sexta-feira, 13 de setembro de 2024

Afinal, o que é essa devoção a "Nossa Senhora das Lágrimas" tão difundida nos últimos tempos?

   (Parte 1) 

 

  Nossa Senhora das Lágrimas como apareceu à Irmã  Amália  Aguirre:
véu branco cobrindo o peito; manto azul e túnica lilás

Primeiro ponto:  

  Repondo a verdade dos fatos: esta devoção não está sendo apenas difundida nos dias atuais. Ela tem quase cem anos de existência. Na verdade, a “Coroa das Lágrimas de Nossa Senhora” é uma devoção religiosa católica que resultou das várias aparições feitas – pela Virgem Maria –   à Irmã Amália Aguirre, freira da Congregação das Irmãs de Jesus Crucificado, ocorridas no convento da congregação, cuja sede é a cidade de Campinas, no Estado de São Paulo. Essa aparição da qual vamos falar ocorreu em 8 de março de 1930.

  Essa “Coroa” (nome que lhe foi dado  pela Virgem Maria) é um “rosário especial”,  mostrado na data acima citada, por Nossa Senhora à Irmã Amália. Ela consiste na recitação de um conjunto de jaculatórias (ou seja, orações brevíssimas, com poucas palavras), jaculatórias ensinadas --  anteriormente à aparição da Virgem Maria, no dia 8 de março de 1930 --  pelo próprio Jesus Cristo à  Irmã Amália.

 O que disse Nossa Senhora à Irmã Amália na aparição o dia 8 de março de 1930? Depois de mostrar-lhe um "terço" (totalmente branco, cuja contas, segundo Irmã Amália, eram brilhantes do que a luz do sol e mais alvas do que a neve), formado por sete divisões (ou  "setenas"),ou seja,  7 contas ao ao invés das 10 contas de cada  "místério"  do terço atual, a Santíssima Virgem Maria disse:

    "Este é o rosário de Minhas lágrimas que foi prometido pelo Meu Filho ao nosso querido Instituto [das Irmãs Missionárias de Jesus Crucificado]  como uma parte de seu legado. Ele também já lhe deu as orações. Meu Filho quer me honrar especialmente com essas invocações e, além disso, Ele concederá todos os favores que forem pedidos pelos merecimentos de Minhas lágrimas. Este rosário alcançará a conversão de muitos pecadores, especialmente dos possuídos pelo demônio. Uma especial graça está reservada para o Instituto de Jesus Crucificado, principalmente à conversão de vários membros de uma parte dissidente da Igreja. Por meio deste rosário o demônio será derrotado e o poder do inferno destruído. Arme-se para a grande batalha.". 

Segundo Ponto:

    

 E por que a reza das “Coroa das Lágrimas de Nossa Senhora” está crescendo tanto nos dias atuais?  Porque numas das aparições à Irmã Amália Nossa Senhora disse:


“O Brasil me pertence, sobre ele estendi o meu manto protetor; porém é necessário que este povo venha a mim, entrando em minha arca, para poder assim se livrar esta terra de ser regada com sangue dos mártires! (...) Eu sou a Rainha dos Brasileiros e os salvarei, se me reconhecerem como tal, recorrendo a mim, como filhos submissos e obedientes das leis da Santa Igreja. Óh! eu salvarei o Brasil, se todos os dias ouvir nos lares: 'Ave Maria cheia de graça, o Senhor é convosco, bendita sois vós entre as mulheres, bendito é o fruto do vosso ventre.' Óh! se todos os brasileiros repetirem: 'Santa Maria, Mãe de Deus, rogai por nós, pecadores, agora e na hora de nossa morte!...'

Salvarei o Brasil, se ouvir em todas as casas ao menos uma jaculatória de minha Coroa das Lágrimas: 'Óh! Virgem Dolorosíssima, Vossas Lágrimas derrubaram o império infernal!' e assim falo, é porque desejo ver esta Terra de Santa Cruz triunfar de seus adversários, que desejam implantar o terrível inimigo, que já tomou conta de outras terras, que não me reconhecem como Mãe! Sou Mãe, sou Rainha dos Brasileiros, portanto, todos os que desejam ser bons brasileiros que venham a mim, e a vitória será nossa, porém, se eles se afastarem da Rainha, perecerão!”

Terceiro Ponto

    Atravessando o pântano das dificuldades que ora enfrentamos, entende-se porque a Coroa das Lágrimas de Nossa Senhora tornou-se a última esperança do Brasil não virar uma segunda Venezuela ou uma segunda Nicarágua...

Postado por Armando Lopes Rafael



quarta-feira, 4 de setembro de 2024

Em que casa nasceu o Padre Cícero? -- por Armando Lopes Rafael (*)

 

Atual Cúria Diocesana Bom Pastor de Crato

     No século passado corriam duas versões no tocante à casa onde teria nascido, em Crato, o Padre Cícero Romão Batista. Uma das versões – defendida por Irineu Pinheiro – dizia que o sacerdote teria vindo ao mundo numa casa localizada, à época, na Rua Miguel Limaverde. Aquela residência pertenceu ao coronel Pedro Pinheiro Bezerra de Menezes, um parente do Padre Cícero. Tal casa foi, posteriormente, desmembrada em duas residências. Ambas demolidas, na década 1980, por ocasião do alargamento da Rua Miguel Limaverde. Naquela década, muitos imóveis foram derrubados – na citada rua – numa fúria insana para destruir o que restava do patrimônio arquitetônico do Crato. A justificativa para essa destruição? Aumentar o espaço para o tráfego de veículos automotores pelo centro de Crato.

   Irineu Pinheiro escreveu sua versão baseada num depoimento, que lhe foi dado por uma ex-escrava da família do Padre Cícero, conhecida como “Teresinha do Padre”. Entretanto, em 1955, o historiador Pe. Antônio Gomes de Araújo publicou um artigo na revista “Itaytera”, nº 5, órgão oficial do Instituto Cultural do Cariri, contestando a versão de Irineu Pinheiro. Segundo Pe. Gomes, Cícero Romão Batista nasceu numa modesta casinha de sítio, cercada por árvores fruteiras, localizada próximo à atual Praça da Sé. Para ser mais preciso: Padre Cícero teria nascido no exato local onde funcionou o antigo Palácio Episcopal, hoje ocupado pela Cúria Diocesana de Crato.

      Na versão defendida por Pe. Antônio Gomes de Araújo, ele escreveu: “Teresa do Padre (quando fez a declaração a Irineu Pinheiro) já começava a mergulhar no crepúsculo da própria memória, cuja desintegração começara”. Ou seja, a boa velhinha, caminhando para os cem anos de idade, já não dominava mais a própria memória. Bom ressaltar, no entanto, que Teresa do Padre sempre foi  reconhecida, em Juazeiro do Norte, como uma senhora virtuosa e de credibilidade.  Ademais, Pe. Antônio Gomes de Araújo fez ainda constar – no seu artigo citado – um depoimento que lhe foi prestado pelo cônego Climério Correia de Macedo. Este declarou ao Pe. Gomes: “Minha tia paterna, Missias Correia de Macedo, cortou o cordão umbilical do Padre Cícero numa casa que foi substituída pelo (atual) palácio de Dom Francisco". O cônego referia-se ao antigo Palácio Episcopal, construído por Dom Francisco de Assis Pires – segundo bispo da Diocese do Crato – prédio onde   hoje funciona a Cúria Diocesana.

Outras pessoas concordaram com a versão do Pe. Gomes

   Reforçando a opinião do Pe. Gomes – sobre a casa onde teria nascido o Padre Cícero – recebi, tempos atrás, do escritor e historiador Dr. José Luís Araújo Lira, residente em Sobral, a cópia de uma página do jornal “Unitário” – que circulava em Fortaleza no século passado – edição de 16 de outubro de 1959. A página contém uma pequena nota que passo a transcrever abaixo, nos mesmos termos, tal como foi escrito. A conferir. 

“Juazeiro do Norte: debates sobre a casa em que nasceu Padre Cícero
JUAZEIRO (Valter Barbosa) – A imprensa publicou e nós por intermédio da mesma aplaudimos o gesto daquele que pesquisou e afirmou que o Padre Cícero Romão Batista havia nascido à Rua Dr. Miguel Limaverde nº 19 devendo ser colocada uma placa com dizeres alusivos ao Patriarca do Sertão. Acontece que o assunto mereceu a atenção de todos e passou a ser discutido publicamente.

Nossa reportagem, a fim de manter em dia os leitores com especialidade a colônia caririense em Fortaleza, resolveu ouvir pessoas que tenham autoridade para afirmar tal acontecimento em busca da verdade. Falou a nossa reportagem o Sr. Bruno de Alencar Peixoto, agricultor cratense, que afirmou ter o Padre Cícero nascido em uma casa (por sinal ele também lá nascera) localizada onde hoje é o Palácio Diocesano (nota do transcritor:  Palácio Episcopal, residência do Bispo de Crato, localizado na Rua Dom Quintino, centro de Crato). E para ilustrar ainda mais a sua afirmativa, acrescentou que suas duas avós, Dona Hortulana da Fonseca Alencar e Dona Amélia Gonçalves Linhares, muitas e muitas vezes o elogiavam por ter nascido na mesma casa onde nascera o fundador de Juazeiro.

O Sr. Odílio Figueiredo, pessoa de destaque da sociedade local, afirmou categoricamente a nossa reportagem que a casa onde nascera o Taumaturgo ficava localizada onde hoje se ergue o Palácio Episcopal, pois em 1919, quando a epidemia que recebeu a denominação de “bailarina”, que dizimou muitas vidas, ele justamente, com Dona Teresinha (moça velha que foi criada na casa do Padre Cícero e que o chamava “senhorzinho”) mostrou-lhe a casa onde veio ao mundo o sacerdote. 

As declarações do Sr. Odílio Figueiredo vieram coincidir com as do Sr. Bruno Peixoto. Mais prático seria já que o povo cratense quer homenagear a memória desse ilustre filho do Crato e ao mesmo tempo observar o valor histórico, mandar confeccionar em alto relevo a exemplo do que existe na (casa) da Mesa de Renda (local onde morara Bárbara de Alencar) uma placa com o desenho da fachada da casa onde realmente nascera o Padre Cícero e colocá-la na fachada do Palácio do Bispo. Então o Crato e Cariri passariam a possuir mais um lugar histórico”.

***   ***   ***

    Como se observa, a maioria das pessoas que escreveram sobre a casa apontada como o local de nascimento do Padre Cícero cerram fileira com a opinião defendida pelo Pe. Antônio Gomes de Araújo.

(*) Armando Lopes Rafael é historiador. Membro do Instituto Cultural do Cariri e Sócio-correspondente da Academia de Letras e Artes Mater Salvatoris, de Salvador (BA).

terça-feira, 6 de agosto de 2024

Prédio do Museu de Crato: um problema insolúvel? -- por Armando Lopes Rafael

 

 

O que é um prédio histórico?
   Segundo a UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) são imóveis que constituem um patrimônio; um legado que recebemos do passado. Os prédios antigos estão presentes nos dias de hoje transmitindo  informações às atuais e futuras gerações. Segundo a UNESCO, é o nosso patrimônio cultural, uma fonte insubstituível de vida e inspiração, nossa pedra de toque, nosso ponto de referência, nossa identidade... 

O que são os museus?
    São instituições permanentes de conservação da cultura de um povo. São acervos de interesse geral, voltados para a preservação e propagação, tanto do patrimônio artístico, como de objetos históricos como documentos e imagens relativas a pessoas, instituições ou lugares. Donde se conclui que o prédio do Senado da Câmara de Crato, concluído em 1877 – pelo Imperador Dom Pedro II – é um patrimônio cultural, de fundamental importância para a memória, a identidade e a criatividade dos cratenses...

E como anda o clamor da população cratense para preservar o prédio e o acervo do Museu de Artes de Crato?
    Continua na estaca zero, por parte da Prefeitura de Crato, a responsável pela conservação do imóvel... São 14 anos de abandono desse ícone arquitetônico da cidade de Crato, um prédio tombado pela Secretaria de Cultura e que hoje está desmoronando a partir do teto; que mantém a fachada externa suja (há anos nunca mais foi pintada) e com pichações feitas pelos vândalos...

   O Instituto Cultural do Cariri já fez inúmeras manifestações em prol do restauro da antiga Câmara do Senado de Crato. Iniciativas que contaram com ampla adesão da maioria da população cratense. Mas a nossa identidade cultural nunca foi prioridade das últimas quatro administrações municipais. Daí o abandono injustificável do prédio do Museu de Artes. E essa calamidade afeta a autoestima do povo cratense, o qual – em meio a tanto desmantelo do dia-a-dia – assiste impotente a destruição do nosso patrimônio artístico cultural ante a omissão dos poderes públicos do Ceará... 

PS - Olha como é conservado o prédio da antiga Casa do Senado da Câmara de Sobral

 Abaixo, foto da fachada da Câmara de Vereadores de Sobral. Na Princesa do Norte (a aristocrática Sobral) restauraram o prédio e até o belíssimo Brasão Oficial do Império do Brasil, instalado lá no século XIX. Aqui, no prédio congênere de Crato (a Princesa do Cariri), nossas autoridades (ó ignorância!) destruíram o Brasão Imperial (que existiu na fachada até 1889) e substituíram pela feiura das armas do Brasil republicano...  Viva Sobral!!!!



     Brasão do Brasil da República,  existente na fachada do Museu de Crato, lado da Rua Senador Pompeu...dizem que "questão de gosto não se discute"



 

domingo, 4 de agosto de 2024

Centenário de nascimento de Almina Arraes de Alencar Pinheiro - por Armando Lopes Rafael

 

(Palavras pronunciadas por Armando Lopes Rafael na sessão do Instituto Cultural do Cariri, no dia 01-08-2024,  em homenagem a Dona Almina)

   Almina Arraes de Alencar Pinheiro, nasceu em Araripe (CE), em 03.08.1924, filha de José Almino de Alencar e Silva e Maria Benigna Arraes de Alencar. Foi a sexta filha deste casal. Ela teve os seguintes irmãos: Miguel, Maria Alice, Anilda, Laís, Alda e Violeta. Em 1928, a família mudou-se para Crato, a fim de proporcionar uma melhor educação formal aos filhos. Dois anos antes, a Diocese da cidade havia implantado o Colégio Diocesano de Crato (para educação masculina) e, posteriormente, criou também o Colégio Santa Teresa de Jesus, (destinado à educação feminina). Ambos os educandários  proporcionavam o ensino dos primeiros anos do curso médio completo. Foram neles que estudaram os filhos do casal José Almino e Maria Beniga.

   Dona Almina é uma mulher admirável! Conhecida por sua inteligência e perspicácia, fez o curso primário (hoje o básico) no educandário Santa Inês, pertencente a três irmãs que vieram instalar essa escola na cidade de Crato.  Iniciou o intermediário no Colégio Santa Teresa de Jesus, em Crato, mas veio a concluir esse curso na Escola Normal Rural da cidade de Limoeiro do Norte, no Ceará. Almina foi a oradora e a aluna com as melhores notas da sua turma.

   Voltando ao Crato, depois de formada, exerceu o magistério até a chegada dos primeiros filhos, frutos do seu casamento, em 1946, com César Pinheiro Teles. Desta feliz e exemplar união nasceram 6 filhos: Maria Edite, Joaquim, José Almino, Maria Amélia, Maria Benigna e Antônio César.  As obrigações com a casa e a criação dos filhos não inibiram a criatividade de Almina. Esta foi sempre foi uma característica dela. Pois Almina sempre empregou seu pouco tempo livre lendo e pesquisando, como forma de preencher as atividades do seu dia a dia Virtude essa que ela conservou até pouco tempo.

    Foi da iniciativa de Dona Almina os manuscritos que proporcionaram o primeiro livro de poesias do consagrado e conhecido poeta Patativa do Assaré. Almina copiava em cadernos os versos ditados por aquele poeta popular. Suas anotações chegaram à editora Borsoi, no Rio de Janeiro, que publicou o primeiro livro de Patativa, em 1953, com o sugestivo título de “Inspiração Nordestina”. 

     Com todos os filhos criados (e muito bem criados) todos vitoriosos pelos caminhos da vida, Almina, aos 83 anos, ingressou no mundo da informática. Frequentou um curso onde o colega mais velho da turma tinha 12 anos. Anotou as dificuldades que enfrentou no aprendizado e publicou uma cartilha voltada sobre os princípios da Internet para as pessoas da 3ª idade. Esse trabalho foi distribuído com os amigos idosos. Muitos deles aderiram a rede mundial da WEB, graças a dona Almina. Nesta quadra da sua vida, ela também montou, em sua residência, um curso de pintura. Contratou o professor e convidou algumas amigas. Naquela fase, Dona Almina pintou mais de 100 quadros. 

     Naquela época, sensível à crise no setor da produção das conhecidas redes artesanais do Ceará, uma produção bem característica do Nordeste brasileiro, Almina montou um consórcio para dar saída à produção feita nos teares artesanais, ajudando muitas mulheres “rendeiras”, na obtenção de emprego e renda. Esta iniciativa foi destacada na edição da revista “Continente”, da Companhia Editora de Pernambuco–CEPE, edição de 01.07.2012. 

    Depois que atingiu os 90 anos, Almina passou a dedicar parte do seu tempo pesquisando métodos artificiais de polinização de plantas. Essa prática foi usada no seu jardim doméstico, um dos mais bonitos e bem cuidados desta cidade de Crato. Também desenvolveu uma chocadeira adaptando caixas de isopor para multiplicação de codornas, dotada de sensores e termômetros para controlar a temperatura.

    Gostaria de citar um depoimento muito interessante sobre Dona Almina, de autoria de Jorge Furtado, roteirista da Rede Globo de Televisão, com sede no Rio de Janeiro. Em 2015 ou 2016, o sobrinho de Dona Almina, o cineasta Guel Arraes, veio com uma turma da TV Globo ao Cariri. Vieram fazer uma matéria sobre o Projeto Casa Grande, na vizinha cidade de Nova Olinda.   Pois bem, Jorge Furtado, integrante da equipe, assim registrou a visita que fez a Dona Almina, àquela época com 91 anos de idade.  Num artigo que publicou, Jorge Furtado encerrou com a seguinte frase: “Dona Almina ainda não sabe o que vai ser quando crescer”.

    Encerro dizendo que Dona Almina é um dos maiores patrimônios humanos desta cidade de Crato. Um patrimônio moral, ético; um dos ícones da cultura desta Mui Nobre e Heroica Cidade de Crato. E falo de Cultura no sentido mais amplo desta palavra. Que inclui a generosidade e a solidariedade humana.Dona Almina possui uma personalidade forte, marcante, voltada para fazer o bem ao seu semelhante. Uma mulher exemplar como só a civilização cristã sabe plasmar.   Que ela viva por muitos anos. Para a felicidade da sua família. Para a admiração dos seus amigos. Para o engrandecimento da sociedade cratense. 

quinta-feira, 30 de maio de 2024

“Amor sem Tréguas” – um livro notável --- por Armando Lopes Rafael (*)

 



    Escrito por Adriana Aires de Alencar, o livro “Amor sem Tréguas” é relevante. 

   A obra resgata a história de vida dos pais da autora – José Aires de Alencar (Zito) e Teresinha Sampaio – complementado com narrações sobre os conflitos ocorridos na cidade de Exu (PE), iniciados num Domingo de Ramos, 10 de abril de 1949. Na manhã daquela data foram assassinados os dois coronéis de maior projeção daquela cidade: Cincinato de Alencar Sete, ex-prefeito do município e Romão Sampaio Filho. A partir daí surgiu uma verdadeira vindita entre os clãs Alencar e Sampaio. Trazendo resultados funestos. Ao longo dos trinta anos seguintes, 48 pessoas dessas famílias foram assassinadas.   A dor advinda dessas mortes só Deus e as pessoas que perderam seus entes queridos conhecem.

Uma pequena diáspora sertaneja

    Também para a comunidade exuense foram visíveis os prejuízos advindos dessa guerra familiar. Pelas décadas seguintes, aquele município viu estagnado seu progresso e desenvolvimento. Famílias inteiras – integrantes de ambos os clãs – abandonaram Exu e foram a viver noutros estados nordestinos. Várias delas buscaram até estados de distantes regiões brasileiras, tentando refazer a normalidade de suas vidas em Santa Catarina, Paraná, Espírito Santo, São Paulo, Tocantins, Distrito Federal, dentre outros. 

   No entanto, a noite negra dessas violências e desencontros trouxe, com a claridade do término da madrugada, a história de um amor impossível. Ainda jovens, Zito Alencar e Teresinha Sampaio – cada um pertencente a um dos clãs em litígio – apaixonaram-se um pelo outro. E esse amor veio a provar a veracidade daquela frase escrita por São Maximiliano Kolbe: “O ódio não é uma força construtiva; A força construtiva é o amor” ...

A autora do livro

    Adriana Aires de Alencar, médica ginecologista, obstetra e colposcopista, é o quarto rebento dos seis filhos advindos do casamento entre Zito e Teresinha. Dir-se-ia que o ambiente de amor doméstico vivenciado pela autora – desde a mais tenra infância – seguido do conhecimento posterior sobre os fatos trágicos vividos pelas famílias em conflito, a levou a dar vazão a uma inspiração transcendental para escrever sobre essa “guerra” dos clãs de Exu. O que Adriana fez com maestria! A leitura do livro, apesar das tristezas dos fatos, torna-se agradável. Prende a atenção do leitor do começo ao fim.

    No final da obra, no capítulo 18, (“Uma história ainda não contada”) Adriana escreveu com sinceridade e humildade: “Não existe fantasia no que escrevo, e muitos anos se passaram para que eu pudesse alcançar o entendimento e a grandeza dessa relação entre meus pais, de personalidades bem diferentes, mas em conjunção carnal, espiritual e afetivo eram um só”. 

     Encerro este pequeno artigo com um parágrafo escrito por Cincinato Alencar, irmão de Adriana, que disse: “Esta história precisava ser contada por alguém que estivesse bem pertinho, alguém que sentisse o cheiro e ouvisse a voz, acompanhando os passos percorridos pelos dois, e tivesse a capacidade de guardar em sua memória as experiências mais marcantes para nós...Situações...ocorrências....Acreditem! Não tinha outro filho(a) que tivesse esta “determinação” como Adriana tem! Acho que ela herdou a força e coragem de nossa mãe, e a sensibilidade na escrita do nosso pai”.

    Um excelente livro!


(*) Armando Lopes Rafael é historiador.
Sócio do Instituto Cultural do Cariri (Crato-CE) e Membro-Correspondente da Academia de Letras e Artes Mater Salvatoris, de Salvador (BA).

      Crato (CE), 30 de maio de 2024, Dia de Corpus Christi.




terça-feira, 9 de abril de 2024

Hino Nacional Brasileiro, uma herança da Monarquia – por Armando Lopes Rafael


            Poucos sabem que o nosso Hino Nacional é também oriundo dos tempos imperiais. Ou seja, o mesmo hino ouvido ainda hoje, com todo respeito, por milhões de brasileiros remonta ao reinado de Dom Pedro I. Esse Hino era executado, à época da Monarquia, sem ter ainda uma letra. Conhecida apenas como “Marcha Imperial”, nosso Hino foi tocado nos campos de batalhas da Guerra do Paraguai. Depois desse conflito foi popularizado na cidade do Rio de Janeiro, então capital do Império do Brasil.

       Com o advento do golpe de estado que implantou a República dos Estados Unidos do Brasil (assim era o nome oficial do nosso país), no chamado “Governo Provisório” – dirigido pelo Marechal Deodoro da Fonseca – foi instituído um concurso para a adoção de um novo hino nacional. A ordem era (tentar) apagar tudo que restasse do Brasil-Império. Vivia-se os novos tempos republicanos e a propaganda oficial dizia que tudo iria melhorar; que o Brasil iria trilhar uma nova senda do progresso e de bem estar para a “brava gente brasileira” ... Quantas vezes, nos últimos 135 anos, vimos esse filme...

      Pois bem, na noite de 20 de janeiro de 1890, o Teatro Lírico do Rio de Janeiro estava superlotado, reunindo as mais destacadas personalidades da então capital brasileira, para conhecer o novo Hino Nacional. No camarote de honra, o velho Marechal Deodoro, àquela época já bastante decepcionado com alguns companheiros do golpe militar de 15 de novembro de 1889. O hino que obteve o primeiro lugar no concurso foi composto pelo maestro Leopoldo Miguez, com letra de Medeiros e Albuquerque. Na verdade, uma bonita peça (hoje chamada de “Hino da República”, que começa com o refrão: “Liberdade, liberdade, abre as asas sobre nós”.

      Ao final da execução do hino, o Marechal Deodoro bateu o martelo e impôs:

– Prefiro o velho!

      Manda quem pode e obedece quem tem juízo, diz o dito popular! Foi quando ficou preservada para as gerações vindouras, a bela “Marcha Imperial”, o mesmo Hino Nacional Brasileiro de hoje, cujos primeiros acordes (“Ouviram do Ipiranga às margens plácidas/ De um povo heroico o brado retumbante”) nos enche de orgulho e nos faz reviver o pouco de patriotismo que ainda resta à “Pátria amada, Brasil".



segunda-feira, 13 de novembro de 2023

Mais uma vez o "15 de novembro" não será comemorado

 


    O leitor sabe o que significa a expressão Res-publica? Pois fique sabendo. Literalmente significa: Coisa Pública

   Infelizmente não é isto que vemos no Brasil. Uma “coisa pública” “transparente e a serviço do povo”.  Faz 134 anos que a República nos foi imposta através de um golpe militar. Digamos -- se estivéssemos num laboratório, e pudéssemos coletar dados suficientes para uma análise acurada do funcionamento da  instituição republicana entre nós, nos últimos 134 anos.

    Será que,  após esse longo tempo, seríamos capazes de responder:  A República funcionou bem? Não. Ela é igual a “cantiga da perua”. De pior a pior... O teste do tempo e a análise histórica nos permitem responder com segurança:  a República fracassou em muitos quesitos, após uma análise séria e imparcial. Fiquemos apenas numa questão: nossos Três Poderes e  a a vida política da nação. Ora, o povo não confia nas instituições republicanas, nem nos seus políticos. 

   Utilizando-se de um eufemismo, uma minoria de militares, responsáveis pelo golpe de 15 de novembro de 1889, apelidaram este evento de “Proclamação da República”. Com este pomposo nome ela passou à história. Tem mais: noutro decreto (sempre sem consulta ao povo)  o 15 de novembro passou a ser mais um “feriado nacional”. Que nunca foi comemorado pela população brasileira, diga-se de passagem...

    Quantas lembranças tristes formam o legado histórico da república brasileira!
   Uma delas, no entanto, foi a pior: um dos governos republicanos foi responsável pelo primeiro genocídio, feito após a nossa independência de Portugal. Segundo um artigo de Lourdes Nassif – pasmem! – publicado em 15-11-2013, no Jornal GGN: 

“O regime republicano teve como batismo uma das mais criminosas páginas da nossa história: o massacre de Canudos. O governo republicano, temendo que o arraial chefiado pelo Beato Antônio Conselheiro fosse um levante em favor da restauração da monarquia, mandou os escrúpulos às favas e ordenou a sua total destruição. Velhos, mulheres e crianças foram exterminados. Muitos dos que não morreram durante o bombardeio e a invasão do exército foram degolados. Quase não restaram sobreviventes. Os temores infundados da perda dos cargos e benesses levou-os à solução final para aqueles sertanejos”.  (SIC)

        Esta, talvez, tenha sido a mais cruel dentre todas as ações da República no Brasil...


Texto e postagem de Armando Lopes Rafael

sábado, 9 de setembro de 2023

Sobre as “antecipações” na história de Crato – por Armando Lopes Rafael

 

   Tornou-se corriqueiro, ultimamente, alguns historiadores cratenses afirmarem que a “Vila Real do Crato se antecipou – em cinco anos –    ao “Grito do Ipiranga de 7 de setembro de 1822”. A gesta do Imperador Dom Pedro I, como é de domínio público, viabilizou a independência do Brasil, mantendo a unidade deste país continental. Não fora a monarquia, o Brasil teria sido fragmentado em inúmeras republiquetas, como aconteceu na América Central. 

    Proclamam, esses escritores, que tal “antecipação” de Crato a fatos históricos do futuro teria ocorrido por conta da adesão de alguns membros da ilustre família Alencar – e seus poucos agregados – à fracassada Revolução Pernambucana de 1817.  Segundo eles,  Crato teria, também, se antecipado – em setenta e dois anos – ao golpe de estado, liderado por uma minoria do Exército Brasileiro, sob a liderança forçada do Marechal Deodoro da Fonseca, que resultou na “proclamação” da República, no Brasil, em 15 de novembro de 1889. Comentemos, de forma breve, essas duas afirmações. 

    Lembrando, a priori, que, para analisar um fato histórico, exige-se a tentativa de reconstituir a realidade da época em que esse fato ocorreu. Ou seja, temos de retroagir no tempo para entender a história. Mas não só. Para interpretar ações pretéritas, exige-se a análise da mentalidade e psicologia das populações que viviam naquele passado. E, o mais importante, nunca as igualar à realidade e mentalidade dos dias atuais.

    Isto posto, é bom lembrar que antes da nossa independência de Portugal, não existia comunicação fácil entre as províncias brasileiras. Havia um certo isolamento entre elas.  Esse distanciamento era incentivado e mantido pelas autoridades portuguesas. A população da colônia não raciocinava, naquele tempo,  em termos de “um território unitário brasileiro”. A Província do Pará, para citar um único exemplo, tinha mais ligação com Lisboa do que com o Rio de Janeiro. Por isso, a revolução da Inconfidência Mineira de 1789 – que pretendeu implantar a República naquela província, cem anos antes do golpe de estado liderado pelo Marechal Deodoro da Fonseca em 1889 – ficou restrito apenas à Minas Gerais.

   Ademais, cerca de 80% da população das províncias brasileiras viviam na zona rural. Existiam, àquela época, poucas cidades. Além de escassas, essas cidades não tinham uma integração eficiente por falta de estradas e comunicação. O que impedia suas populações de acompanhar as notícias de outros municípios, mesmo sendo uma vila próxima. 

   Voltemos à participação da Vila Real do Crato na Revolução Pernambucana de 1817. Como bem afirmou o historiador republicano J.de Figueiredo Filho, no seu opúsculo “História do Cariri”, volume I, edição da Faculdade de Filosofia do Crato:

 “Muito se tem discutido em torno da Revolução de 1817, na Vila Real do Crato. Foi movimento efêmero, que durou apenas oito dias. Ocorreu a 3 de maio de 1817, em consonância com a revolução que eclodiu em Pernambuco. Foi abafada, quase ingloriamente, a 11 do mesmo mês. É verdade que a vila bisonha de então não estava suficientemente preparada para a rebelião que, para rebentar, em Recife, necessitara da assimilação de muitas páginas de literatura revolucionária, da luta entre brasileiros e portugueses, em gestação desde a guerra holandesa e do preparo meticuloso, em dezenas de sociedades secretas, além de fatores econômicos múltiplos”. (FIGUEIREDO FILHO, 1964,61).

      Querer inflar o episódio acima, sobre a participação de Crato naquela sedição, é, no mínimo, “forçar a barra”... Tanto que a primeira obra escrita sobre a história do Cariri (de autoria do jornalista republicano convicto João Brígido) com o título:  “Apontamentos para a História do Cariri”  – publicada a primeira vez em 1888, pela Typografia Gazeta do Norte, de Fortaleza, depois de ter sido divulgado em capítulos, na forma de folhetim, pelo jornal Diário de Pernambuco, de Recife, em 1861 –  não faz nenhuma apologia à participação de Crato na Revolução Pernambucana de 1817. Cita apenas, de passagem, a adesão de membros da família Alencar àquela revolta baseada na cidade de Recife.

     Entretanto, muitas vezes, a história é escrita pelos vencedores. Com o advento do golpe de estado, que passou à história como “Proclamação da República”, surgiu a necessidade de se criar os “heróis republicanos”. Tiradentes e dona Bárbara de Alencar são exemplos disso. 

    Na verdade, a implantação da forma de governo republicana, na nossa pátria, não representou nenhuma conquista para a sociedade brasileira. Antes, foi um retrocesso em muitos aspectos. A começar pelo fato de os golpistas terem rasgado a Constituição Imperial, a primeira  (no julgamento de alguns juristas uma constituição avançada para a época), e a mais duradoura (vigorou durante 67 anos) dentre todas as 07 (sete) constituições que o Brasil já teve. Seis delas escritas na atual  República. Um caso raro na história das nações!  

     Há uma contradição, de clareza solar, nessa Revolução Pernambucana de 1817: ela teria sido feita em nome da Liberdade. Mas a primeira coisa que os seus líderes fizeram, (no esboço de uma projetada “Constituição”) foi descartar a libertação dos escravos negros. Ora, a escravidão negra se constituía na maior chaga social da sociedade pernambucana daquela época. Não há nenhuma menção à escravidão nesse projeto constitucional. O que leva a entender que a escravidão foi mantida pelos interesses econômicos dos revolucionários. 

    Ou seja, para salvaguardar suas prioridades, já que, “suas lideranças revolucionárias eram constituídas por homens abastados, militares de alta patente e religiosos. A participação popular deu-se em maior parte, não por espontaneidade, mas conduzida por laços de domínio, seja de senhores sobre seus escravos, seja de senhores sobre seus apadrinhados” (Cfe. tese de doutorado do historiador Breno Gontijo, autor da dissertação “A Guerra das Palavras: cultura oral e escrita na Revolução de 1817”. (Universidade Federal de Minas Gerais, 2012).

     Sobre outras contradições da Revolução Pernambucana de 1817, bem como da participação de Crato nela, teremos ainda muito a comentar. Trata-se de assunto para os próximos artigos.


(*) Armando Lopes Rafael é historiador.

domingo, 21 de maio de 2023

Visita de membros da Família Bezerra de Menezes ao Instituto Cultural do Cariri -- por Armando Lopes Rafael (*)

 

Brasão da família

   (Discurso de saudação  feito em 20 de maio de 2023, quando da posse de três membros da família Bezerra de Menezes no Instituto Cultural do Cariri).

   Suas presenças nos trazem alegria. E constitui uma honra, para nós do Instituto Cultural do Cariri recebe-los neste sodalício. Benvindos os que vieram de Niterói (RJ): Drs. Geraldo Bezerra de Menezes, Raphael Bezerra de Menezes da Costa, Marcos Bezerra de Menezes e sua esposa, dona Zuleica. Benvindo seja Dr. Flávio Ottoni Penido, oriundo das Minas Gerais, o qual, a exemplo dos seus primos fluminenses, carrega nas veias o sangue generoso e o DNA da família Bezerra de Menezes do Cariri cearense.

A origem desse clã no Cariri
 
    Napoleão Bonaparte dizia que a educação de uma criança começa cem anos antes de ela nascer. Verdade. Somos frutos do ambiente criado por nossos antepassados e das tradições de nossas famílias. O passado tem sobre os homens uma ação que, mesmo não sendo decisiva, é habitualmente importante, ainda que passe despercebida. Difícil resumir o papel e a importância dos Bezerra de Menezes no processo civilizatório do Cariri.
 
    Este clã aqui chegou no alvorecer do século XVIII. Foi, juntamente com outras famílias – antes mesmo do surgimento das primeiras vilas desta região – responsável pelo povoamento do Cariri.  Descendiam os Bezerra de antigas famílias que de Portugal se transportaram para o Brasil. E, no Cariri, à força de trabalho, probidade e ótimos costumes, amealharam um bom patrimônio, passando a constituir a aristocracia da terra. 

   O Brigadeiro Leandro Bezerra Monteiro nasceu em 1740, quando tinha início a Missão do Miranda, embrião da atual cidade de Crato. Naquele ano, sua família Bezerra já habitava, há algum tempo, a Fazenda dos Currais. Esta uma larga extensão de terra. A casa-grande do imóvel ficava no território de Crato, mas a propriedade se espalhava até as terras do atual município de Juazeiro do Norte.

A importância da família
 
          A família é a mais antiga instituição social da humanidade. Até o Filho de Deus, Nosso Senhor Jesus Cristo, quando se encarnou para a sua missão salvífica, assumiu a plenitude da natureza humana, nascendo numa família. Por isso a família é chamada a célula mater da sociedade. A família Bezerra de Menezes, desde seus primórdios, modelou-se no Direito Natural. O que é o Direito Natural? Ele advém da natureza das coisas. Teve origem na criação do homem e da Ordem do Universo.  E garante os direitos primordiais para a existência de uma sociedade orgânica e sadia.

    Proporciona, naturalmente, o direito à vida; direito de constituir família, direito à propriedade, ao trabalho, ao salário justo, à cultura, à educação e à prática da religião. O Direito Natural não depende da concessão do Estado. E, dentro desse primado, ficou indelevelmente marcada a presença dos Bezerra de Menezes no processo civilizatório da na sociedade do Cariri.

A Saga dos Bezerra de Menezes

   Dada a exiguidade do tempo, eu resumirei a história dos Bezerra de Menezes, no Cariri cearense, focando três integrantes deste clã. Todos os três, coincidentemente, nascidos nesta Mui Nobre e Heráldica Cidade do Crato de Frei Carlos Maria de Ferrara. Eles são alguns dos ícones dessa admirável família. O primeiro a ser citado é o Patriarca caririense, o lendário Brigadeiro Leandro Bezerra Monteiro. Ele foi, segundo Gustavo Barroso, o primeiro “General-Honorário do Exército Brasileiro”. Essa patente de Brigadeiro lhe foi outorgada pelo Imperador Dom Pedro I, em reconhecimento à lealdade de Leandro e seu clã, prestada à instituição monárquica vigente no Brasil desde o seu descobrimento, em 1500 e até 15 de novembro de 1889, portanto durante 389 anos. A seu tempo, o Brigadeiro se opôs ao efêmero episódio da Revolução Pernambucana de 1817, ocorrido nas cidades de Crato e Jardim.

     Antes de receber o título de Brigadeiro, Leandro já era possuidor da patente de Coronel–Comandante do Regimento de Cavalaria de Milícias do Crato. Era reconhecido como o maior e mais importante proprietário rural do Vale do Cariri. A verdadeira História o reconhece, também, como o Fundador da cidade de Juazeiro do Norte. O Brigadeiro Leandro foi, enfim, uma liderança respeitável naqueles tempos primevos da sociedade caririense. Um resumo do perfil moral do Brigadeiro Leandro Bezerra Monteiro, foi feito – com maestria e fidelidade – pelo respeitável historiador, Mons. Francisco Holanda Montenegro quando escreveu:

 “... a relevar o nome do mais ilustre dos cratenses, o Brigadeiro Leandro Bezerra Monteiro, o nume tutelar dos Bezerra de Menezes do Cariri. Ele se tornou grande, primus inter pares, pela retidão de caráter, pela nobreza de sentimentos, pela vida exemplar de que era dotado. Homem de Deus, espírito límpido e transparente, franco, sincero, leal. A par de sua honestidade, corriam parelhas a prudência, o equilíbrio e o bom senso”. (Livro “As Quatro Sergipanas”, página 62, edição Universidade Federal do Ceará, 1996)

O segundo ícone
 
    Faço referência ao segundo Bezerra de Menezes. Tinha o mesmo nome do seu avô, citado acima: Dr. Leandro Bezerra Monteiro.  O segundo foi advogado, político de destaque no Parlamento do Império brasileiro. A cidade de Crato o homenageou com a denominação de uma das ruas desta cidade. O Instituto Cultural do Cariri fê-lo Patrono de uma cadeira deste Sodalício. Formado em Pernambuco, migrou, após a formatura, para a Província de Sergipe del Rey. Lá, foi Juiz e deputado provincial. Nessa última função, Dr. Leandro foi um dos proponentes do projeto para a construção da nova capital da Província de Sergipe – a atual cidade de Aracaju – a primeira cidade planejada no Brasil.

    Eleito, depois, Deputado Geral (hoje correspondente a Deputado Federal) para o Parlamento da Monarquia, Dr. Leandro Bezerra Monteiro teve brilhante carreira política, encerrada por vontade própria. Ele ficou desgostoso com o golpe militar de 15 de novembro de 1889, que implantou a República no Brasil, sem consulta e sem apoio do povo. Dr. Leandro Bezerra Monteiro fixou residência em Niterói e dele adveio o ramo dos Bezerra de Menezes na terra fluminense.

     Detentor de uma vida – particular e pública – exemplar, deixou seu nome registrado numa grande efeméride da história brasileira, na sua atuação contra o Presidente do Conselho de Ministros do Segundo Reinado, o Visconde do Rio Branco. Este, perseguiu, àquela época, os Bispos de Pernambuco, Dom Frei Vital Maria de Oliveira, e o Bispo do Pará, Dom Antônio Macedo Costa.  Ambos foram defendidos – na Tribuna do Parlamento Imperial e nas páginas dos jornais – com coragem e destemor, pelo Deputado Leandro Bezerra Monteiro. Esse episódio figura nas páginas da nossa História com o título de “A Questão Religiosa”.

O terceiro ícone
 
    Cito, por fim, um terceiro Bezerra de Menezes. Este, o mais conhecido desse clã em todo o Brasil. Ele foi escolhido, pela população deste Estado – numa consulta popular realizada em 2000 – como “O Cearense do Século”.  Recentemente foi aberto, pela Igreja Católica, o seu Processo de Beatificação, por ordem expressa do Papa Francisco, ora em curso na Diocese de Crato, com o objetivo de levá-lo à glória dos altares. Dias atrás ele teve seu nome aprovado, pela Câmara dos Deputados, inscrevendo-o no Livro dos Heróis e Heroínas do Panteão da Pátria Brasileira. Refiro-me à figura, por todos os títulos respeitáveis, do Padre Cícero Romão Batista, que é um legítimo Bezerra de Menezes.   Segundo acuradas pesquisas feitas pelos ilustres historiadores Daniel Walker de Almeida Marques e Antônio Renato Soares de Casimiro, ficou provado que alguns ancestrais do Pe. Cícero pertenciam à Família Bezerra de Menezes.  A conferir.

"Por conseguinte, o Pe. Cícero Romão Baptista é um Bezerra de Menezes. Neste caso, sem nenhuma dúvida, este parentesco com os povoadores do Sítio Joazeiro se verifica bilateralmente, pelos lados materno e paterno". (Livro “A Família Bezerra de Menezes–Fundação e Desenvolvimento de Juazeiro do Norte”, páginas 23/24, ABC Editora, Fortaleza, 2011)

Minhas Senhoras e meus Senhores,

   Cabe relembrar ao final: O velho Brigadeiro Leandro é o tronco de outros importantes clãs, cujos descendentes se espalham, pelo Brasil, com os sobrenomes de Bezerra de Menezes, Teles, Pinheiro e Monteiro, formando agrupamentos de famílias pacíficas e honradas, que se destacaram em vários ramos profissionais.  Aliás, e vale o registro, tanto o Presidente do Instituto Cultural do Cariri, Dr. José Flávio Pinheiro, como o Vice-presidente, Dr. Marcos Bezerra Cunha, descendem do tronco fundado pelo Brigadeiro Leandro. Por isso e por tantas outras coisas os Bezerra de Menezes foram importantes para a história do Cariri.

(*) Armando Lopes Rafael, historiador. Sócio do Instituto Cultural do Cariri e Membro-    Correspondente da  Academia de Letras e Artes Mater Salvatoris, de Salvador (BA).

domingo, 7 de maio de 2023

Sinal de esperança do Reino de Maria - por Plinio Corrêa de Oliveira

 

Ícone de Nossa Senhora de Iverskaya, mostrando - no rosto dela e do Menino Jesus - os tiros que lhes foram desferidos pelos revolucionários russos, no dia 13 de maio de 1917

   Uma das mais importantes coleções de ícones — pinturas religiosas típicas do Oriente — existentes na Europa, e talvez no mundo, encontra-se na pequena cidade de Torrejón de Ardoz, não longe de Madri. Ali, na antiga granja do Colégio Jesuíta de Santo Isidro, é que o nobre Sérgio Otzoup instalou seu Museu de Ícones. [...] 

   Se percorrermos as dependências de La Casa Grande, e penetrarmos no Museu de ícones, uma pintura da Mãe de Deus chama especialmente a atenção: a Virgem Iverskaia ou Virgem Ibérica. 

   Nela, a Mãe de Deus é representada tendo em seu braço esquerdo o Menino Jesus, com a majestade de quem se assenta em seu trono natural. É em Maria que encontra Jesus suas complacências. A Virgem, ao mesmo tempo que sustém com todo cuidado e proteção o Menino Deus, com o braço direito indica ao fiel ser Ele o modelo de todas as perfeições e o Juiz supremo de todas as causas. Como Medianeira Universal de todas as graças que é, seu terno olhar volta-se para cada devoto que se apresenta a seus pés invocando sua intercessão e confiando em seu amparo. 

   A harmonia, a doçura que se desprendem da pintura — toda feita de cores em que predominam o vermelho e o dourado, mas suaves e matizadas — são contrariadas violentamente ao observarmos nela alguns furos ocasionados por balas de fuzil. Percebem-se marcas claríssimas de fuzilamento, tanto no rosto da Mãe quanto no do Filho!

   Esse fato tão insólito encontra sua explicação em passado ainda recente. Sua data? 13 de maio de 1917! 

   Sim. Enquanto em Fátima Nossa Senhora aparecia pela primeira vez, dando início a uma série de manifestações em que profetizava a expansão dos erros da Rússia pelo mundo inteiro, como açoite pelos pecados do gênero humano, e prometia o triunfo final de Seu Coração Imaculado, em Moscou, essa profanação era cometida durante os distúrbios que precederam à revolução bolchevista.

   Infelizmente, como se sabe, com o cisma do, Oriente, pequeno foi o número dos fiéis que, no Império dos Czares, continuaram a manter sua fidelidade ao trono de São Pedro. [...] Tudo leva a crer que esse culto a Nossa Senhora é anterior à ruptura daquela nação com Roma. Tendo até, quem sabe, um significado auspicioso para a conversão da Rússia, anunciada na mensagem de Fátima. 

   Dentro do cisma, a Virgem Santíssima continuou ainda a ser cultuada — se bem que fora da verdadeira Igreja de Cristo — em muitos santuários, e por meio de vários ícones espalhados por todo aquele vasto território. Entre estes, destacava-se o da Virgem Ibérica, que é padroeira de Moscou, e cujo nome tinha sua origem na Ibéria, região do sul da Rússia, na zona do Cáucaso. Essa pintura de Maria ficava exposta numa pequena capela na entrada do Kremlin.

   Deposto o Czar, durante a efêmera regência do Príncipe Lvov, sob o governo de Kerensky, a capela de tal forma foi destruída naquele dia 13 de maio do ano da Revolução comunista, que dela não restou pedra sobre pedra. O ícone da Virgem Iverskaia foi fuzilado e consta que chorou ao ser profanado! Considerada perdida durante esses meses que antecederam a revolução bolchevista, a pintura da Mãe de Deus pôde ser conservada juntamente com outros tantos ícones, graças a Sérgio Otzoup, que em dezembro de 1918 conseguiu retirá-los da Rússia.

   Hoje, exposta no Museu de Ícones de La Casa Grande, a Virgem Iverskaia — profanada por ódio à Religião — permanece como sinal de esperança, sobretudo para a Rússia e também para o mundo, da nova era prometida por Nossa Senhora em Fátima, e profetizada por São Luis Maria Grignion de Montfort — o extraordinário missionário francês do século XVII — como sendo o reino de Maria!

(Excertos do artigo “Virgem Iveskaya, esperança de conversão para a Rússia”, escrito pelo Prof. Plínio Corrêa de Oliveira e publicado na revista “Catolicismo”, Ano XXXVI, N° 425, maio de 1986, na página 20)



domingo, 23 de abril de 2023

Amanhã, 24 de abril, é a festa de São Fidelis de Sigmaringa, Co-Padroeiro de Crato – por Armando Lopes Rafael

 

Na Capela do Santíssimo, na Catedral de Crato, existe um belo vitral, com as figuras de Nossa Senhora, Mãe do Belo Amor e São Fidelis de Sigmaringa, Co-Padroeiro de Crato desde o inicio da humilde capelinha de taipa, construída em 1740, por Frei Carlos de Ferrara

      Todo mundo sabe que Nossa Senhora da Penha é a padroeira principal da cidade de Crato. No entanto, nem todos sabem que Crato também tem um co-padroeiro. Trata-se de São Fidelis de Sigmaringa, o qual,  antes de adotar este nome para se tornar franciscano capuchinho, era conhecido advogado com o nome civil de Marcos Rey. São Fidelis foi escolhido pelo fundador de Crato – Frei Carlos Maria de Ferrara, há 283 anos – como co-padroeiro da primitiva capelinha de taipa, coberta de palha, erguida em 1740 no centro da então Missão do Miranda, embrião da atual cidade de Crato.

   Na Sé Catedral de Nossa Senhora da Penha foi iniciado–  no último dia 21 de abril – um Tríduo para festejar São Fidelis de Sigmaringa. Louve-se o zelo da equipe da Catedral, que nessa iniciativa, obteve êxito além do esperado. Que essa tradição – ora iniciada –  seja ainda maior no próximo ano de 2024, quando se completa o quarto século  (400 anos) do martírio de São Fidelis de Sigmaringa. Quem sabe, em 2024, já tenhamos uma imagem de São Fidelis na nossa icônica catedral?

Quem foi São Fidelis

    Segundo seu biografo Afonso Souza: “Inteligente e aplicado, Marcos Rey fez com sucesso seus estudos na católica Universidade de Friburgo, na Suíça. De elevada estatura, bela presença, semblante sério e sereno, Marcos era respeitado pelos professores e admirado pelos condiscípulos que, por sua ciência e virtude cognominaram-no de o Filósofo Cristão”.

   Ainda segundo o seu biografo: “Como em tudo brilhante, em breve adquiriu fama e clientela. O Dr. Marcos Rey, no entanto, preferia as causas dos pobres às dos ricos, para poder defendê-los gratuitamente. Em suas defesas, jamais utilizou recurso algum que pudesse tisnar a honra da parte contrária”. Entretanto, Marcos Rey decepcionou-se com a advocacia e decidiu a abandoná-la, ingressando na ordem franciscana. Percorreu a Espanha, França, Itália convertendo multidões e passou a ser perseguido pelos radicais protestantes.

   Foi à sombra do castelo de Sigmaringa, às margens do Rio Danúbio, na Alemanha, que Frei Fidelis encontrou refúgio, quando perseguido. Mas no dia 24 de abril de 1622, após celebrar uma missa, de volta ao castelo caiu nas mãos de soldados protestantes que o assassinaram. Foi beatificado em 1729, e canonizado 17 anos depois. O Vaticano o escolheu como o Protomártir da Sagrada Congregação da Propaganda Fidei.

   Salve São Fidelis de Sigmaringa, Co-Padroeiro de Crato!

Mais uma barbaridade da atual república brasileira: Nota sobre a recente revogação da Ordem do Mérito Princesa Isabel

 

Abaixo, divulgada pelo Príncipe Dom Bertrand de Orleans e Bragança, atual Chefe da Casa Imperial  Brasileira:

   No último dia 3 de abril, o Diário Oficial da União publicou o Decreto nº 11.463, assinado em 31 de março de 2023 pelo atual Presidente da República, que em seu art. 4º assim dispõe: “Fica revogado o Decreto nº 11.277, de 8 de dezembro de 2022”.

   O Decreto revogado criara a Ordem do Mérito Princesa Isabel, destinada a honrar aqueles “que tenham prestado notáveis serviços, em âmbito nacional ou internacional, relacionados com a proteção dos direitos humanos e oatendimento e a assistência aos públicos-alvo do Ministério da Mulher, da
Família e dos Direitos Humanos”.

   A supressão de honrarias não é novidade no Brasil republicano. A Constituição de 1891, em seu art. 72, § 2º, já havia proclamado a extinção de todas as Ordens honoríficas então existentes, o que, como se sabe, não impediu que a República viesse a criar suas próprias Ordens, atendendo à necessidade inafastável de toda e qualquer sociedade de recompensar os bons préstimos de seus membros.

   O que chama a atenção no recente decreto é o quanto ele revela do incômodo que a memória de nossa veneranda bisavó, a Princesa Dona Isabel, provoca no governo de turno.

   É de conhecimento geral que a Princesa Dona Isabel foi uma abolicionista ao longo de toda a sua vida. As ligações dela com o movimento abolicionista eram estreitas. Todos os filhos dela foram por ela educados como abolicionistas. Não por acaso, duas das principais leis abolicionistas foram
por ela sancionadas na condição de Regente do Império: a Lei do Ventre Livre em 1871 e a Lei Áurea em 1888. Plenamente consciente de tudo quanto arriscava e que de fato veio a perder, ela teve a coragem de sacrificar seu trono por esse ideal.

   Os grandes líderes abolicionistas seus contemporâneos foram unânimes em reconhecer a sua importância para a causa da abolição e a nenhum deles ocorreu levantar as objeções hoje levantadas por alguns.

   Não cabe a um governo reescrever a história. A importância de cada um dos heróis nacionais não é aumentada pela honra que os sucessivos detentores do poder lhe prestam, nem diminuída pela que um ou outro eventualmente lhe recusem.

   A memória dos heróis integra o patrimônio imaterial da Nação. Ao honrá-los adequadamente, os sucessivos governos cumprem um dever de justiça. Ao negar-lhes a honra de que são credores, faltam ao cumprimento desse dever e se tornam injustos.

   Se, passados cento e trinta e três anos do golpe republicano e cento e um anos de sua morte, a benfazeja memória de nossa bisavó continua a incomodar a República que a exilou, é evidente que as suas virtudes permanecem vivas no imaginário nacional, a contrastar com os vícios cada vez mais insuportáveis do atual regime.

   Eis uma amostra da grandeza da Princesa Dona Isabel: ao tomar conhecimento de que se realizava uma subscrição pública para a ereção de uma estátua na cidade do Rio de Janeiro, homenageando-a pela abolição da escravatura com o título de “A Redentora”, ela manifestou o desejo de que a estátua não fosse erigida em sua honra, e sim em honra d”O Redentor”, Nosso Senhor Jesus Cristo, no alto do Morro do Corcovado. É essa a origem do célebre monumento que recebeu da Unesco o galardão de “Patrimônio da Humanidade”.

   No próximo dia 13 de maio, data em que se comemorarão os cento e trinta e cinco anos da assinatura da Lei Áurea, nós, que a sucedemos na Chefia da Casa Imperial, inspirados por seu exemplo,   faremos aos pés da imagem do Cristo Redentor um Ato de Consagração do Brasil ao Sagrado Coração de Jesus, implorando as bênçãos de Deus para a nossa Pátria.

São Paulo, 13 de abril de 2023
Dom Bertrand de Orleans e Bragança
Chefe da Casa Imperial do Brasil


 


 

quinta-feira, 2 de março de 2023

Uma breve abordagem sobre o Processo de Beatificação de Benigna Cardoso da Silva – por Armando Lopes Rafael

 (Palavras proferidas numa “live’, durante o 49° Colóquio da Sabedoria, promovido pelo Instituto Cultural do Cariri, em 1°/03/2023)

Como funciona um processo de Beatificação?

   Inicialmente devemos informar que a Igreja Católica não faz o “Santo”. Ela apenas reconhece, por meio de  processos demorados e cheios de exigências, a santidade de um homem ou de uma mulher, que teve sua memória preservada com fama de santidade. É necessário, pois, que essa pessoa seja falecida e goze da fama de santidade na comunidade onde viveu. 


Por dentro de um Processo de Beatificação

    Através das beatificações e das canonizações, a Igreja dá graças a Deus pelo dom dos seus filhos que corresponderam heroicamente à graça divina concedida por ocasião do batismo. Ao honrar esses Beatos e Santos, a Igreja incentiva seus filhos a invocá-los como intercessores junto a Deus. 

   Assim, no âmbito da Igreja Católica, alcançar a Beatificação decorre de um procedimento visando ao reconhecimento de que a pessoa,  (a quem é atribuída a fama de que se encontra no Paraíso, em estado de beatitude) pode interceder por aqueles que lhe recorrem em oração.

   Não existe tempo demarcado para a conclusão, pelo Vaticano, de um Processo de Beatificação, que antecede a próxima etapa da canonização, quando o Beato recebe o título de Santo. Citemos um único exemplo. O primeiro candidato a Beato no Brasil, foi o  Padre José de Anchieta. O Processo de Beatificação desse padre – que hoje é oficialmente Santo – e é conhecido como o Apóstolo do Brasil, durou quase 400 anos e teria começado em 1597, após relatos de milagres ocorridos em São Paulo.

    É necessário que o bispo da diocese peça a autorização do Vaticano para iniciar um processo de beatificação.  Se o Vaticano, após examinar as justificativas do bispo, considerar viável abrir o processo,  o candidato à beatificação passa por três estágios. 

   Se aprovado pela Congregação para a Causa dos Santos, ou seja, se o candidato da diocese se enquadrar nas exigências da Santa Sé,  o Vaticano expede um documento chamado “Nihil Obstat” (em português: “nada impede”). Este autoriza o prosseguimento da causa da Beatificação, no âmbito da diocese. Paralelamente,  é dado ao candidato ao título de Servo de Deus. Após essa autorização, a diocese abre o processo, o qual, depois de concluído, é levado para análise final no Vaticano.

      Na fase inicial, ou seja, no âmbito das dioceses,  investiga-se as virtudes ou o martírio do candidato a Beato. Em Roma é feita a análise do processo enviado pela diocese, e o candidato passa por várias "peneiras" ou etapas. Se for reconhecido que ele cumpriu de forma heroica as  virtudes exigidas para reconhecimento da sua santidade em vida (ou que a pessoa sofreu martírio pela Fé)  ela recebe o título de "Venerável".

    Quais são essas virtudes heroicas?

     São elas:
•  Fé Heroica;
•  Esperança Heroica;
•  Caridade Heroica;
•  Prudência Heroica;
•  Justiça Heroica;
•  Fortaleza Heroica;

    Heroica quer dizer, acima do usual, de forma extraordinária. E fica-se aguardando, no Vaticano, a documentação  de um milagre feito por intercessão do venerável.Se em Roma, na Congregação para a Causa dos Santos, onde a investigação é mais aprofundada, tudo correr favoravelmente ao candidato a Beato, os cardeais concluem o parecer do processo e o candidato é declarado “Venerável” pelo Papa.

   Só após a comprovação de algum milagre do Venerável, o candidato é considerado "Beato" e sua imagem pode, então, ser cultuada no país onde morreu. No caso de martírio em defesa da fé (e este foi o caso de Benigna), esse milagre é dispensado.

   Resumindo: 

   Atualmente as Dioceses têm autoridade para abrir processos de beatificações. Cada causa de beatificação possui um "postulador". Este atua como uma espécie de coordenador do processo, coletando sinais de santidade do candidato a Beato ou Santo

    No total existem, no Vaticano, 06 (seis) Processos de Beatificação oriundos do Ceará.   Da Arquidiocese de Fortaleza estão em Roma 4 (quatro) processos referentes aos religiosos Frei João Pedro de Sexto, Dom Antônio de Almeida Lustosa, Irmã Clemência de Oliveira e Irmã Rosita Paiva. Alguns desses pedidos foram feitos há quase 50 anos. É o caso do processo do  Arcebispo Dom Antônio de Almeida Lustosa. Embora seja a Arquidiocese de Fortaleza a mais bem estruturada do Ceará, parece que ela não encontrou bons postuladores para essas causas, pois esses processos se arrastam nos arquivos do Vaticano.

   Da Diocese de Sobral estão na Santa Sé dois processos: o do monsenhor Joaquim Arnóbio de Andrade, fundador da Congregação das Missionárias Reparadoras do Coração de Jesus; e o do Pe. Waldir Lopes de Castro. Na nossa Diocese de Crato, depois da beatificação da menina Benigna Cardoso da Silva (o único Processo de Beatificação que logrou êxito, até agora ,no Estado do Ceará), foi aberto -- pelo atual bispo de Crato -- outro: no dia 30 de novembro do ano passado, visando a beatificação do Servo de Deus Padre Cícero Romão Batista. Este processo ainda se encontra na fase diocesana.

   Acrescente-se que mais dois religiosos cearenses (ambos nascidos em Sobral) têm Processos de Beatificação em análise em Roma, mas esses processos correm no âmbito de outras dioceses: o do bispo Dom Expedido Lopes (na Diocese de Garanhuns, Pernambuco) e o do Padre Ibiapina (na Diocese de Guarabira, Paraíba).

       Das dioceses existentes no Nordeste brasileiro somente três: as dioceses de Natal (RN), Salvador (BA) e Crato (CE) possuem Beatos e Santos aprovados e oficializados, na rigorosa seleção feita pelo Vaticano.

Sobre a Beatificação da menina Benigna

      O  Processo de Beatificação da menina Benigna Cardoso da Silva, a primeira Beata do Ceará, foi de uma rapidez impressionante. Foi iniciado na Diocese de Crato em 2011 e durou apenas 8 anos. Ela foi martirizada, em defesa da sua castidade, em 14 de outubro de 1941. E sua fama de santidade foi conservada pela população de Santana do Cariri por cerca de 68 anos. Somente em 2011, o 5º Bispo de Crato, Dom Fernando Panico, assinou o decreto iniciando o Processo de Beatificação de Benigna na fase diocesana. 

   Em 2013, a causa foi aceita pela Congregação para a Causa dos Santos, e Benigna foi declarada Serva de Deus. Aos 3 de outubro de 2019, a Santa Sé promulgou, por mandado do Papa Francisco, o decreto de reconhecimento do seu martírio, abrindo o caminho para sua beatificação. E – devido essa solenidade ter sido adiada, por motivo da pandemia do Covid-19 – Benigna só foi beatificada em 24 de outubro de 2022, na cidade de Crato,  por Dom Leonardo Ulrich Steiner, Cardeal Arcebispo da Amazônia, representando o Papa Francisco. Este ato de Beatificação antecede ao da futura canonização, quando o nome de Benigna será inscrito nos cânones da Igreja Católica como uma nova Santa da Igreja Católica Romana.

     Os desígnios de Deus são insondáveis à inteligência humana. Benigna passou à frente de notáveis pessoas com fama de santidade, cujos Processos de Beatificação, se arrastam no Vaticano, a exemplo de renomados padres, bispos, cardeais e até Papas. Para tentar compreender isso, ocorre-nos lembrar o que escreveu Santa Teresinha, no seu livro biográfico "História de uma Alma"; "Deus se manifesta tanto na alma mais simples, que não coloca nenhuma resistência a sua graça, quanto na alma mais elevada. Ele não chama os que são sábios, fortes, poderosos, mas os que são do seu agrado. Chama quem Ele quer".

   Certamente a vida de Benigna, a sua opção de preferir morrer para não transgredir um preceito da doutrina de Cristo, foi do agrado de Deus. E como o tempo de Deus é diferente do tempo dos homens, foram necessários 68 anos, para chegar um bispo na Diocese de Crato, oriundo da Europa – o continente com maior número de santos oficializados – para ter a sensibilidade de enxergar no martírio da menina Benigna, os mesmos méritos que levaram a Igreja Católica a declarar Santa Maria Goretti uma Mártir da Castidade. Isso ocorreu na Itália, nos anos 50 do século XX.

    Salve a Beata Benigna!

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2023

 As atividades teatrais em Crato – Por Armando Lopes Rafael (*)

 

  Desde a década 60 do século XX, Crato detém a fama de ser a Cidade da Cultura. São muitas as manifestações culturais que contribuíram para justificar este título dado a Crato. Dentre elas se sobressai a exibição de peças teatrais nesta Cidade de Frei Carlos Maria de Ferrara.

    O Teatro surgiu na Grécia Antiga e se tornou – desde os primórdios da civilização – uma grande fonte de cultura para as pessoas. Em Crato não foi diferente. Projetos culturais, visando encenações teatrais, possuem registros na história desta cidade, entre o início do século XIX e a década de 50 do século 20.

    Esses registros dão ênfases às peças encenadas em Crato, a partir do Seminário São José. Depois ganharam mais destaque com a fundação do movimento “Os Romeiros do Porvir”, atingindo o auge na criação do Grupo Teatral de Amadores do Crato (Grutac).  Hoje temos, no centro da cidade, um pequeno Teatro, o   Rachel de Queiroz, e outro grande espaço para apresentações teatrais, no Centro Cultural do Cariri, em funcionamento no antigo Seminário da Sagrada Família, no bairro Recreio.

      Junte-se a isso a profícua participação do dramaturgo cratense Gabriel de Alencar Linard Lustosa, ainda bastante jovem, mas autor de boa produção teatral. Talentoso, idealista, é comum ele criar e encenar pequenas peças para a tradicional solenidade da Coroação de Nossa Senhora, que acontece todos os anos, no dia 31 de maio, no pátio externo da Catedral de Crato. 

     Recentemente, assisti – no Auditorio Mons. Rubens Lóssio da  Catedral de Crato – uma peça teatral da lavra de Gabriel Linard: “Frei Carlos Maria de Ferrara e a Missão do Miranda”. Patrocinada pela Companhia de Teatro Corifeus e Paróquia Nossa Senhora da Penha, com texto, roteiro e direção de Gabriel Linard. Esta peça, em três atos, trouxe um resgate histórico da fundação de Crato. Uma cidade fundada sob as bênçãos da religiosidade, sob pilares da fé cristã. Crato nasceu de uma humilde Missão Católica, destinada à evangelização dos índios, sob a administração dos Frades Capuchinhos, no século XVIII.

      Parabéns Gabriel Linard, pela sua contribuição para que Crato continue a usufruir do título de Cidade da Cultura, e um lugar de destaque nas encenações teatrais.


(*) Armando Lopes Rafael é historiador.

domingo, 20 de novembro de 2022

Crato: uma cidade marcada pelo pioneirismo – pesquisa e texto de Armando Lopes Rafael (*)


História

   Por volta de 1741 surgem os primeiros registros do aldeamento de populações indígenas, pertencentes ao grupo silvícola Cariri, no local onde hoje se ergue a cidade de Crato. Era a Missão do Miranda, fundada por Frei Carlos Maria de Ferrara, religioso franciscano capuchinho, nascido na Itália. Este frade ergueu, no centro da Missão, uma humilde capelinha de taipa (paredes feitas de barro) coberta com folhas de palmeiras, árvores abundantes, naquela época, na região. 

   O santuário foi dedicado, de maneira especial, a Nossa Senhora da Penha, a São Fidelis de Sigmaringa e à Santíssima Trindade. Em volta da capelinha, foram erguidas as palhoças dos índios. Estes, além de cuidarem das plantações rudimentares, recebiam os incipientes ensinamentos da fé católica, ministrados por Frei Carlos. Aos poucos, no entorno da Missão do Miranda, pessoas brancas foram construindo suas casas. Era o início da atual cidade do Crato, cujo fundador é oficialmente reconhecido como sendo. Frei Carlos Maria de Ferrara.

   Em 21 de junho de 1764, a Missão do Miranda foi elevada à categoria de Vila, tendo seu nome mudado para Vila Real do Crato, em homenagem à vila homônima, existente na região do Alentejo, em Portugal. A partir daí, a Vila Real do Crato foi trilhando a senda do processo civilizatório, sempre inspirada no que vinha de bom do Reino, ou seja, do que chegava da metrópole portuguesa. A marca do pioneirismo passaria a caracterizar a existência do Crato, como veremos nas linhas seguintes.

Anseios libertários

   No primeiro quartel do século XIX, a Vila Real do Crato já se sobressaía entre as congêneres interioranas do Nordeste brasileiro. Residiam na vila, ou nas suas redondezas, famílias abastadas, possuidoras de patrimônio amealhado quase sempre, à custa das fainas agrícolas. Alguns jovens dessas famílias tinham o privilégio de aperfeiçoar seus conhecimentos em escolas da longínqua capital da Província de Pernambuco. 

    Para lá eles se deslocavam, em longas e penosas viagens, que duravam semanas. Viagens sempre feitas em lombo de animais. Alguns desses estudantes retornavam ao torrão natal impregnados de ideias libertárias, assimiladas nas sociedades secretas, existentes em Olinda e Recife. Alguns desses jovens sonhavam com um Brasil independente da metrópole portuguesa. Poucos iam mais longe. Acalentavam o sonho de mudar a forma de governo monárquica – vigente desde o descobrimento do Brasil – substituindo-a, pela forma republicana, esta em experiência nos Estados Unidos da América e França.

   Tais sonhos libertários resultaram no primeiro confronto ideológico ocorrido no Cariri cearense. Os liberais, liderados pelo subdiácono José Martiniano de Alencar – aluno do Seminário de Olinda e adepto dos princípios republicanos da Revolução Francesa de 1789 – foi enviado pelos líderes da Revolução Pernambucana de 1817, para deflagrar o processo revolucionário no conservador Vale do Cariri. 

   Num gesto, corajoso para a época, o seminarista José Martiniano de Alencar “proclamou”, dia 3 de maio de 1817, do púlpito da Matriz do Crato a independência do Brasil, sob a forma republicana. A contrarrevolução veio rápida. Oito dias depois, Leandro Bezerra Monteiro, o mais importante proprietário rural do Cariri, dotado de profundas e arraigadas convicções católicas e monarquistas, encerrou a república do seminarista José Martiniano de Alencar. Este e alguns familiares foram presos e enviados para as masmorras de Fortaleza. De lá foram transferidos, posteriormente, para cadeias de Salvador, na Bahia. 

   Entre os prisioneiros estavam Tristão Gonçalves de Alencar Araripe e Dona Bárbara de Alencar, irmão e mãe de José Martiniano. Após sofrerem as agruras das prisões, por cerca de quatro anos, os revolucionários cratenses foram anistiados pela autoridade real. Por sua lealdade à Monarquia, Leandro Bezerra Monteiro, foi agraciado, pelo Imperador Dom Pedro I, com o posto de Brigadeiro, o primeiro a ser concedido no Brasil.

Um herói chamado Tristão

   Em 1824, eclodiu nova revolução republicana em Pernambuco denominada “Confederação do Equador”. Este movimento uniu algumas lideranças das províncias de Pernambuco, Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte, descontentes com a Constituição outorgada pelo primeiro imperador brasileiro, Dom Pedro I. O movimento repercutiu em Crato. Tristão Gonçalves de Alencar Araripe aderiu, com todo entusiasmo e idealismo, à Confederação do Equador. Em 26 de agosto daquele ano, foi ele aclamado pelos rebeldes republicanos como Presidente do Ceará. 

   Entretanto, a reação do Governo Imperial foi implacável. As instruções para debelar o movimento eram assim sintetizadas: “(...) não admitir concessão ou capitulação, pois a rebeldes não se deve dar quartel”. Debelado o movimento restou a Tristão Araripe duas alternativas: exilar-se no exterior ou morrer lutando. Escolheu a última opção.

    Nas suas pelejas, Tristão fez vários inimigos. Dentre eles um rancoroso proprietário rural, José Leão da Cunha Pereira. Este utilizou um seu capanga, Venceslau Alves de Almeida, para pôr fim à vida do herói da Confederação do Equador no Ceará. Tristão Araripe foi assassinado, combatendo o grupo armado de José Leão, em 31 de outubro de 1825, na localidade Santa Rosa, hoje inundada pelas águas do Açude Castanhão. Morreu como queria: pelejando.

O mártir da monarquia

    O Cariri continuou, durante algum tempo, dividido entre simpatizantes da ideologia republicana e os adeptos da Monarquia. O confronto dessas ideias foi motivo de contendas as mais variadas. Joaquim Pinto Madeira era o que poderíamos chamar de “caudilho”. Rico proprietário rural e chefe político da Vila de Jardim, era por índole um afeiçoado às coisas da Monarquia. Consta que participava da sociedade secreta “Trono do Altar”, que defendia a monarquia absoluta. Lutou ele, ativamente, contra os promotores dos movimentos libertário-republicanos da Revolução Pernambucana de 1817 e da Confederação do Equador de 1824. Após a derrota da família Alencar, em 1817, coube a Pinto Madeira, à época ocupando o posto de Capitão de Ordenança, conduzir até a cidade de Icó os 20 malogrados presos políticos. Durante o percurso esse percurso, os prisioneiros teriam sofrido humilhações por parte do caudilho. O que era esperado, face ao temperamento belicoso de Pinto Madeira.

     Em 1831 o imperador Dom Pedro I abdicou do trono brasileiro e foi para a Europa, onde recebeu o título Dom Pedro IV, Rei de Portugal. Os adversários de Pinto Madeira aproveitaram esse acontecimento para dele se vingar. Acuado, o caudilho, com a ajuda do vigário de Jardim, Padre Antônio Manuel de Sousa, armou cerca de dois mil homens, a maioria com rudimentares espingardas, e invadiu o Crato, em 1832, para dar caça aos seus inimigos liberais. 

   Dizem que de tanto abençoar as espingardas dos jagunços e, na falta destas dar bênçãos a cacetes (pequenos bastões de madeira) o Padre Antônio Manuel de Sousa ficou conhecido como "Padre Benze-Cacetes". Pinto Madeira e o Vigário Manuel foram vitoriosos no Crato e cidades da redondeza, mas logo começaram a sofrer reveses.

   Terminaram por se render ao General francês Pedro Labatut, que atuava no Brasil, desde as lutas pela independência. Presos, Pinto Madeira e o Pe. Antônio Manuel foram enviados para Recife e depois para o Maranhão. Pinto Madeira retornou, como preso, ao Crato, em 1834, onde, num júri parcial – composto por antigos inimigos dele – foi condenado à forca, sentença posteriormente comutada para fuzilamento, em face do réu ter alegado sua patente militar de Coronel.

   Conforme o historiador Irineu Pinheiro, na publicação “Joaquim Pinto Madeira” Imprensa Oficial do Ceará, Fortaleza, 1946, página 21:
“Morreu virilmente Pinto Madeira. Conta a tradição, ouvida por mim desde menino, que momentos antes do fuzilamento, ofereceu-lhe um lenço, para que vedasse os olhos, um dos seus mais implacáveis inimigos. Recusou o condenado a oferta (...) Durante anos a fio, fez-lhe promessas o rude povo do sertão, considerando-o um mártir, isto é um santo”.

Um sonho não concretizado: Crato capital do Cariri

   Já em 1828, a Câmara de Vereadores do Crato encaminhava representação ao Governo mostrando a oportunidade de criação da Província do Cariri Novo. Não foi atendida nessa pretensão. A ideia voltou à tona, em 14 de agosto de 1839, quando o senador José Martiniano de Alencar, do Partido Liberal, apresentava no Senado do Império do Brasil projeto de lei cujo artigo 1º dizia textualmente: “Fica criada uma nova província que se denominará Província do Cariri Novo, cuja capital será a Vila do Crato”.

    Os demais artigos desse projeto de lei tratavam sobre os limites geográficos da nova unidade do Império do Brasil que incluíam municípios do sul do Ceará e os limítrofes das Províncias da Paraíba, Pernambuco e Piauí. Com a ascensão do Partido Conservador ao poder, o projeto de lei não prosperou. Anos depois, através do jornal “Diário do Rio de Janeiro”, voltava o senador Martiniano de Alencar a defender sua ideia de criação da Província do Cariri. Tudo ficou só num sonho.

O pioneirismo do Crato

    As brigas fratricidas ficam para trás. Em 1855, a 7 de julho, é fundado no Crato o primeiro jornal do interior do Ceará. Trata-se do semanário “O Araripe”, cujo proprietário é o jornalista João Brígido dos Santos, ligado ao Partido Liberal. No último quartel do século XIX, a população do Crato já não se ocupava tanto das brigas políticas. A sociedade cratense volta suas vistas para conquistas no campo da educação que perduram até os dias atuais. Em 1874, o primeiro bispo do Ceará, Dom Luiz Antônio dos Santos, atendendo à sugestão de um filho de Crato, Padre Cícero Romão Batista, fixa residência temporária nesta cidade, com o objetivo de construir um Seminário, a funcionar como um suplementar do Seminário Episcopal, existente na sede da diocese, Fortaleza, distante cerca de 600 Km do Cariri. Em 1º de março de 1875, ainda de forma precária, o Seminário São José do Crato é colocado em funcionamento.

   Em 8 de dezembro de 1908, o vigário Pe. Quintino Rodrigues de Oliveira e Silva, convoca as autoridades e lideranças da cidade, com o objetivo de solicitar ao Bispo do Ceará encaminhar a Santa Sé o pedido de criação da diocese do Crato. É formada uma comissão com as lideranças e os notáveis da terra para os trabalhos preparatórios da nova diocese.

    Em 20 de outubro de 1914, o Papa Bento XV, através da Bula “Catholicae Ecclesiae”, cria a diocese do Crato, a primeira do interior do Ceará. Em 10 de março de 1915, o vigário Quintino é preconizado primeiro bispo da nova igreja particular. A partir de então, diversas iniciativas da Diocese do Crato são responsáveis pelo surto de progresso sentido na cidade. Uma delas a criação, em 1921, da primeira instituição de crédito do Sul do Ceará, o Banco do Cariri, que presta grandes benefícios ao comércio e à lavoura da região.

    Em 1922, Dom Quintino torna-se o pioneiro do ensino superior, no interior do Ceará, porquanto dota o Seminário São José de Curso Teológico. Este, subdividido em Curso de Filosofia, feito em dois anos, e Curso de Teologia, em quatro anos, proporciona ao novo presbítero receber no Crato a licenciatura plena. Dom Quintino planta, assim, a semente germinativa da Faculdade de Filosofia do Crato (criada em 1959) que foi, por sua vez, o embrião da atual Universidade Regional do Cariri (URCA), criada em 1986. Esta universidade leva a instrução superior in loco à vasta área do Estado do Ceará. E recebe no Crato alunos residentes nos Estados do Piauí, Paraíba e Pernambuco. Hoje, o Crato é um dos mais importantes polos do ensino universitário, no Nordeste brasileiro.

    Encerremos com outro registro. Em 1946, há quase sessenta anos, quando não se fala em ecologia ou biodiversidade, o Crato é palco de nova ação pioneira. Através do Decreto n° 9.226 de 02 de maio de 1946, o Governo Federal cria a primeira reserva florestal do Brasil. Trata-se da Floresta Nacional do Araripe, que tem boa parte da sua reserva encravada no Município do Crato. Constituída por mata primária, clima ameno, além de possuir boa variedade de fauna e flora nativas, fontes naturais, pequenas grutas e fósseis, a Floresta Nacional do Araripe vem permitindo a pesquisa científica, recreação e lazer, educação ambiental, manejo florestal sustentável e turismo. E o Crato pioneiro. Sempre à frente dos acontecimentos futuros.

Texto e pesquisa de Armando Lopes Rafael