sábado, 27 de agosto de 2022

Frei Carlos Maria de Ferrara

 O capuchinho que fundou Crato
Armando Lopes Rafael (*)

    A poetisa Adélia Prado escreveu que a memória se contrapõe ao tempo, pois o tempo leva os fatos a serem esquecidos, e a memória os traz de volta, eternizando os momentos...

   Na memória coletiva de Crato persiste uma lacuna: a de realçar, com mais destaque, o protagonismo de Frei Carlos Maria de Ferrara, um humilde Filho de São Francisco, que aqui viveu. A memória, oral ou escrita, é a fonte primária da História, uma ciência cem por cento humana, porquanto feita unicamente pela ação do homem.  Ademais, já dizia o Prof. João Marcelo Sena: “A História não é um filme que passou. É uma película que pode constantemente ser editada e reinterpretada”. Coincidindo com um pensamento da historiadora portuguesa Ana Isabel Baescu quando afirmou: “A história, enfim, é um eterno fluir, e como compreender o presente sem o passado?”

   Fascinante a vida desse Carlos. Nascido, segundo as fontes, em 1706 “numa família abastada, em Ferrara”, cidade situada na região da Emília-Romanha, Norte da Itália. Naquela urbe, localizada próxima à margem sul do Rio Pó – o maior rio italiano – o menino Carlos nasceu e viveu sua infância e adolescência. Lá, rezou na Catedral de São Jorge; frequentou a igreja de San Cristoforo Alla Certosa; visitou outros vetustos templos de Ferrara, uma cidade quase totalmente cercada por 9 quilômetros de antigas paredes de tijolos, construídas entre 1492 e 1520. Bela Ferrara! Pontilhada de edifícios históricos, como o Castelo Estense, o Palazzo dei Diamanti, alguns soberbos espaços públicos como é o caso do Parco Massari.

         Ocorre-me lembrar aqui, uma decisão tomada por um pensador católico brasileiro, Plínio Corrêa de Oliveira (1908-1995), quando optou, ainda adolescente, por deixar as glórias do mundo e seguir o chamado vocacional. Plínio resumiu sua decisão nesta frase: “Quando ainda muito jovem, considerei enlevadas as ruínas da Cristandade. A elas entreguei meu coração. Voltei as costas ao meu futuro e fiz daquele passado carregado de bençãos o meu porvir!”. O mesmo ocorreu, dois séculos antes da decisão de Plínio, com Carlos de Ferrara.  

A vocação

    Foi em Ferrara, no primeiro quartel do século XVIII, que Carlos tomou a decisão mais séria de sua vida: seguir sua vocação religiosa, dizendo sim ao chamado de Deus. Ele optou pelo carisma Capuchinho, um ramo da primeira ordem de São Francisco de Assis. Aceitou, plenamente, o modus vivendi dessa ordem religiosa que determinava àquela época: “Curai os doentes, ressuscitai os mortos, purificai os leprosos, expulsai os demônios! Recebestes de graça, dai também de graça”.  E passou a viver na pobreza, conservar a  castidade, seguir à risca o que lhe era imposto por seus superiores,  naquilo que seus confrades  chamavam a “santa obediência”.  

    Para vestir, Carlos recebeu um rústico hábito marrom, com um pequeno capuz à cabeça, em italiano: capuccino (capuz pequeno). Para calçar, um par de rústicas e desconfortáveis sandálias de couro. A partir daí o jovem Carlos não teve mais vaidades, a começar pela aparência do rosto, pois lhe foi imposto o uso de barba longa, obrigatória  entre os frades capuchinhos. Em 21 de agosto de 1723, aos 17 anos,  Carlos vestiu o hábito religioso. Depois disso, ainda viveu na Europa por cerca de treze anos.

Brasil: palco da atuação desse frade

   Um dia seus superiores resolveram enviá-lo para o distante e desconhecido Brasil, à época uma colônia de Portugal. Segundo pesquisas do Pe. Antônio Gomes de Araújo (baseadas nos Arquivos da Propaganda Fidei, América Meridionalis, volume II, folha 425) o Bispo de Módena, na Itália, examinou – em agosto de 1736 – o Frei Carlos Maria de Ferrara, destinado à Missão de Pernambuco, no Brasil. E achou-o instruído e capaz para a missão. E o jovem frade atravessou o Mar Mediterrâneo; depois, cruzou o Oceano Atlântico, numa viagem de quase três meses, até avistar o litoral pernambucano, a “Terra dos Altos Coqueiros, de belezas soberbo estendal”... O mesmo Pe. Gomes escreveu – citando os arquivos capuchinhos – que Frei Carlos Maria de Ferrara chegou ao Recife em 15 de agosto de 1736.

    Frei Carlos permaneceu pouco tempo na aprazível capital pernambucana. Logo, seus superiores o destinaram a aldear tribos indígenas no sopé da Chapada do Araripe, distante mais de 600 kms de Recife, numa época que não existiam estradas, meios de transportes ou comunicação entre o litoral e o inóspito interior nordestino. E o frade se lançou a pé, atravessando as léguas tiranas da zona da Mata, do Agreste e do Sertão, levando quase dois meses, até chegar à Chapada do Araripe.

O fundador da Missão do Miranda

   Os antigos chamavam essa Chapada de “Serra do Araripe”. No entanto, as serras são acidentes geográficos com partes altas, seguidas de saliências. Já as chapadas são relevos com topos planos formados em rochas sedimentares. A Chapada do Araripe é uma imensa formação arenítica servindo de divisa entre os Estados do Ceará, Pernambuco e Piauí. Segundo antiga tradição oral, essa imponente Chapada teria sido batizada de “Araripe”, pelos indígenas habitantes do seu entorno. “Araripe” na língua indígena significaria poeticamente: “lugar onde nasce o dia”.

    Arrimados em pesquisas do Pe. Antônio Gomes de Araújo, sabe-se que:  “Aos 18 de dezembro de 1737, o Superior Missionário, Reverendíssimo Padre Frei Carlos Maria de Ferrara começou a zelar no ensino aos índios e a unir as nações indígenas”. Inicialmente, a missão funcionou no local onde hoje é o bairro Mirandão, na cidade de Crato. Por exiguidade de água, naquele recanto, transferiram a missão para novo espaço,  onde hoje é a Praça da Sé – o chão mais sagrado de Crato – que ficava próximo ao então caudaloso Rio Granjeiro. Naquele lugar, Frei Carlos ergueu – em 1740 – uma capela de taipa, coberta de palha. No entanto, já em 1742, construiu – em substituição a antiga, rústica e pobre capelinha –  uma nova capela de pedra e cal dedicada  à Santíssima Trindade, à Nossa Senhora da Penha e a São Fidelis de Sigmaringa.

   Sabe-se que Frei Carlos deve ter chegado ao paradisíaco Vale do Cariri, por volta de 1737. Padre Antônio Gomes de Araújo deixou escrito: “A notícia mais antiga, até agora revelada, referente à missão do Miranda, sua igrejinha e Frei Carlos, traz a data de 30 de julho de 1741”. Está num livro de batizados e casamentos da Paróquia da Vila do Icó, a cuja jurisdição esteve subordinado o Cariri até 1748. Segundo o mesmo Pe. Antônio Gomes de Araújo, estavam aldeados na Missão do Miranda de Frei Carlos membros das tribos Cariris, Cariús, Quixeriús, Curianês, Calabassas e Icozinhos, como consta na página 304,  do livro “Informação Geral da Capitania de Pernambuco em 1749”, volume, publicado no Rio de Janeiro em 1908. Por aí se vê como era ampla a autoridade e poder pessoal de Frei Carlos Maria de Ferrara a governar tantos índios, instruindo-os na Boa Nova de Cristo.

     O frade só deixaria o Vale do Cariri em 1750, para ocupar o cargo de Prefeito dos Capuchinhos de Pernambuco, em Recife. Lá permaneceu até 1753. Naquele ano foi  transferido para o Rio de Janeiro, a  Capital da Colônia,   para exercer as funções de Prefeito dos Capuchinhos naquela importante cidade, a partir de 1754. O Rio de Janeiro  seria a última localidade a receber os frutos do ideal de  Frei Carlos. Por onde ele passou – Itália, Recife, Missão do Miranda (hoje cidade de Crato) e no Rio de Janeiro –  o humilde frade capuchinho foi tido como uma pessoa que irradiava santidade. A santidade é plasmada na simplicidade dos pequenos gestos, que embutem os sinais da prática da caridade. A santidade nem sempre é construída com  grandes gestos. Quase sempre é adquirida com pequenas  atitudes do cotidiano. Nestas, prevalecem o amor  e a sinceridade. 

      No Rio de Janeiro, Frei Carlos faleceu em 1774, com a idade de 68 anos. Nas anotações dos arquivo dos Capuchinhos pode-se ler, ainda hoje,  a anotação que transcrevo abaixo:

“Religioso doce, prudente, virtuoso e nosso Prefeito por vinte anos, vindo de Pernambuco onde também era prefeito. A sua doença foi muito prolongada, porque alguns anos antes da morte teve um esturpor que o privou do movimento das mãos e braços: pouco a pouco, com o favor de Deus e assistência de um bom médico, Romano Sciala, começou a cobrar o perdido, de sorte que já dizia Missa. Mas como os achaques fazem trégua e não paz,  finalmente acabou a vida, tendo-se disposto muito bem para a última passagem. Seu enterro foi assistido por várias pessoas nobres desta cidade, com demonstrações de grande sentimento”

    (*) Armando Lopes Rafael é historiador. As palavras acima foram proferidas no evento promovido, em 19-08-2022, pelo Instituto Cultural do Cariri, em homenagem a Frei Carlos Maria de Ferrara.

Gastos Públicos: Monarquia X República –1ª Parte – por Geraldo Helson Winter (*)

 

   Monarquia Constitucional é uma forma de Governo moderna e eficaz. O nosso objetivo é publicar artigos e notícias com a finalidade de tirar dúvidas acerca do tema, mostrar caminhos e soluções para os diversos problemas enfrentados pela Nação, propor ideias para reforma política, conseguir adeptos a causa, desmitificar e recuperar a história deturpada ao longo dos anos. Convidamos todos a conhecer um novo caminho para o país.

     Durante quatro séculos o Brasil se beneficiou da forma de governo monárquica e isto lhe assegurou dimensões continentais, povoamento, desenvolvimento e prestígio internacional. 

   O contraste entre gastos da Monarquia e da República brasileiras também é gritante. Apesar da arrecadação ter crescido 15 vezes.durante o período da Monarquia, o salário de Dom Pedro II e de sua família, nunca ultrapassou 67 contos de réis. O Marechal Deodoro da Fonseca, entretanto, já no dia 16 de novembro de 1889 assinou decreto dobrando renda destinada ao Chefe de Estado para 120 contos de réis mensais. Com os 67 contos de réis D. Pedro II conseguia manter a Família Imperial, palácios e servidores, além de destinar às vítimas da Guerra do Paraguai 30% da todos os seus rendimentos. Pagava também de seu bolso pensão a necessitados e enfermos, viúvas e órfãos, num total de 409 pessoas. Quando, em 1871, partiu para sua primeira viagem ao Exterior, recusou vultuosa verba oferecida pela Assembleia Geral, além de aumento na dotação da Princesa Isabel, por assumir pela primeira vez a Regência. Na ocasião a Assembleia Geral ofereceu um navio de guerra, com escolta de outros três, para viagem do Imperador, que recusou e preferiu seguir viagem em navio de carreira.

    De lá para cá, o Brasil republicano cai cada vez mais pelas tabelas. No índice da Transparência Internacional sobre percepção da corrupção, irmã gêmea da roubalheira institucional, nosso país encontra-se em 72º lugar. E quem vem entre os mais honestos? Os primeiros lugares são ocupados por Monarquias: Dinamarca, Nova Zelândia, Suécia, Noruega, Holanda, Austrália, Canadá, Luxemburgo e Inglaterra, entre outros. Dois pequenos fatos mostram que as Monarquias são mais bem avaliadas: quando um incêndio destruiu, em 1992, parte do Palácio de Windsor, a Rainha Elizabeth II fez questão de pagar a reforma com seus próprios recursos; o Rei da Espanha, Juan Carlos, em 1991, doou ao patrimônio público um palácio que recebera de presente do Rei Hussein da Jordânia.

    Em suma, Monarquias e Repúblicas evidenciam diferenças de mentalidade diametralmente opostas: enquanto Monarcas visam exclusivamente ao bem de seu povo, Presidentes aproveitam seus mandatos para cobrir os gastos da última eleição e garantir a próxima.

(*) Excertos de um artigo de Geraldo Helson Winter, publicado na edição de número 37 do boletim “Herdeiros do Porvir”.


Gastos Públicos: Monarquia X República –2ª Parte – por Geraldo Helson Winter (*)

 

    Apesar de as Monarquias serem mais austeras do que as Repúblicas, existe a falsa impressão de que são mais dispendiosas. Um dos motivos é o pomposo cerimonial da Monarquia inglesa, que devido a seu aparato é a mais cara do entre todas as Monarquias. Mas, ainda assim, seu custo é incomparavelmente menor do que o de uma República. O custo anual da Monarquia inglesa é de US$ 1,20 para cada súdito, o da sueca e da belga US$ 0,77, o da espanhola US$ 0,74, o da japonesa US$ 0,41, o da holandesa US$ 0,32. Em sentido contrário, a República dos Estados Unido onera cada contribuinte em quase US% 5 dólares.

     Voltando à Inglaterra, os cofres britânicos desembolsaram 37,4 milhões de líbras para financiar a Monarquia. Em compensação, as propriedades da Coroa, que pertencem à Rainha e são administradas pelo governo, renderam ao país no ano passado 184,8 milhões de líbras. A razão de as Monarquias serem muito mais austeras reside em dois fatores fundamentais: uma é a moralidade elevada dos monarcas e o outro é o mecanismo de transmissão do poder. O primeiro fator denota a sadia formação da consciência moral da pessoa e o segundo denota a sólida formação da estrutura política e social de um país.

   Na República, o declínio vertiginoso da moralidade é sistematicamente alimentado pela engrenagem de transmissão do poder. A transmissão do poder eleitoral e transitório abre espaço a todo tipo de oportunismo, levando governantes medíocres a se preocuparem apenas com interesses pessoais ou, quando muito, com interesses de seu partido, em notório prejuízo do povo e do bem comum.

    Por outro lado, na República muitas famílias precisam ser sustentadas. O Jornal Miami Herald fez uma pesquisa em 1992 e constatou que os Estados Unidos naquele ano tiveram um gasto de mais de US$ 20 milhões em pensões de seus ex-presidentes ou de suas viúvas, sem contar as despesas com a proteção oferecida pelo Serviço Secreto, estimadas na época em US$ 18,5 milhões. No Brasil a República não é diferente. Os ex-presidentes brasileiros têm, por lei, direito a empregar oito servidores às custas do erário, além de utilizar dois carros oficiais com motoristas.

(*) Excertos de um artigo de Geraldo Helson Winter, publicado na edição de número 37 do boletim “Herdeiros do Porvir”.



O Servo de Deus Padre Cícero Romão Batista -- por Armando Lopes Rafael (*)

   O anúncio foi feito pelo Bispo de Crato, Dom Magnus Henrique Lopes. E foi recebido pelos fiéis, presentes à missa campal, em memória do Padre Cícero – em Juazeiro do Norte, no último dia 20 de agosto de 2022 – em meio às palmas, espocar de fogos, toque de sinos nos campanários e lágrimas, muitas lágrimas de alegria, por parte da multidão. Transformava-se em realidade um sonho guardado no recôndito dos corações dos devotos residentes na Nação Romeira, vasto território que se espalha pelo Nordeste brasileiro. Afinal, a Santa Sé – com a aprovação do Papa Francisco – autorizava o início do Processo de Beatificação do Padre Cícero Romão Batista.

   Este sacerdote católico foi em vida – e continua sendo depois da sua morte, há quase noventa anos –, a personalidade mais venerada pelas populações do Nordeste brasileiro.  Dentre as personalidades nascidas no Cariri, Padre Cícero tornou-se a mais conhecida em todo o Brasil. Para os seus afilhados humildes e pobres, espalhados pelos territórios da zona da mata, agreste e sertão e, em menor escala, noutras regiões do Brasil, ele é o “Meu Padim Ciço”.  Aquele a quem os fiéis católicos podem recorrer nos momentos de sofrimentos e dificuldades. Para esta porção do Povo de Deus, Padre Cícero é o “Santo dos Pobres”, o “referencial” presente da Boa Nova que Jesus Cristo anunciou à humanidade, nos anos que esteve encarnado aqui na Terra, através dos seus ensinamentos, atos e parábolas.

   O Papa Francisco não apenas veio ao encontro de um anseio de muitas gerações de nordestinos. Fez mais. Oficializou, num gesto concreto, o reconhecimento da santidade de Padre Cícero. Ratificou uma carta, enviada à Diocese de Crato em 2015, assinada pelo Cardeal Pietro Parolin, Secretário de Estado do Vaticano, onde consta o parágrafo abaixo:

    É inegável que o Padre Cícero Romão Batista, no arco de sua existência, viveu uma fé simples, em sintonia com o seu povo e, por isso mesmo, desde o início, foi compreendido e amado por este mesmo povo. A sua visão perspicaz, ao valorizar a piedade popular da época, deu origem ao fenômeno das peregrinações, que se prolonga até hoje, sem diminuição tanto no número como no entusiasmo das multidões que acorrem, anualmente, a Juazeiro. Essa amada Diocese tem procurado incorporar este movimento popular com um grande esforço de evangelização, orientando-o para o Cristo redentor do ser humano. Integrando seu aspecto popular e devocional em uma catequese renovada, fortalece e anima o romeiro em sua vida cotidiana, tornando-o sempre mais consciente do seu batismo e ajudando-o a viver sua vocação específica de cristão no mundo”.

   E, a partir de agora, o Padre Cícero Romão Batista passará a ser chamado de “Servo de Deus”, título que a Igreja Católica dá a uma pessoa cujo processo de canonização foi oficialmente aberto.

(*)Artigo publicado na edição do jornal "O Povo", de Fortaleza, de 27 de agosto de 2022.