sua chegada ao Rio) o Brasil todo só possuía quatro médicos. Enquanto cuidava de seus trabalhos variados, ele mantinha sua correspondência com regularidade surpreendente, escrevendo freqüentemente para Sir William Hooker e Mr. Murray e ocasionalmente para os mais destacados botânicos estrangeiros da atualidade. Muitos dos seus trabalhos e cartas foram publicados por Sir William no “Jornal de Botânica”. Em um desses trabalhos, datado de 3 de setembro de 1840 e enviado da Província de Minas, ele refere-se à morte do seu generoso patrono, o Duque de Bedford, evidenciando a profunda gratidão pela qual ele foi movido. Nem negligenciou declarações elogiosas à conduta do benfeitor, em sua carta, como também demonstrou muito apreço em relação aos seus amigos de juventude tais como o Dr. Joseph Hooker e a família do Sr. Murray.

Na nova cidade ele foi matriculado na escola gramatical, e, no curso dos seus estudos, adquiriu um bom conhecimento do latim. Logo cedo, ele havia absorvido, provavelmente devido à ocupação do seu pai, um gosto pela botânica, mas foi talvez mais por acidente do que por desígnio que ele, subseqüentemente, devotou a sua vida a esta ciência.

A Medicina
Ele começou seus estudos em medicina na Universidade Andersoniana de Glasgow, e continuou, durante as aulas de verão e inverno de 1829 a 1832 dedicando-se aos seus estudos com zelo e grande perseverança. Terminou por auferir honras acadêmicas de alta distinção. Em 1830 ele entrou para a Sociedade Médica de Glasgow e, durante esse ano, e 1831-32, a sua presença na Real Enfermaria foi muito assídua.

A Botânica
Ainda no meio desses árduos estudos, ele encontrava prazer para entregar-se à sua inclinação primeira : a Botânica. Seus primeiros rudimentos de ciência foram obtidos do Dr. Rattray e continuou a melhorar fazendo passeios de estudos botânicos pelos campos e visitas freqüentes ao Jardim Botânico, junto com o curador deste, o Sr. Stewart Murray com o qual ele criou um elo de amizade que durou até o dia da sua morte. Através do Sr. Murray, descobriu em um dos seus passeios, a rara Nuphar minima ou pulima, no lago Mugdock e tornou-se conhecido de Sir William J. Hooker(Foto6), o eminente professor de botânica da Universidade de Glasgow.

Foto 6 – William Hooker

Então ele passou a freqüentar as aulas de botânica de Sir William que o teve em alta estima, percebendo seu caráter ímpar e seu talento. Como aluno, ele fez várias excursões botânicas às Terras Altas (Highlands) com o professor e sua turma; e a essa intimidade com o professor pode-se atribuir a mudança importante na sua carreira futura.

A Formatura
Gardner obteve seu diploma como cirurgião pela Faculdade de Médicos e Cirurgiões de Glasgow com alta distinção em 1835.

Foto 7 – Universidade de Glasgow
Enquanto isso ele havia se familiarizado, também, com as plantas e flores da Escócia e estudado botânica criptogâmica com tanto sucesso que, em 1836, ele editou um trabalho, intitulado “Musci Britannici ou Herbário de Bolso de Musgos Britanicos”, classificados e nomeados de acordo com a “British Flora” de Hooker. Este trabalho foi recebido com encômios e mostrou-se de grande valor para os estudiosos de musgos. As espécies são graciosamente classificadas e o trabalho alçou importância científica, já que Gardner não só teve acesso livre à esplendida biblioteca de Sir William Hooker, como também alcançou o benefício de sua assistência pessoal.

A Expedição
Uma cópia do “Musci Britannici” havendo chegado às mãos do Duque de Bedford– muito conhecido pelo interesse que demonstrava pela ciência botânica – este se tornou um espécie de Mecenas e encorajou fortemente a sua ambição em proceder a uma missão exploradora no exterior. Após a morte do botânico Drummond, cujos trabalhos no Texas e em partes da América Central haviam enriquecido grandemente o Jardim Botânico Real, os diretores dessa instituição com fins de promover a ciência, se viram na necessidade de empreender acordos e arranjos para excursão de Gardner ao norte do Brasil, a fim de explorar a rica botânica daquele país. Como no caso de Drummond, Sir William Hooker responsabilizou-se em procurar interessados na empreitada, tanto para arcarem com os gastos da missão, como para a receptação das espécies que seriam coletadas. O curador, ao mesmo tempo, concordou em subdividir com equidade as sementes e plantas vivas que seriam enviadas para o país. Muitos jardins botânicos públicos, como também nobres e cavalheiros se fizeram patrocinadores, e assim, por uma quantia irrisória tiveram suas coleções imensamente enriquecidas. Dentre outros, o Duque de Bedford fez-se um contribuinte generoso. Tendo se cumprido todos os trabalhos preliminares para a partida de Gardner, Sua Graça não apenas ofereceu o seu filho, Lord Edward Russel, comandando a estação americana, em seu benefício, como lhe assegurou uma passagem grátis em um dos navios de Sua Majestade . Gardner, porém, educadamente declinou, preferindo a privacidade maior de um navio mercante, onde ele teria o prazer de estudar e, especialmente, melhorar os seus conhecimentos de espanhol e português. Longe de estar ofendido, o duque, magnânimo, enviou um cheque de 50 libras para cobrir a passagem.

J. Flávio Vieira

GEORGE GARDNER : A LONGA ARTE DE UMA VIDA BREVE ( Parte III)

No verão , em 14/03/1836, partiu de Glasgow e já no dia 20, Gardner embarcou de Liverpool (Foto 8) a bordo do barco “Memnon”.


Foto 8 – Liverpool na época de Gardner

Depois de uma travessia sem maiores atribulações, aportou no Rio de Janeiro em 23 de Julho do mesmo ano(Foto 9).


Foto 8 -Rio de Janeiro quando Gardner
desembarcou em gravura de Debret.

A beleza natural da cidade logo o cativou e escreveu para casa com termos ardorosos , descrevendo suas primeiras impressões. No meio de um cenário tão tentador para um naturalista, Gardner não ficou muito tempo inativo. Ele fez excursões freqüentes nos arredores do Rio e especialmente à Serra dos Órgãos. Nestes passeios, ele foi freqüentemente acompanhado pelo Dr. Miers, um cavalheiro residente no campo, de cuja bondade ele sempre falava nos melhores termos. Sua primeira coleção de plantas, sementes e espécies do herbário, foi extraída principalmente desta área. Esta coleção foi trazida para a Inglaterra em excelente condição e mostrou-se altamente interessante. Continha muitas orquídeas(Foto 10), (liliaceae?), palmeiras, etc.

Foto 10 – Catleya walkeria , orquídia descoberta por Gardner.

Subseqüentemente, ele foi ao interior e passou um tempo considerável explorando as regiões dos diamantes. Ele foi infatigável em sua missão, e suas longas e cansativas jornadas apresentavam freqüentemente aventura e perigo. Cinco anos – de 1836 a 1841 –foram passados no Brasil.
Antes de seu retorno em 1841, ele fez uma visita de despedida à serra dos Órgãos, cujo objetivo, conforme ele narrou em uma de suas cartas, foi para “fazer uma coleção de alguns arbustos finos e plantas herbáceas que eram encontradas nos níveis mais altos”, daquela escalada e levá-las vivas consigo. Depois de ir para o interior, ele encontrou dificuldades em enviar estas plantas sem sofrer algum tipo de danos. Mesmo assim, ele continuou a preservar grandes coleções para o herbário, que, com as sementes e plantas vivas podiam suportar a viagem pelo interior e seriam enviadas assim que houvesse uma oportunidade. Algumas das Melastomaceae, como a Pleroma benthamianum e a multiflora podem ser mencionadas entre o número das que ornamentam toda grande coleção de plantas que coletou.

Fósseis e Medicina
Apesar da botânica ser, naturalmente, sua busca principal, Gardner tinha sempre um olho no que seria de interesse a outros departamentos de história natural – portanto suas coleções foram acrescidas com minerais, conchas fossilizadas ou recentes, peles conservadas de pássaros, peixes, etc. ao mesmo tempo, ele não negligenciou as aquisições de espécies relativas à Medicina. Nas suas jornadas longas, ele sempre carregou seus instrumentos cirúrgicos e fez várias cirurgias importantes com pleno sucesso, as quais não somente melhoraram suas finanças, mas também lhe deram bons amigos – assim assegurando um grau de respeitabilidade, conforto e, em alguns casos, segurança entre as tribos nativas.Imaginem a importância de uma espécie rara como um médico no interior do Brasil, na maior parte das vilas, certamente, terá sido o primeiro esculápio a aportar por ali, até 1789 ( meio século antes da sua chegada ao Rio) o Brasil todo só possuía quatro médicos. Enquanto cuidava de seus trabalhos variados, ele mantinha sua correspondência com regularidade surpreendente, escrevendo freqüentemente para Sir William Hooker e Mr. Murray e ocasionalmente para os mais destacados botânicos estrangeiros da atualidade. Muitos dos seus trabalhos e cartas foram publicados por Sir William no “Jornal de Botânica”. Em um desses trabalhos, datado de 3 de setembro de 1840 e enviado da Província de Minas, ele refere-se à morte do seu generoso patrono, o Duque de Bedford, evidenciando a profunda gratidão pela qual ele foi movido. Nem negligenciou declarações elogiosas à conduta do benfeitor, em sua carta, como também demonstrou muito apreço em relação aos seus amigos de juventude tais como o Dr. Joseph Hooker e a família do Sr. Murray.

O Itinerário

Foto 11- Itinerário de Gardner

Gardner desembarcou no Rio de Janeiro e explorou a Serra dos Órgãos, embarcando depois para Salvador, Recife, Alagoas e para a desembocadura do Rio São Francisco. Partiu então para o Ceará onde desembarcou em Aracati, seguindo em lombo de burro para Icó , Lavras da Mangabeira, chegando no Crato em setembro de 1938 e tendo permanecido explorando a região até janeiro de 1939.Seguiu então para o Piauí, percorrendo parte do Maranhão, de Goiás, Tocantins, Minas Gerais ( Diamantina e Ouro Preto) e finalmente chegando ao Rio de Janeiro. Em março de 1841 procedeu ainda à outra excursão à Serra dos Órgãos que durou mais de um mês. Em maio de 1841 retomou o percurso de volta à Inglaterra com uma escala exploratória em São Luiz do Maranhão. Gardner percorrera , no Brasil, cerca de 10.000 Km, visitando regiões inóspitas, sujeito a moléstias tropicais, ataques de índios, aos rigores climáticos , à total falta de infra-estrutura de estradas, trilhas, mantimentos, víveres.

De Volta à Inglaterra
Gardner embarcou a bordo do navio “Gipsey” em 06/05/1841, tendo ainda parado no Maranhão, para carregamento da embarcação, só prosseguindo viagem em 08 de Junho. Chegando por fim à Inglaterra em 18/07/1941, após quase cinco anos de viagem. Em 1842, não muito depois do seu regresso, Gardner foi eleito professor de botânica na Universidade Andersoniana.(Foto 12)


Foto 12- Herbário de Kew , onde Gardner trabalhou após sua volta

Trouxe um rico herbário de mais de 6000 espécies. Enquanto isso, ele se ocupou preparando material para o seu diário sobre o Brasil, com intenção de logo vê-lo publicado. Porém o trabalho ainda estava incompleto, quando, em 1843, ele foi indicado pelo governo colonial do Ceilão( hoje Sri Lanka) como botânico e superintendente do jardim botânico existente ali. Esta indicação deveu-se à influência de seu infalível amigo Sir William Hooker, que havia sido anteriormente promovido ao posto de diretor geral dos Jardins Reais em Kew (um bairro de Richmond upon Thames, no sudoeste de Londres). É famoso por ser a sede dos Jardins Botânicos Reais de Kew, do Palácio Kew e dos Arquivos Nacionais do Reino Unido). Ainda em Londres, recebendo instruções antes do embarque, ele foi tratado com muita bondade por Lord Stanley, agora Conde de Derby. De 1842 a 1848 ele publicou no London Journal of Botany, dirigido por Hooker, sua “Contributions towards a Flora of Brazil”. Gardner ,tendo visitado regiões não exploradas por Karl Friedrich Philipp von Martius (1794-1868) , em muito contribuiu com material e observações para a publicação do clássico definitivo, considerado uma das maiores obras de Botânica de todos os tempos: “Flora Brasiliensis” de Martius ( publicada paulatinamente de 1840 a 1906).


Foto 13 – Von Martins (1794-1868)

J. Flávio Vieira

GEORGE GARDNER : A LONGA ARTE DE UMA VIDA BREVE ( Parte IV)


Rumo ao Ceilão

Ao chegar ao Ceilão ( hoje Sri Lanka), sua primeira providência foi toda dedicada ao Herbário de Peradeniya , onde foi Diretor no período de 1844-1849.



Foto 14 – Localização do Ceilão ( Sri Lanka)


Foto 15 – Colombo, no Ceilão, na época da chegada de Gardner

Ele o consertou, reaparelhou-o e fez grandes melhorias. Então ele começou a fazer excursões na ilha, enriquecendo assim o jardim com os frutos de suas jornadas. Ele os enviava também para os jardins botânicos da Inglaterra, especialmente o de Kew, obtendo em troca produtos de outros lugares – América do Sul, Índias Ocidentais, etc. – para o jardim do Ceilão. Durante suas caminhadas ele descobriu a “upas” (Antiaris toxicaria (Upas ou Ipoh), que anteriormente não se sabia existirem no Ceilão. Um escritor em um dos jornais do Ceilão, cujo artigo foi copiado para o “Chamber’s Journal” diz:
- “Quando retornamos a Komegalle, tivemos a sorte e o prazer de ter em nossa companhia o Dr. Gardner, o eminente botânico, em cuja companhia a mais insignificante planta ou flor passa a ganhar um interesse de nossa parte em relação a ela, pois ele sempre tem algo instrutivo sobre a mesma para nos transmitir. Na nossa jornada de volta a Kandy, ele descobriu a “upas”, que crescia a poucas milhas de Komegalle. Ela não era conhecida antes de crescer no Ceilão.”(


Foto 16 – Kandy no Ceilão , antiga capital, onde Gardner viveu.

O Livro
A posição e eminência de Gardner como botânico o levaram a uma extensiva correspondência sobre suas funções oficiais , ajustando-as de tal maneira que fosse possível, logo depois de sua chegada no Ceilão, terminar a organização dos seus escritos sobre o Brasil, que foram publicados em Londres pela Reeves Brothers em 1846. O trabalho, de 562 páginas e 8 volumes, é intitulado “Viagens ao interior do Brasil, principalmente pelas Províncias do Norte e Distritos do Ouro, durante os anos de 1836-41.”


Foto 17 – Fac- Símile da aprimeira edição do “Travels…”

Foi muito favoravelmente recebido, sendo muito popular em seu estilo, interessando aos leitores em geral, não desapontando assim, as expectativas deste homem de ciência. Republicado em inglês em , 1849 e em 1973.
Lord Torrington, governador do Ceilão, provou ser um amigo gentil e patrono de Gardner, dando-lhe grandes condições de divulgar seus trabalhos botânicos; assim também o fez Sir James Emerson Tennent, o secretário. Esses honrados nomes são constantemente mencionados com grande sentimento em suas cartas.
No Brasil a parte relativa ao Ceará, de seu livro “Travels in the interior of Brazil (1846)”, foi publicada na Revista do Instituto de Ceará (1912), graças a uma tradução de Alfredo de Carvalho. A primeira tradução completa só viria apenas em 1942, traduzido por Albertino Pinheiro, com o título “Viagem ao Interior do Brasil”. (São Paulo: Cia. Ed. Nacional, 1942. 468 p.)


Foto 18 – Capa da primeira edição brasileira (1942)

e reeditada em 1975, pela Editora da Universidade de São Paulo, numa tradução de Mílton Amado(Foto 19).


Foto 19 – Capa da segunda Edição ( 1975)

J. Flávio Vieira

GEORGE GARDNER : A LONGA ARTE DE UMA VIDA BREVE ( Final) - Por: José Flávio Vieira


A Morte Prematura

Foi na casa de repouso Neuria Ellia, residência de Lord Torrington, em Kandy, a então capital do país, que seu falecimento aconteceu. Ele chegou ali no dia 10 de março de 1849, por volta das 3 horas da tarde e, depois do almoço com Lord e Lady Torrington, retirou-se aos seus aposentos para descansar, enquanto o seu anfitrião e o Dr. Fleming foram cavalgar. No dia seguinte, o grupo devia ir a uma excursão as planícies Horton. Lord Torrington e o médico não haviam ido muito longe, quando foram chamados às pressas. Gardner havia sido tomado por um severo ataque de apoplexia. Tudo o que a ciência médica sugeria nesses casos foi feito mas sem efeito. Ele morreu às 23 horas, cercado por um círculo de amigos profundamente pesarosos.



Foto 20 – Monumento em homenagem a Gardner, no Herbário de Peradeniya em Kandy, no Sri Lanka.

Estava no apogeu de sua vida, com apenas 37 anos e, como disse Lady Torrington durante o almoço, nunca tinha estado com tão boa saúde e disposição. Ele foi conhecido a vida toda por sua abstinência intransigente à bebida. Mesmo durante os três anos de viagens constantes, de irregularidades e fadiga, explorando o interior do Brasil, não bebia nada mais forte do que chá, de que ele havia assegurado um bom suprimento antes de sair de Pernambuco.
Lord Torrington, ao comunicar este aflito acontecimento a Sir William Hooker, assim calorosamente elogiou o caráter do falecido:
“ Posso honestamente dizer que a colônia e o público em geral, experimentaram uma perda severa neste homem excelente e talentoso – que era amado por todos – nunca vi uma pessoa tão amiga, tão benevolente e sempre pronto para compartilhar informações com todos aqueles que pedissem.”
Assim a ciência da botânica viu-se privada de um estudante entusiasta, um expositor hábil, no auge de sua vida e do vigor do intelecto. Acreditam aqueles que melhor o conheceram, que seu final foi precipitado pelo trabalho mental excessivo. Entre seus manuscritos, existe um já terminado, que ele estava prestes a enviar para ser impresso, apontado como um trabalho elementar de botânica da Índia e, como declarou Sir W. Hooker ao noticiar sua morte no “Jornal de Botânica”, que ele havia feito vastas coleções sobre uma completa “Flora Zeylanica”. Como fato de interesse geral, não é desnecessário informar que Gardner conseguiu uma patente para preparação da folha do café, conseguindo assim uma bebida, por infusão, “formando um artigo de dieta nutritivo, refrescante e agradável.”

O Testamento

De acordo com o testamento de Gardner, seus livros e o herbário foram oferecidos ao governo do Ceilão para formar parte do estabelecimento em Peradynia; e se não fossem aceitos, deveriam ser enviados a Sir W. Hooker, seu administrador na Inglaterra. O governo, ao declinar da oferta, colocou automaticamente à disposição de Sir William.

O Palíndromo

Como no palíndromo latino, Gardner conseguiu colocar o Cariri cuidadosamente na sua órbita. Hoje é impossível lançar uma visão clara sobre nossa região, sem utilizar um pouco da luz e da clarividência do nosso mais importante naturalista. É através do olho de mágico de Gardner que conseguimos entender as nuances caririenses, 170 anos depois.

Agradecimentos:

Prof Jairo Starkey – Pela tradução do inglês do texto básico biográfico
Prof Glauco Vieira(URCA) – Pela revisão e idéias
Prof Armando Rafael (URCA) – Pela pesquisa subjacente e incentivo
Mister Craig Brough do Information Services Librarian Library, Art & Archives
Royal Botanic Gardens, em Kew, Richmond, pela pesquisa iconográfica sobre Gardner

J. Flávio Vieira

Bibliografia :

Pinheiro, Irineu. Efemérides do Cariri. Fortaleza, Imprensa Universitária, 1963.

Gardner, George. Viagem ao Interior do Brasil. São Paulo, Livraria Itatiaia Editora Ltda. , 1975
Carvalho, Alfredo de, Um Botânico Inglez no Ceará de 1838 a 1839. Revista do Instituto do Ceará – ANNO XXVI , 1912
Brígido, João. Ceará ( Homens e Fatos). Fortaleza, Edições Demócrito Rocha, 2001.

Sites :
http://www.electricscotland.com/history/other/gardner_george.htm
http://www.institutodoceara.org.br/Rev-apresentacao/RevIndiceJoseHonorio/JH-G.html
http://www.srilankaleisureguide.com/botanical_gardens.html
http://www.chadwickorchids.com/Cattleya/laelialobata.htm
http://pt.wikipedia.org/wiki/George_Gardner
http://www.institutodoceara.org.br/Rev-apresentacao/RevPorAno/1912/1912-UmBotanicoIngleznoCeara.pdf
http://www.agridept.gov.lk/NBG/RBG.htm
http://www.agridept.gov.lk/NBG/herba.HTM
http://www.electricscotland.com/history/other/gardner_george.htm
http://books.google.com/books?id=3rQEAAAAIAAJ&pg=PA711&lpg=PA711&dq=Neuria+Ellia++Lord+Torrington&source=web&ots=0Ys1jvlw79&sig=ylP9IerkRQuwgJbHvfIR8H5l_G4
http://educacao.uol.com.br/atualidades/ult1685u297.jhtm
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-59702000000300007&lng=in&nrm=iso&tlng=in
www.flickr.com/photos/studentnetwork/383039729/
http://www.gutenberg.org/files/21324/21324-h/21324-h.htm
http://www.institutodoceara.org.br/Rev-apresentacao/RevPorAnoHTML/1912indice.html
http://www.philadelphia-reflections.com/topic/13.htm
www.hunterian.gla.ac.uk/…/index.shtml
http://apps.kew.org/herbcat/gotoCollectorsPage.do

A Igreja do Rosário de Barbalha, uma das mais bonitas do Cariri – por Armando Lopes Rafael

A idéia de construção de uma igreja dedicada a Nossa Senhora do Rosário surgiu no primeiro quartel do século XIX, entre os escravos negros – pessoas sofredoras e piedosas – residentes em Barbalha, as quais, anos mais tarde, formariam a Irmandade de Nossa Senhora do Rosário, daquela aconchegante cidade. Como esses escravos eram paupérrimos, somente em 1860 conseguiram eles cavar os alicerces, logo soterrados pelas rigorosas temporadas de chuvas que aconteciam no Cariri naquele tempo.

Somente em 1892 o padre Manoel Cândido dos Santos, vigário de Barbalha, resolveu enfrentar a construção da Igreja do Rosário. Naquele ano ele deu a bênção da pedra angular do futuro templo. Existem registros de que em 1906, a igreja já tinha as paredes levantadas Entretanto, devido – novamente – ao rigor das chuvas daquele ano, as colunas centrais desabaram. No verão, as obras foram reiniciadas e em 1907 o corpo da igreja estava coberto e rebocado no lado sul.
Naquele ano, devido à saída do padre Manoel Cândido da paróquia de Barbalha, as obras foram novamente paralisadas. Foi quando os leigos Antônio Correia Sampaio Filgueiras e José de Sá Barreto Sampaio (Zuca Sampaio) tomaram a si o encargo de concluir a Igreja do Rosário. Nova paralisação ocorreu a partir de 1914 por conta da chamada Sedição de Juazeiro, quando tropas invadiram e saquearam Barbalha obrigando muitas famílias a se refugiarem em sítios e fazendas do sertão pernambucano. Em 1918, com o retorno dessas famílias as obras da Igreja do Rosário recomeçaram.

Finalmente, no dia 2 de fevereiro de 1921, o primeiro bispo de Crato, dom Quintino Rodrigues de Oliveira e Silva, acompanhado de vários padres, procedeu a benção do majestoso templo, cujas festividades se prolongaram por três dias, com a participação de toda a população barbalhense, aquele época cem por cento católica.

Vale ressaltar que a belíssima imagem de Nossa Senhora do Rosário, que pontifica no altar-mor, foi doada – em 1912 – pela Sra. Cosma Porcina de Sá Barreto Sampaio. Já o belíssimo altar, entalhado em madeira, foi feito pelo mestre Manoel Roque.

Texto e postagem de Armando Lopes Rafael

Dois tópicos sobre a história de Juazeiro do Norte – Por: Armando Rafael



O fundador da cidade

Alguns autores insistem, erroneamente, em atribuir ao Padre Cícero Romão Batista a fundação de Juazeiro do Norte. Pelas informações de renomados historiadores concluímos que foi o Brigadeiro Leandro Bezerra Monteiro o fundador do núcleo primitivo, origem da atual cidade. Deve-se ao Brigadeiro Leandro a iniciativa da primeira urbanização da localidade – ainda conhecida por Tabuleiro Grande – com a edificação da Casa Grande, capela, residências para os escravos e agregados da família. A realidade histórica nos mostra: quando o Padre Cícero chegou ao “Joaseiro”, para fixar residência, em 11 de abril de 1872, já encontrou um povoado formado em torno da capelinha de Nossa Senhora das Dores. Contava o lugarejo, à época da chegada deste sacerdote, com 35 residências, quase todas de taipa, espalhadas desordenadamente por duas pequenas ruas, conhecidas por Rua do Brejo e Rua Grande. No povoado, à época da chegada do Padre Cícero, residiam cinco famílias, tidas como a elite do vilarejo: Bezerra de Menezes, Sobreira, Landim, Macedo e Gonçalves. É verdade, porém, que o povoado só veio a ter alguma projeção a partir da ação evangelizadora do Padre Cícero. E o vertiginoso crescimento demográfico da localidade só começou em 1889, motivado pela ocorrência dos fatos protagonizados pela beata Maria de Araújo, que passaram à história como “O Milagre da Hóstia”.

A primitiva imagem da Mãe das Dores

A imagenzinha de Nossa Senhora das Dores – adquirida pelo Brigadeiro Leandro Bezerra Monteiro, em Portugal — mostrada em foto ao lado por Assunção Gonçalves — foi venerada como padroeira da Fazenda Tabuleiro Grande e do povoado de “Joaseiro” por cerca de 60 anos. Zélia Pinheiro, escrevendo ­– no opúsculo Sesquicentenário de Fé – sobre a inauguração, em 19 de agosto de 1884, da nova capela de “Joaseiro”, esta já construída pelo Padre Cícero, em substituição à primitiva, edificada pelo Brigadeiro, narra:

(…) Continuava como Padroeira Nossa Senhora das Dores e fora colocada no Altar a mesma imagem trazida de Portugal para a Capelinha da Fazenda Tabuleiro Grande. Era uma imagem em estilo bizantino, de madeira, muito bem esculpida, tendo setenta e cinco centímetros de tamanho e permaneceu no Altar-Mor até setembro de 1887, quando foi trocada pela imagem que até hoje está lá. (ZÉLIA PINHEIRO, 1977:26).

Bom esclarecer que a atual imagem, adquirida pelo Padre Cícero, substituta da primeira, somente chegou a Juazeiro em 1887, proveniente da França. A pequena imagem primitiva de Nossa Senhora das Dores, chamada antigamente pelo povo de “Carita”, encontra-se em perfeito estado de conservação. Ela, por questão de segurança, é guardada na Casa Paroquial. Geralmente é exposta à veneração dos fiéis nas duas grandes procissões anuais: a de 2 de fevereiro (Nossa Senhora das Candeias) e 15 de setembro (Nossa Senhora das Dores).

Texto e postagem de Armando Lopes Rafael

A luz que acompanhou a imagem de São Vicente Ferrer de Juazeiro a Crato — por Armando Rafael




Depois da devoção a Nossa Senhora da Penha, um dos santos mais cultuados em Crato é São Vicente Ferrer. Por isso, é interessante relembrar um fato que teria ocorrido, no final do século 19, relacionado com a estátua desse santo, venerada na Igreja-Matriz da Paróquia do mesmo nome, na cidade de Crato.

Devemos a preservação da memória desse acontecimento a Irineu Pinheiro, cfe. vê-se no livro “O Cariri”, editado em Fortaleza (CE) em 1950, página 270. Consta lá:

“É muito antigo o culto a São Vicente Ferrer, no Crato. Em 1788, já havia, ali, um oratório dedicado ao grande taumaturgo espanhol (…) Em 29 de dezembro de 1801, como se pode ver no primeiro cartório do Crato, doou Dona Luiza Joana Bezerra, viúva do capitão Sebastião de Carvalho Andrade, mãe do Padre Pedro Ribeiro da Silva, iniciador da capela de Juazeiro, terras próximas do Crato”, junto à falda da Serra Grande (Araripe) para o patrimônio de “uma capela de pedra e cal” que ela, a doadora, se comprometia a erigir em honra do Senhor São Vicente, com o fim de “beneficiar a alma de seu marido e em favor do bem espiritual de sua pessoa e de outros “pertencentes”.

(Esclarecemos que Luiza Joana Bezerra era a filha mais velha do Brigadeiro Leandro Bezerra Monteiro, este o construtor da capelinha de Nossa Senhora das Dores, na Fazenda Tabuleiro Grande, origem da cidade de Juazeiro do Norte).

Vamos à página 271, do livro citado.

“No paroquiado do Padre Antônio Fernandes da Silva (1883 a 1892), trouxeram ao Crato, desde a derradeira estação da Estrada de Ferro de Baturité, numa distância de dezenas de léguas, a atual estátua de São Vicente Ferrer, substituta da primitiva, que era pequena. Carregaram-na através dos sertões, num caixão, em ombros de homens, à frente destes o Padre Felix de Moura (…)

“Em menino, ouvi dizer que da povoação de Juazeiro, penúltima etapa da viagem, até o Crato, viu-se no céu uma estrela a acompanhar a imagem, nos treze quilômetros que medeiam entre as duas localidades caririenses. Era a lenda que ia se formando em torno do Santo, pensava eu. Mas, depois, verifiquei haver algo de verdade na versão do povo. Uma vez, em Juazeiro, a passeio visitei a boa velhinha Teresa do Padre Cícero, assim chamada por ter sido criada em casa do famoso sacerdote, considerada pessoa da família por sua bondade e dedicação, e ela, no correr da conversação, disse-me quase textualmente:

“Dormiu aqui, em Juazeiro, na capela, o caixão em que veio São Vicente. Sinhozinho (era assim que ela tratava o Padre Cícero), Sinhozinho e o Padre Felix convidaram o povo para levá-lo ao Crato, na madrugada seguinte. Bem cedo, inda escuro, postei-me na Rua Grande, onde morava e moro hoje, num terreno vago, do lado nascente, e aguardei a passagem do préstito. Ao aproximar-se o caixão, ao lado os dois padres, vi sair entre a igreja e a casa que lhe ficava mais próxima, uma luz muito brilhante que voou rápida em busca do santo. Não pretendia eu ir ao Crato, mas, em vista do prodígio, corri até minha casa, pus, às pressas, um chale à cabeça e encorporei-me no cortejo que era numeroso”.

E conclui Irineu Pinheiro:

“Estimaram-na todos que conheceram à velhinha Teresa, morta há alguns anos nonagenária, sempre tida por absolutamente fidedigna”.

Que a luz de São Vicente Ferrer continue a brilhar neste vale do Cariri, de modo especial na cidade de Crato, onde ele é particularmente venerado.

Memória caririense - Armando Rafael


Casa-Mãe da Congregação das Filhas de Santa Teresa de Jesus, localizada no centro de Crato. Na foto acima, o altar-mor da capela – esculpido em madeira de lei, em 1923, pelo famoso artesão cratense mestre José Lucas – com seus três nichos, onde pontificam o trio carmelitano: Nossa Senhora do Carmo, Santa Teresa d’Ávila (Padroeira) e São José. As imagens do altar foram adquiridas na Itália, por dom Quintino (1º bispo de Crato), há 87 anos. Esta capela, que conserva toda sua originalidade, é propriedade da Diocese de Crato e está há décadas sob custódia das Filhas de Santa Teresa. Na foto abaixo, a pracinha interna, existente na Casa-Mãe, onde existe um pequeno monumento a São Geraldo (obra do escultor italiano Agostino Balmes Odisio). A pracinha também passa por trabalhos de restauro ( 2010 ) e terá novo projeto de jardim.

Crato Republicano? Algumas Considerações… por Armando Lopes Rafael


(Excertos de um artigo publicado há 10 anos na revista A Província – nº 18, 2000)

Alguns escritores locais citam, vez por outra, a “tradição republicana” de Crato. Não acredito nessa alardeada “tradição”. Mas quero deixar claro que receberei com naturalidade, toda correção que vierem a fazer a este meu pensamento.

Começo por lembrar que o aniversário do golpe militar que implantou a República nunca foi comemorado em Crato. Nesta cidade o povo comemora datas como o 7 de setembro, 21 de Junho, Nossa Senhora da Penha, São José, São Francisco, dentre outras.
Comemoração no dia 15 de Novembro – data da “Proclamação da República” – nunca vi.
O Crato, durante 149 anos (de 1740 quando foi fundado a 1889, quando houve o golpe militar que introduziu a forma de governo republicana) viveu sob a Monarquia. Não se apaga facilmente um século e meio na vida de um povo. No imaginário popular persiste a idéia de que a Monarquia é algo bom. O historiador cratense Denizard Macedo escreveu[1] : “O povo tinha apego aos soberanos e aversão às manobras revolucionárias. Diferente do que alguns tentam demonstrar existia uma tradição moldada na fé católica e na monarquia absoluta, com seus princípios, escala de valores, hábitos, usos e costumes, não sendo fácil remover esta herança cultural profundamente enraizada no tempo”.


Isso é verdade, ainda hoje quando o povo reconhece numa pessoa certos méritos ou qualidades acima do comum, costuma dar-lhe o título de “Rei”. Por isso temos ou tivemos; “O Rei Pelé”, “O Rei Roberto Carlos”, “O Rei do Baião”, “O Príncipe dos Poetas Populares” (o repentista Pedro Bandeira) etc. E o que dizer dos concursos que se realizam para escolha da “Rainha do Colégio”, “Rainha da Exposição”? e de nomes de lojas como “O Rei da Feijoada”, “O Império das Tintas”? Ou nomes como “Rádio Princesa FM”, “Colégio Pequeno Príncipe”?


Portanto, é um mito sem consistência essa alardeada “tradição republicana” de Crato. Precisamos ter coragem para proclamar isto, pois ela não reflete a realidade. Ainda não se conseguiu sensibilizar as camadas populares para comemorar, em Crato, o golpe militar que impôs no Brasil a República. Sempre foi assim. Vai ser assim, também, na próxima 2ª feira, dia 15 de novembro, quando o país vai parar – num feriado nacional – em comemoração à “Proclamação da República”.


República” para o povo é sinônimo de casa de estudante, com a desorganização e improvisação comum aos jovens. Ou serve para lembrar as notícias que vêm da Capital da República como os escândalos de corrupção na Casa Civil. “República” continua a ser, no imaginário popular, a lembrança da falta de segurança, a falência da saúde pública, a precariedade da educação pública, a fila dos aposentados (expostos ao sol e à chuva) na fila das calçadas dos Bancos para receber suas míseras aposentadorias, os políticos corruptos, as obras públicas inacabadas, a demagogia e a falta de respeito para com a população…

[1]Notas Preliminares no livro “Vida do Brigadeiro Leandro Bezerra Monteiro”, de J.dias da Rocha, 2ª Ed. Secretaria de Cultura do Ceará, 1978.

Texto e postagem de Armando Lopes Rafael

O dia que Crato foi consagrado a Nossa Senhora de Fátima — por Armando Lopes Rafael

Era o dia 27 de janeiro de 2000. O Palácio Alexandre Arraes, sede da Prefeitura Municipal de Crato, estava lotado. Ante uma belíssima imagem de Nossa Senhora de Fátima, o então Prefeito, Moacir Soares de Siqueira, visivelmente emocionado, comandava a solenidade de Consagração da Cidade de Crato ao Imaculado Coração de Maria, com a leitura do texto a seguir transcrito.

“Ó Virgem Senhora de Fátima, a cidade de Crato, prostrada aos vossos pés, crê e espera, deseja e implora a realização de vossa grande promessa: Por fim, o Imaculado Coração Triunfará!

E nós, enquanto Prefeito deste povo fiel, em união com o Santo Padre o Papa João Paulo II, com o nosso Bispo Dom Newton Holanda Gurgel, e todo o clero, aclamamos desde já este triunfo, que fará raiar no mundo o Reinado de vosso Divino Filho, Cristo Jesus, nosso Redentor.

E, ao mesmo tempo, suplicamos a graça de sermos instrumentos em vossas mãos para edificação deste Reinado, que só será verdadeiramente de Jesus, se for inteiramente vosso! Sois Vós, Senhora, a Estrela da Esperança e a Aurora do Terceiro Milênio. Foi por Vós que Nosso Senhor Jesus Cristo veio ao mundo, e será por Vós que ele reinará no mundo.
E nós, vossos filhos de Crato queremos buscar em primeiro lugar este Reino, o Reino de Jesus em Vosso Imaculado Coração, bem certos de que todas as outras coisas nos serão dadas por acréscimo.

Para selar oficialmente este propósito, nos Vos consagramos – tanto quanto nos outorga nossa autoridade de representante civil deste povo católico – nós consagramos ao vosso Sapiencial e Imaculado Coração nossa cidade, com todas as suas famílias e instituições.
Aceitai, Senhora, esta consagração. Nós a depositamos em vosso Coração Imaculado, para assim nos consagrarmos mais santa e plenamente ao Sagrado Coração de Nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Divino Filho.
Assim seja.”

A emoção e o silêncio de todos os presentes dava a entender que Nossa Senhora tinha aceitado esta consagração e parecia dizer a cada coração: “Fiquem tranquilos. Por fim, meu Imaculado Coração triunfará.”

O significado de uma consagração

O interessante é que a cidade de Crato se antecipou em onze meses a uma decisão, adotada em novembro de 2000, pelo Papa João Paulo II, dedicando o terceiro milênio a Nossa Senhora! Mas, o que significa uma “consagração”? Utilizado as palavras de Maria Emmir Nogueira, co-fundadora da Comunidade Católica Shalom, podemos sintetizar assim.

“Em hebraico, a palavra Kadosh significa “santo, separado”. É um termo utilizado em referência a Deus, o único Santo. Para as pessoas “santificadas”, ou “separadas” para Deus, posse exclusiva de Deus, que chamamos “consagradas”, os judeus utilizam o termo Kiddushin, que se refere, entre outras coisas, à santificação pelo casamento, quando o noivo é separado, exclusivo para a noiva, e vice-versa, e ambos são separados para Deus. O mesmo termo é utilizado para o povo de Israel, povo “separado para Deus” através de uma aliança. A este povo Deus refere-se inúmeras vezes, do Gênesis ao Apocalipse, como “esposa”, “noiva”, “desposada”, amada (cfe. Ez 16; Os 2,42-5 e 3; Ap 22,17; Ef 5,25).

Desse modo, consagrar uma pessoa, um casal, um povo, um local (…) é torná-lo santificado, porque exclusivamente pertencente ao Santo, que é Deus”. (…) Quando nós católicos utilizamos a palavra “consagrar”, mantemos o mesmo sentido: “separar para Deus”, “tornar sagrado”, “tornar santo porque pertencente exclusivamente ao Santo que santifica tudo o que lhe pertence, tudo o que “toca”.

Assim, naquela singela iniciativa de 27 de janeiro de 2000, o Prefeito Moacir Soares de Siqueira – com a legítima autoridade de que estava investido – ao consagrar o Crato a Nossa Senhora de Fátima, separou para Deus esta cidade e seus moradores, oficializando-os – no âmbito civil – como propriedade da Virgem Santíssima. Esta, certamente, cuidará ainda com mais carinho e desvelo maternal, tanto da cidade como do seu povo, que já lhe pertenciam por desígnios de Deus, e cuja pertença foi ratificada por suas autoridades civis constituídas…

Texto e postagem de Armando Lopes Rafael

O patrimônio arquitetônico de Barbalha através da câmera de Heládio Teles Duarte


A Carta Européia do Patrimônio Arquitetônico declara enfaticamente:

“O patrimônio arquitetônico é um capital espiritual, cultural, econômico e social de valores insubstituíveis. Qualquer diminuição desse capital é, portanto, mais um empobrecimento cuja perda em valores acumulados não pode ser compensada, mesmo por criações de alta qualidade. A arquitetura do passado deve ser, portanto, uma herança comum para os habitantes de uma cidade que soube conservar seus prédios antigos”.

O povo de Barbalha teve a sensibilidade de conservar seu casario, hoje tombado como “Patrimônio Histórico”.

Nas fotos acima, vemos dois prédios do casario antigo de Barbalha. Bom atentar que a segunda foto – o casarão da família Alencar – localizado próximo á Matriz de Santo Antônio, foi recentemente recuperado pela Dra. Jaqueline Sampaio.
Parabéns Barbalha!

Texto: Armando Rafael
Fotos: Heládio Teles Duarte

A festa de Nossa Senhora da Penha em Crato – Por: Armando Lopes Rafael


Os festejos a Nossa Senhora da Penha – Rainha e Padroeira de Crato – são realizados há 242 anos. E se constituem na maior manifestação religiosa feita nesta cidade. A mais antiga referência a esta comemoração data de 1838, e foi feita por George Gardner, Naturalista, Botânico Memorialista, Intelectual, Pesquisador, Escritor, Ensaísta e Cientista inglês, que esteve em Crato naquele recuado ano. Autor do livro Viagem ao Interior do Brasil, publicado em Londres em 1846 (e somente traduzido para o português e editado no Brasil quase cem anos depois) lá encontramos uma descrição da festa da Padroeira de Crato, da qual destacamos o seguinte trecho:

“Durante minha estadia em Crato foi celebrada a festa de N. Sra. da Conceição, (Gardner equivocou-se quanto à invocação, pois o certo é Nossa Senhora da Penha) precedida de nove dias de divertimentos, cujas despesas correm por conta de pessoas designadas para conduzi-los; enquanto durou a novena, como é chamada, os poucos soldados que haviam na vila não cessaram quase, dia e noite, de dar tiros e as procissões, iluminações, girândolas de foguetes e salvas, com um pequeno canhão em frente da igreja, trouxeram ao lugar um constante alvoroço”.


A crônica histórica de Crato guarda ainda o registro de que o primeiro Intendente deste Município, após o advento da República – cargo que hoje corresponde ao de Prefeito – o cidadão José Gonçalves da Silva, durante 29 anos seguidos (de 1900 a 1929) foi o coordenador da Festa de Nossa Senhora da Penha. Consta que estando uma vez no Rio de Janeiro, ao embarcar no navio que o traria de volta ao Ceará o Sr. José Gonçalves da Silva, homem de pequena estatura, caiu no mar e na hora da aflição pediu o auxílio de Nossa Senhora da Penha para não morrer afogado.

Retirado das águas fez um voto de assumir a coordenação da festa da Padroeira de Crato, o que cumpriu até sua morte, ocorrida em 4 de julho de 1930. O certo é que, em quase dois séculos e meio de realização, os festejos a Nossa Senhora da Penha, têm importância não só na tradição religiosa desta cidade, mas servem como instrumento de socialização e divulgação da capacidade empreendedora e artística da sociedade cratense. Basta lembrar que a cada 22 de agosto, véspera do início do novenário em louvor à Virgem da Penha, que coincide com o Dia do Folclore, dezenas de grupos da tradição popular se encontram na Praça da Sé para homenagearem sua padroeira.

Em face disso, os festejos a Nossa Senhora da Penha também contribuem para a conservação da cultura popular com suas festas, brincadeiras, danças, cantigas de roda, crenças, superstições, lendas, histórias, ritos e mitos do Homem Cariri. No dia 1º de setembro – data consagrada a Nossa Senhora da Penha – a procissão com a imagem da excelsa padroeira dos cratenses leva cerca de trinta mil pessoas às ruas da cidade. Mantendo uma velha tradição as famílias ornamentam com flores, velas e imagens as janelas de suas residências para reverenciar a passagem da sagrada imagem. Trata-se de um momento rico de piedade cristã, uma manifestação pública da fé do povo cratense.

Nos últimos anos os festejos a Nossa Senhora da Penha tem crescido bastante, com reflexo no aumento da renda dessa festa, oriunda das doações dos fiéis. E tudo tem sido criteriosamente aplicado em melhoramentos na Igreja da Sé. Basta citar o novo piso da igreja, pintura externa e interna, a restauração de todas as imagens e peças sacras antigas daquele templo, a reforma da capela batismal, a construção das capelas da Ressurreição e do Santíssimo Sacramento, novo sistema de som, dentre outros.

A Catedral de Nossa Senhora da Penha é um templo limpo, bem cuidado, arejado, verdadeira sala-de-visita para quem vindo ao Crato percorre o edifício histórico mais importante da cidade…
(Artigo escrito para o site da Diocese de Crato: www.diocesedecrato.org/)