sábado, 12 de novembro de 2022

Kleber Maia Cabral e as marcas por ele deixadas em Crato - por Armando Lopes Rafael

  Hoje,12 de novembro de 2022, está sendo lançada -- às 9:00h na Praça Siqueira Campos, em Crato -- a edição nº 51, da revista "Itaytera", do Instituto Cultural do Cariri. Neste número publiquei o artigo abaixo. 

Kleber Maia Cabral e as marcas por ele deixadas em Crato - por Armando Lopes Rafael

                                                 “Autêntico na vida porque coerente com a  religião,                                                       sincero nas amizades e exemplar na família.”
(Frase escrita, pelo Prof. José do Vale Feitosa, para
                                         a lembrancinha da missa do 7º Dia de falecimento
de Kleber Maia Cabral)

     Em 1959, chegava a Crato, proveniente de Fortaleza, um jovem atípico. Vinha assumir o seu emprego como funcionário concursado do Banco do Brasil. Seu nome: Kleber Maia Cabral. Dotado de bom aspecto, feições europeias, nariz adunco, Kleber vestia-se com dignidade. Um homem culto, educado e viril, que deixaria marcas de sua passagem na sociedade e instituições sociais de Crato, onde viveria cerca de 15 anos. Estávamos no início da década 60 do século XX (cronologicamente iniciada em 1959 e concluída em 1969). Anos inovadores, de grandes transformações nos campos da moda e do comportamento humano. Anos de contestação da juventude, no tocante às questões sociais e políticas. Anos de acentuado desprezo pelas tradições seculares... Em Crato não foi diferente. Kleber Maia Cabral, no entanto, teria a sabedoria e o equilíbrio de atravessar aqueles anos difíceis e confusos, utilizando uma máxima: “Nem tudo que é antigo é ruim, nem tudo que é novo é bom” ...  

Crato no início dos anos sessenta

      Considerada a “Cidade-Polo” do Cariri, Crato, segundo o recenseamento de 1960, contava com uma população de 32.054 habitantes. Um aumento populacional de cerca de 30% em relação ao Censo de 1950. Por isso a fisionomia urbana desta cidade se apresentava também ampliada. Verdade que, naquele tempo, não existiam os atuais bairros periféricos do Granjeiro, Parque Granjeiro, Novo Horizonte, Sossego, Lameiro, Vilalta, Nossa Senhora de Fátima (Barro Branco), Mirandão, Muriti, Vila Lobo, Vila Padre Cícero, dentre outros. No entanto, no centro de Crato, em 1960, já pontilhavam praças arborizadas e bonitas edificações. Uma cidade culta, dinâmica e civilizada!

     No hinterland cearense, Crato se destacava no setor cultural/educacional. Possuía até uma Faculdade de Filosofia, a primeira no interior do Ceará. Seus colégios, ministrando o segundo grau, atraíam alunos das cidades do Cariri e dos Estados vizinhos. E não eram poucos: Colégio Diocesano, Santa Teresa de Jesus, Estadual Wilson Gonçalves, Municipal Pedro Felício, São Pio X, São João Bosco, Madre Ana Couto, Patronato Padre Ibiapina, Escola Técnica de Comércio. Além disso, funcionavam em Crato   dois Seminários para formação do clero católico: o São José (pertencente à Diocese) e o Sagrada Família, mantido pela Congregação deste nome, mais conhecida aqui como os “padres alemães”.

    Crato era conhecido como a “Capital da Cultura do Cariri”. Só na Rua João Pessoa funcionavam três livrarias.  Havia uma quarta, na Rua Bárbara de Alencar, a Livraria “Feira do Livro”, com matriz em Fortaleza. Todo sábado, circulava o jornal “A Ação”, mantido pela Diocese de Crato. Havia outros periódicos de menor porte (“O Ideal” e “O Nacionalista” eram os mais conhecidos). Podia-se comprar (no Café Líder, na Praça Siqueira Campos) todo final da tarde, os jornais editados – no mesmo dia – no Rio de Janeiro. Eles chegavam num voo que aterrissava no Aeroporto Nossa Senhora de Fátima, localizado na Chapada do Araripe a poucos quilômetros de Crato.   Ah! ia esquecendo: O edifício mais alto do Sul do Ceará também estava em Crato: a Agência do Banco do Brasil, com cinco andares. O cratense se ufanava da sua metrópole...

Voltando a Kleber Maia Cabral   

   Acreditando que a ordem moral de uma sociedade cristã seria sempre duradoura, Kleber colocava em prática suas características de liderança. Na mentalidade cratense dos anos 60, dominada pelas novidades da moda, da mídia e da tecnologia, Kleber não escondia suas convicções católicas, monarquistas e tradicionalistas. Após sua chegada a Crato, Kleber amealharia um vasto círculo de boas amizades. E orientaria a muitas pessoas. Nas horas vagas, lecionaria no Seminário Sagrada Família e na Escola Técnica de Comércio. Para orientação aos jovens criaria o Círculo de Estudos e Debates São Domingos Sávio. Todos os domingos, pela manhã, proferia palestras para um grupo de rapazes de boas famílias de Crato. Foi nessas reuniões que o conheci. 

   Proveitosas suas explanações! Ele compartilhava conosco seus conhecimentos sobre a moral e a arte; adentrava na História, com seus amplos e múltiplos aspectos; repassava seus conhecimentos advindos de filósofos e pensadores. Anualmente, Kleber realizava um retiro espiritual – numa capela anexa a uma ampla casa do sítio Guaribas – destinado aos jovens. Contava, para tanto, com o apoio de uma tia dele, a Irmã Genoveva, freira da Congregação das Filhas da Caridade de São Vicente de Paulo, residente no Hospital São Francisco, encarregada de preparar as refeições dos jovens. O pregador desses retiros era o Mons. Pedro Rocha de Oliveira.

   No início de 1960, a exemplo do restante do país, havia um clima de discussão ideológica na sociedade cratense. Homem de direita, franco, sincero, mas leal, Kleber Maia Cabral expunha suas crenças sem ofender os opositores. Apresentava suas ideias sempre de forma respeitosa, sem alimentar discórdias.  Contudo, sofria o “patrulhamento ideológico” por parte de um grupo de colegas da instituição onde trabalhava. Havia um deles – exaltado pelos ideais marxistas – que gostava de provocá-lo. Esse cidadão costumava presentear Kleber com livros de orientação socialista. 

   E esses exemplares eram sempre oferecidos com dedicatórias de cunho revolucionário, defendendo a utópica “ditadura do proletariado”. Após o golpe militar de 31 de março de 1964, o Exército deporia o Presidente João Goulart e instauraria um governo de exceção, muitas pessoas de tendência à esquerda seriam presas pelas novas autoridades da República. Em face disso, Kleber juntou os livros, com suas dedicatórias provocativas, e devolveu-os ao colega de trabalho, dizendo apenas isso: 

– Da minha parte esqueci todas as suas provocações. E de minha pessoa não partirá nenhum revide contra você. Destrua você mesmo o que escreveu...

   Desnecessário dizer que esse seu colega escapou de ser preso.  Kleber era um homem destituído do sentimento de vingança. Incapaz de aproveitar a derrota de um oponente para humilhá-lo.

Dados biográficos

   Kleber Maia Cabral nasceu no dia 02 de outubro de 1937, na cidade de Fortaleza, filho de Arthur Walter Cabral e Isa Maia Cabral. Seu pai possuía, em casa, um verdadeiro museu com objetos valiosos do passado. Kleber cresceu nesse ambiente cultural, frequentado pelos intelectuais de Fortaleza. E soube conservar essa tendência herdada do pai.

   Chegando a Crato, conheceria a senhorita Maria Iná Feitosa, nascida em Cococi, no Sertão dos Inhamuns, sua futura esposa. O casamento ocorreria em 27 de dezembro de 1963.  Deste enlace nasceriam dois filhos: Maria Isabel Feitosa Maia e Cabral e Laurênio Dias Martins Feitosa e Cabral.

     Depois de casado, Kleber construiria uma casa, em estilo colonial, onde hoje é a Avenida Perimetral Dom Francisco de Assis Pires. Foi pioneiro na construção de boas casas naquela zona da cidade. No entanto, nas proximidades de sua casa residiam famílias pobres e necessitadas. Junto a essas, Kleber fez um trabalho social de envergadura. Quando sua mãe faleceu, coube aos herdeiros um amplo prédio, onde funcionava o Cine Samburá, no centro de Fortaleza. Vendido o imóvel, parte do dinheiro recebido por Kleber foi utilizada para ajudar essas famílias. 

   E, enquanto viveu, ele prestou também assistência espiritual a essas pessoas. Ajudaria a legalizar uniões de casais que viviam sem vínculo oficial; fazia, nessas casas humildes do bairro Pinto Madeira, a solenidade anual da Renovação ao Sagrado Coração de Jesus; preparava crianças para a primeira comunhão.

    Kleber viria a falecer, prematuramente, aos 36 anos de idade, na noite de 28 de junho de 1974. Na hora do seu trânsito para a Mansão dos Justos, as fogueiras de São Pedro começavam a ser acesas, dando a impressão de incontáveis focos de luz clareando a noite escura. O próprio Kleber seria uma dessas luzes. Ele ascenderia, assim, aos umbrais insondáveis da eternidade na busca da luz das luzes: Deus. Com Deus ele se encontra desde então. Em comunhão com o sangue de Jesus Cristo, que purifica a todos nós do pecado.

(*) Armando Lopes Rafael é historiador. Sócio do Instituto Cultural do Cariri e Membro-Correspondente da Academia de Letras e Artes Mater Salvatoris, de Salvador (BA).