terça-feira, 9 de abril de 2024

Hino Nacional Brasileiro, uma herança da Monarquia – por Armando Lopes Rafael


            Poucos sabem que o nosso Hino Nacional é também oriundo dos tempos imperiais. Ou seja, o mesmo hino ouvido ainda hoje, com todo respeito, por milhões de brasileiros remonta ao reinado de Dom Pedro I. Esse Hino era executado, à época da Monarquia, sem ter ainda uma letra. Conhecida apenas como “Marcha Imperial”, nosso Hino foi tocado nos campos de batalhas da Guerra do Paraguai. Depois desse conflito foi popularizado na cidade do Rio de Janeiro, então capital do Império do Brasil.

       Com o advento do golpe de estado que implantou a República dos Estados Unidos do Brasil (assim era o nome oficial do nosso país), no chamado “Governo Provisório” – dirigido pelo Marechal Deodoro da Fonseca – foi instituído um concurso para a adoção de um novo hino nacional. A ordem era (tentar) apagar tudo que restasse do Brasil-Império. Vivia-se os novos tempos republicanos e a propaganda oficial dizia que tudo iria melhorar; que o Brasil iria trilhar uma nova senda do progresso e de bem estar para a “brava gente brasileira” ... Quantas vezes, nos últimos 135 anos, vimos esse filme...

      Pois bem, na noite de 20 de janeiro de 1890, o Teatro Lírico do Rio de Janeiro estava superlotado, reunindo as mais destacadas personalidades da então capital brasileira, para conhecer o novo Hino Nacional. No camarote de honra, o velho Marechal Deodoro, àquela época já bastante decepcionado com alguns companheiros do golpe militar de 15 de novembro de 1889. O hino que obteve o primeiro lugar no concurso foi composto pelo maestro Leopoldo Miguez, com letra de Medeiros e Albuquerque. Na verdade, uma bonita peça (hoje chamada de “Hino da República”, que começa com o refrão: “Liberdade, liberdade, abre as asas sobre nós”.

      Ao final da execução do hino, o Marechal Deodoro bateu o martelo e impôs:

– Prefiro o velho!

      Manda quem pode e obedece quem tem juízo, diz o dito popular! Foi quando ficou preservada para as gerações vindouras, a bela “Marcha Imperial”, o mesmo Hino Nacional Brasileiro de hoje, cujos primeiros acordes (“Ouviram do Ipiranga às margens plácidas/ De um povo heroico o brado retumbante”) nos enche de orgulho e nos faz reviver o pouco de patriotismo que ainda resta à “Pátria amada, Brasil".



segunda-feira, 13 de novembro de 2023

Mais uma vez o "15 de novembro" não será comemorado

 


    O leitor sabe o que significa a expressão Res-publica? Pois fique sabendo. Literalmente significa: Coisa Pública

   Infelizmente não é isto que vemos no Brasil. Uma “coisa pública” “transparente e a serviço do povo”.  Faz 134 anos que a República nos foi imposta através de um golpe militar. Digamos -- se estivéssemos num laboratório, e pudéssemos coletar dados suficientes para uma análise acurada do funcionamento da  instituição republicana entre nós, nos últimos 134 anos.

    Será que,  após esse longo tempo, seríamos capazes de responder:  A República funcionou bem? Não. Ela é igual a “cantiga da perua”. De pior a pior... O teste do tempo e a análise histórica nos permitem responder com segurança:  a República fracassou em muitos quesitos, após uma análise séria e imparcial. Fiquemos apenas numa questão: nossos Três Poderes e  a a vida política da nação. Ora, o povo não confia nas instituições republicanas, nem nos seus políticos. 

   Utilizando-se de um eufemismo, uma minoria de militares, responsáveis pelo golpe de 15 de novembro de 1889, apelidaram este evento de “Proclamação da República”. Com este pomposo nome ela passou à história. Tem mais: noutro decreto (sempre sem consulta ao povo)  o 15 de novembro passou a ser mais um “feriado nacional”. Que nunca foi comemorado pela população brasileira, diga-se de passagem...

    Quantas lembranças tristes formam o legado histórico da república brasileira!
   Uma delas, no entanto, foi a pior: um dos governos republicanos foi responsável pelo primeiro genocídio, feito após a nossa independência de Portugal. Segundo um artigo de Lourdes Nassif – pasmem! – publicado em 15-11-2013, no Jornal GGN: 

“O regime republicano teve como batismo uma das mais criminosas páginas da nossa história: o massacre de Canudos. O governo republicano, temendo que o arraial chefiado pelo Beato Antônio Conselheiro fosse um levante em favor da restauração da monarquia, mandou os escrúpulos às favas e ordenou a sua total destruição. Velhos, mulheres e crianças foram exterminados. Muitos dos que não morreram durante o bombardeio e a invasão do exército foram degolados. Quase não restaram sobreviventes. Os temores infundados da perda dos cargos e benesses levou-os à solução final para aqueles sertanejos”.  (SIC)

        Esta, talvez, tenha sido a mais cruel dentre todas as ações da República no Brasil...


Texto e postagem de Armando Lopes Rafael

sábado, 9 de setembro de 2023

Sobre as “antecipações” na história de Crato – por Armando Lopes Rafael

 

   Tornou-se corriqueiro, ultimamente, alguns historiadores cratenses afirmarem que a “Vila Real do Crato se antecipou – em cinco anos –    ao “Grito do Ipiranga de 7 de setembro de 1822”. A gesta do Imperador Dom Pedro I, como é de domínio público, viabilizou a independência do Brasil, mantendo a unidade deste país continental. Não fora a monarquia, o Brasil teria sido fragmentado em inúmeras republiquetas, como aconteceu na América Central. 

    Proclamam, esses escritores, que tal “antecipação” de Crato a fatos históricos do futuro teria ocorrido por conta da adesão de alguns membros da ilustre família Alencar – e seus poucos agregados – à fracassada Revolução Pernambucana de 1817.  Segundo eles,  Crato teria, também, se antecipado – em setenta e dois anos – ao golpe de estado, liderado por uma minoria do Exército Brasileiro, sob a liderança forçada do Marechal Deodoro da Fonseca, que resultou na “proclamação” da República, no Brasil, em 15 de novembro de 1889. Comentemos, de forma breve, essas duas afirmações. 

    Lembrando, a priori, que, para analisar um fato histórico, exige-se a tentativa de reconstituir a realidade da época em que esse fato ocorreu. Ou seja, temos de retroagir no tempo para entender a história. Mas não só. Para interpretar ações pretéritas, exige-se a análise da mentalidade e psicologia das populações que viviam naquele passado. E, o mais importante, nunca as igualar à realidade e mentalidade dos dias atuais.

    Isto posto, é bom lembrar que antes da nossa independência de Portugal, não existia comunicação fácil entre as províncias brasileiras. Havia um certo isolamento entre elas.  Esse distanciamento era incentivado e mantido pelas autoridades portuguesas. A população da colônia não raciocinava, naquele tempo,  em termos de “um território unitário brasileiro”. A Província do Pará, para citar um único exemplo, tinha mais ligação com Lisboa do que com o Rio de Janeiro. Por isso, a revolução da Inconfidência Mineira de 1789 – que pretendeu implantar a República naquela província, cem anos antes do golpe de estado liderado pelo Marechal Deodoro da Fonseca em 1889 – ficou restrito apenas à Minas Gerais.

   Ademais, cerca de 80% da população das províncias brasileiras viviam na zona rural. Existiam, àquela época, poucas cidades. Além de escassas, essas cidades não tinham uma integração eficiente por falta de estradas e comunicação. O que impedia suas populações de acompanhar as notícias de outros municípios, mesmo sendo uma vila próxima. 

   Voltemos à participação da Vila Real do Crato na Revolução Pernambucana de 1817. Como bem afirmou o historiador republicano J.de Figueiredo Filho, no seu opúsculo “História do Cariri”, volume I, edição da Faculdade de Filosofia do Crato:

 “Muito se tem discutido em torno da Revolução de 1817, na Vila Real do Crato. Foi movimento efêmero, que durou apenas oito dias. Ocorreu a 3 de maio de 1817, em consonância com a revolução que eclodiu em Pernambuco. Foi abafada, quase ingloriamente, a 11 do mesmo mês. É verdade que a vila bisonha de então não estava suficientemente preparada para a rebelião que, para rebentar, em Recife, necessitara da assimilação de muitas páginas de literatura revolucionária, da luta entre brasileiros e portugueses, em gestação desde a guerra holandesa e do preparo meticuloso, em dezenas de sociedades secretas, além de fatores econômicos múltiplos”. (FIGUEIREDO FILHO, 1964,61).

      Querer inflar o episódio acima, sobre a participação de Crato naquela sedição, é, no mínimo, “forçar a barra”... Tanto que a primeira obra escrita sobre a história do Cariri (de autoria do jornalista republicano convicto João Brígido) com o título:  “Apontamentos para a História do Cariri”  – publicada a primeira vez em 1888, pela Typografia Gazeta do Norte, de Fortaleza, depois de ter sido divulgado em capítulos, na forma de folhetim, pelo jornal Diário de Pernambuco, de Recife, em 1861 –  não faz nenhuma apologia à participação de Crato na Revolução Pernambucana de 1817. Cita apenas, de passagem, a adesão de membros da família Alencar àquela revolta baseada na cidade de Recife.

     Entretanto, muitas vezes, a história é escrita pelos vencedores. Com o advento do golpe de estado, que passou à história como “Proclamação da República”, surgiu a necessidade de se criar os “heróis republicanos”. Tiradentes e dona Bárbara de Alencar são exemplos disso. 

    Na verdade, a implantação da forma de governo republicana, na nossa pátria, não representou nenhuma conquista para a sociedade brasileira. Antes, foi um retrocesso em muitos aspectos. A começar pelo fato de os golpistas terem rasgado a Constituição Imperial, a primeira  (no julgamento de alguns juristas uma constituição avançada para a época), e a mais duradoura (vigorou durante 67 anos) dentre todas as 07 (sete) constituições que o Brasil já teve. Seis delas escritas na atual  República. Um caso raro na história das nações!  

     Há uma contradição, de clareza solar, nessa Revolução Pernambucana de 1817: ela teria sido feita em nome da Liberdade. Mas a primeira coisa que os seus líderes fizeram, (no esboço de uma projetada “Constituição”) foi descartar a libertação dos escravos negros. Ora, a escravidão negra se constituía na maior chaga social da sociedade pernambucana daquela época. Não há nenhuma menção à escravidão nesse projeto constitucional. O que leva a entender que a escravidão foi mantida pelos interesses econômicos dos revolucionários. 

    Ou seja, para salvaguardar suas prioridades, já que, “suas lideranças revolucionárias eram constituídas por homens abastados, militares de alta patente e religiosos. A participação popular deu-se em maior parte, não por espontaneidade, mas conduzida por laços de domínio, seja de senhores sobre seus escravos, seja de senhores sobre seus apadrinhados” (Cfe. tese de doutorado do historiador Breno Gontijo, autor da dissertação “A Guerra das Palavras: cultura oral e escrita na Revolução de 1817”. (Universidade Federal de Minas Gerais, 2012).

     Sobre outras contradições da Revolução Pernambucana de 1817, bem como da participação de Crato nela, teremos ainda muito a comentar. Trata-se de assunto para os próximos artigos.


(*) Armando Lopes Rafael é historiador.

domingo, 21 de maio de 2023

Visita de membros da Família Bezerra de Menezes ao Instituto Cultural do Cariri -- por Armando Lopes Rafael (*)

 

Brasão da família

   (Discurso de saudação  feito em 20 de maio de 2023, quando da posse de três membros da família Bezerra de Menezes no Instituto Cultural do Cariri).

   Suas presenças nos trazem alegria. E constitui uma honra, para nós do Instituto Cultural do Cariri recebe-los neste sodalício. Benvindos os que vieram de Niterói (RJ): Drs. Geraldo Bezerra de Menezes, Raphael Bezerra de Menezes da Costa, Marcos Bezerra de Menezes e sua esposa, dona Zuleica. Benvindo seja Dr. Flávio Ottoni Penido, oriundo das Minas Gerais, o qual, a exemplo dos seus primos fluminenses, carrega nas veias o sangue generoso e o DNA da família Bezerra de Menezes do Cariri cearense.

A origem desse clã no Cariri
 
    Napoleão Bonaparte dizia que a educação de uma criança começa cem anos antes de ela nascer. Verdade. Somos frutos do ambiente criado por nossos antepassados e das tradições de nossas famílias. O passado tem sobre os homens uma ação que, mesmo não sendo decisiva, é habitualmente importante, ainda que passe despercebida. Difícil resumir o papel e a importância dos Bezerra de Menezes no processo civilizatório do Cariri.
 
    Este clã aqui chegou no alvorecer do século XVIII. Foi, juntamente com outras famílias – antes mesmo do surgimento das primeiras vilas desta região – responsável pelo povoamento do Cariri.  Descendiam os Bezerra de antigas famílias que de Portugal se transportaram para o Brasil. E, no Cariri, à força de trabalho, probidade e ótimos costumes, amealharam um bom patrimônio, passando a constituir a aristocracia da terra. 

   O Brigadeiro Leandro Bezerra Monteiro nasceu em 1740, quando tinha início a Missão do Miranda, embrião da atual cidade de Crato. Naquele ano, sua família Bezerra já habitava, há algum tempo, a Fazenda dos Currais. Esta uma larga extensão de terra. A casa-grande do imóvel ficava no território de Crato, mas a propriedade se espalhava até as terras do atual município de Juazeiro do Norte.

A importância da família
 
          A família é a mais antiga instituição social da humanidade. Até o Filho de Deus, Nosso Senhor Jesus Cristo, quando se encarnou para a sua missão salvífica, assumiu a plenitude da natureza humana, nascendo numa família. Por isso a família é chamada a célula mater da sociedade. A família Bezerra de Menezes, desde seus primórdios, modelou-se no Direito Natural. O que é o Direito Natural? Ele advém da natureza das coisas. Teve origem na criação do homem e da Ordem do Universo.  E garante os direitos primordiais para a existência de uma sociedade orgânica e sadia.

    Proporciona, naturalmente, o direito à vida; direito de constituir família, direito à propriedade, ao trabalho, ao salário justo, à cultura, à educação e à prática da religião. O Direito Natural não depende da concessão do Estado. E, dentro desse primado, ficou indelevelmente marcada a presença dos Bezerra de Menezes no processo civilizatório da na sociedade do Cariri.

A Saga dos Bezerra de Menezes

   Dada a exiguidade do tempo, eu resumirei a história dos Bezerra de Menezes, no Cariri cearense, focando três integrantes deste clã. Todos os três, coincidentemente, nascidos nesta Mui Nobre e Heráldica Cidade do Crato de Frei Carlos Maria de Ferrara. Eles são alguns dos ícones dessa admirável família. O primeiro a ser citado é o Patriarca caririense, o lendário Brigadeiro Leandro Bezerra Monteiro. Ele foi, segundo Gustavo Barroso, o primeiro “General-Honorário do Exército Brasileiro”. Essa patente de Brigadeiro lhe foi outorgada pelo Imperador Dom Pedro I, em reconhecimento à lealdade de Leandro e seu clã, prestada à instituição monárquica vigente no Brasil desde o seu descobrimento, em 1500 e até 15 de novembro de 1889, portanto durante 389 anos. A seu tempo, o Brigadeiro se opôs ao efêmero episódio da Revolução Pernambucana de 1817, ocorrido nas cidades de Crato e Jardim.

     Antes de receber o título de Brigadeiro, Leandro já era possuidor da patente de Coronel–Comandante do Regimento de Cavalaria de Milícias do Crato. Era reconhecido como o maior e mais importante proprietário rural do Vale do Cariri. A verdadeira História o reconhece, também, como o Fundador da cidade de Juazeiro do Norte. O Brigadeiro Leandro foi, enfim, uma liderança respeitável naqueles tempos primevos da sociedade caririense. Um resumo do perfil moral do Brigadeiro Leandro Bezerra Monteiro, foi feito – com maestria e fidelidade – pelo respeitável historiador, Mons. Francisco Holanda Montenegro quando escreveu:

 “... a relevar o nome do mais ilustre dos cratenses, o Brigadeiro Leandro Bezerra Monteiro, o nume tutelar dos Bezerra de Menezes do Cariri. Ele se tornou grande, primus inter pares, pela retidão de caráter, pela nobreza de sentimentos, pela vida exemplar de que era dotado. Homem de Deus, espírito límpido e transparente, franco, sincero, leal. A par de sua honestidade, corriam parelhas a prudência, o equilíbrio e o bom senso”. (Livro “As Quatro Sergipanas”, página 62, edição Universidade Federal do Ceará, 1996)

O segundo ícone
 
    Faço referência ao segundo Bezerra de Menezes. Tinha o mesmo nome do seu avô, citado acima: Dr. Leandro Bezerra Monteiro.  O segundo foi advogado, político de destaque no Parlamento do Império brasileiro. A cidade de Crato o homenageou com a denominação de uma das ruas desta cidade. O Instituto Cultural do Cariri fê-lo Patrono de uma cadeira deste Sodalício. Formado em Pernambuco, migrou, após a formatura, para a Província de Sergipe del Rey. Lá, foi Juiz e deputado provincial. Nessa última função, Dr. Leandro foi um dos proponentes do projeto para a construção da nova capital da Província de Sergipe – a atual cidade de Aracaju – a primeira cidade planejada no Brasil.

    Eleito, depois, Deputado Geral (hoje correspondente a Deputado Federal) para o Parlamento da Monarquia, Dr. Leandro Bezerra Monteiro teve brilhante carreira política, encerrada por vontade própria. Ele ficou desgostoso com o golpe militar de 15 de novembro de 1889, que implantou a República no Brasil, sem consulta e sem apoio do povo. Dr. Leandro Bezerra Monteiro fixou residência em Niterói e dele adveio o ramo dos Bezerra de Menezes na terra fluminense.

     Detentor de uma vida – particular e pública – exemplar, deixou seu nome registrado numa grande efeméride da história brasileira, na sua atuação contra o Presidente do Conselho de Ministros do Segundo Reinado, o Visconde do Rio Branco. Este, perseguiu, àquela época, os Bispos de Pernambuco, Dom Frei Vital Maria de Oliveira, e o Bispo do Pará, Dom Antônio Macedo Costa.  Ambos foram defendidos – na Tribuna do Parlamento Imperial e nas páginas dos jornais – com coragem e destemor, pelo Deputado Leandro Bezerra Monteiro. Esse episódio figura nas páginas da nossa História com o título de “A Questão Religiosa”.

O terceiro ícone
 
    Cito, por fim, um terceiro Bezerra de Menezes. Este, o mais conhecido desse clã em todo o Brasil. Ele foi escolhido, pela população deste Estado – numa consulta popular realizada em 2000 – como “O Cearense do Século”.  Recentemente foi aberto, pela Igreja Católica, o seu Processo de Beatificação, por ordem expressa do Papa Francisco, ora em curso na Diocese de Crato, com o objetivo de levá-lo à glória dos altares. Dias atrás ele teve seu nome aprovado, pela Câmara dos Deputados, inscrevendo-o no Livro dos Heróis e Heroínas do Panteão da Pátria Brasileira. Refiro-me à figura, por todos os títulos respeitáveis, do Padre Cícero Romão Batista, que é um legítimo Bezerra de Menezes.   Segundo acuradas pesquisas feitas pelos ilustres historiadores Daniel Walker de Almeida Marques e Antônio Renato Soares de Casimiro, ficou provado que alguns ancestrais do Pe. Cícero pertenciam à Família Bezerra de Menezes.  A conferir.

"Por conseguinte, o Pe. Cícero Romão Baptista é um Bezerra de Menezes. Neste caso, sem nenhuma dúvida, este parentesco com os povoadores do Sítio Joazeiro se verifica bilateralmente, pelos lados materno e paterno". (Livro “A Família Bezerra de Menezes–Fundação e Desenvolvimento de Juazeiro do Norte”, páginas 23/24, ABC Editora, Fortaleza, 2011)

Minhas Senhoras e meus Senhores,

   Cabe relembrar ao final: O velho Brigadeiro Leandro é o tronco de outros importantes clãs, cujos descendentes se espalham, pelo Brasil, com os sobrenomes de Bezerra de Menezes, Teles, Pinheiro e Monteiro, formando agrupamentos de famílias pacíficas e honradas, que se destacaram em vários ramos profissionais.  Aliás, e vale o registro, tanto o Presidente do Instituto Cultural do Cariri, Dr. José Flávio Pinheiro, como o Vice-presidente, Dr. Marcos Bezerra Cunha, descendem do tronco fundado pelo Brigadeiro Leandro. Por isso e por tantas outras coisas os Bezerra de Menezes foram importantes para a história do Cariri.

(*) Armando Lopes Rafael, historiador. Sócio do Instituto Cultural do Cariri e Membro-    Correspondente da  Academia de Letras e Artes Mater Salvatoris, de Salvador (BA).

domingo, 7 de maio de 2023

Sinal de esperança do Reino de Maria - por Plinio Corrêa de Oliveira

 

Ícone de Nossa Senhora de Iverskaya, mostrando - no rosto dela e do Menino Jesus - os tiros que lhes foram desferidos pelos revolucionários russos, no dia 13 de maio de 1917

   Uma das mais importantes coleções de ícones — pinturas religiosas típicas do Oriente — existentes na Europa, e talvez no mundo, encontra-se na pequena cidade de Torrejón de Ardoz, não longe de Madri. Ali, na antiga granja do Colégio Jesuíta de Santo Isidro, é que o nobre Sérgio Otzoup instalou seu Museu de Ícones. [...] 

   Se percorrermos as dependências de La Casa Grande, e penetrarmos no Museu de ícones, uma pintura da Mãe de Deus chama especialmente a atenção: a Virgem Iverskaia ou Virgem Ibérica. 

   Nela, a Mãe de Deus é representada tendo em seu braço esquerdo o Menino Jesus, com a majestade de quem se assenta em seu trono natural. É em Maria que encontra Jesus suas complacências. A Virgem, ao mesmo tempo que sustém com todo cuidado e proteção o Menino Deus, com o braço direito indica ao fiel ser Ele o modelo de todas as perfeições e o Juiz supremo de todas as causas. Como Medianeira Universal de todas as graças que é, seu terno olhar volta-se para cada devoto que se apresenta a seus pés invocando sua intercessão e confiando em seu amparo. 

   A harmonia, a doçura que se desprendem da pintura — toda feita de cores em que predominam o vermelho e o dourado, mas suaves e matizadas — são contrariadas violentamente ao observarmos nela alguns furos ocasionados por balas de fuzil. Percebem-se marcas claríssimas de fuzilamento, tanto no rosto da Mãe quanto no do Filho!

   Esse fato tão insólito encontra sua explicação em passado ainda recente. Sua data? 13 de maio de 1917! 

   Sim. Enquanto em Fátima Nossa Senhora aparecia pela primeira vez, dando início a uma série de manifestações em que profetizava a expansão dos erros da Rússia pelo mundo inteiro, como açoite pelos pecados do gênero humano, e prometia o triunfo final de Seu Coração Imaculado, em Moscou, essa profanação era cometida durante os distúrbios que precederam à revolução bolchevista.

   Infelizmente, como se sabe, com o cisma do, Oriente, pequeno foi o número dos fiéis que, no Império dos Czares, continuaram a manter sua fidelidade ao trono de São Pedro. [...] Tudo leva a crer que esse culto a Nossa Senhora é anterior à ruptura daquela nação com Roma. Tendo até, quem sabe, um significado auspicioso para a conversão da Rússia, anunciada na mensagem de Fátima. 

   Dentro do cisma, a Virgem Santíssima continuou ainda a ser cultuada — se bem que fora da verdadeira Igreja de Cristo — em muitos santuários, e por meio de vários ícones espalhados por todo aquele vasto território. Entre estes, destacava-se o da Virgem Ibérica, que é padroeira de Moscou, e cujo nome tinha sua origem na Ibéria, região do sul da Rússia, na zona do Cáucaso. Essa pintura de Maria ficava exposta numa pequena capela na entrada do Kremlin.

   Deposto o Czar, durante a efêmera regência do Príncipe Lvov, sob o governo de Kerensky, a capela de tal forma foi destruída naquele dia 13 de maio do ano da Revolução comunista, que dela não restou pedra sobre pedra. O ícone da Virgem Iverskaia foi fuzilado e consta que chorou ao ser profanado! Considerada perdida durante esses meses que antecederam a revolução bolchevista, a pintura da Mãe de Deus pôde ser conservada juntamente com outros tantos ícones, graças a Sérgio Otzoup, que em dezembro de 1918 conseguiu retirá-los da Rússia.

   Hoje, exposta no Museu de Ícones de La Casa Grande, a Virgem Iverskaia — profanada por ódio à Religião — permanece como sinal de esperança, sobretudo para a Rússia e também para o mundo, da nova era prometida por Nossa Senhora em Fátima, e profetizada por São Luis Maria Grignion de Montfort — o extraordinário missionário francês do século XVII — como sendo o reino de Maria!

(Excertos do artigo “Virgem Iveskaya, esperança de conversão para a Rússia”, escrito pelo Prof. Plínio Corrêa de Oliveira e publicado na revista “Catolicismo”, Ano XXXVI, N° 425, maio de 1986, na página 20)



domingo, 23 de abril de 2023

Amanhã, 24 de abril, é a festa de São Fidelis de Sigmaringa, Co-Padroeiro de Crato – por Armando Lopes Rafael

 

Na Capela do Santíssimo, na Catedral de Crato, existe um belo vitral, com as figuras de Nossa Senhora, Mãe do Belo Amor e São Fidelis de Sigmaringa, Co-Padroeiro de Crato desde o inicio da humilde capelinha de taipa, construída em 1740, por Frei Carlos de Ferrara

      Todo mundo sabe que Nossa Senhora da Penha é a padroeira principal da cidade de Crato. No entanto, nem todos sabem que Crato também tem um co-padroeiro. Trata-se de São Fidelis de Sigmaringa, o qual,  antes de adotar este nome para se tornar franciscano capuchinho, era conhecido advogado com o nome civil de Marcos Rey. São Fidelis foi escolhido pelo fundador de Crato – Frei Carlos Maria de Ferrara, há 283 anos – como co-padroeiro da primitiva capelinha de taipa, coberta de palha, erguida em 1740 no centro da então Missão do Miranda, embrião da atual cidade de Crato.

   Na Sé Catedral de Nossa Senhora da Penha foi iniciado–  no último dia 21 de abril – um Tríduo para festejar São Fidelis de Sigmaringa. Louve-se o zelo da equipe da Catedral, que nessa iniciativa, obteve êxito além do esperado. Que essa tradição – ora iniciada –  seja ainda maior no próximo ano de 2024, quando se completa o quarto século  (400 anos) do martírio de São Fidelis de Sigmaringa. Quem sabe, em 2024, já tenhamos uma imagem de São Fidelis na nossa icônica catedral?

Quem foi São Fidelis

    Segundo seu biografo Afonso Souza: “Inteligente e aplicado, Marcos Rey fez com sucesso seus estudos na católica Universidade de Friburgo, na Suíça. De elevada estatura, bela presença, semblante sério e sereno, Marcos era respeitado pelos professores e admirado pelos condiscípulos que, por sua ciência e virtude cognominaram-no de o Filósofo Cristão”.

   Ainda segundo o seu biografo: “Como em tudo brilhante, em breve adquiriu fama e clientela. O Dr. Marcos Rey, no entanto, preferia as causas dos pobres às dos ricos, para poder defendê-los gratuitamente. Em suas defesas, jamais utilizou recurso algum que pudesse tisnar a honra da parte contrária”. Entretanto, Marcos Rey decepcionou-se com a advocacia e decidiu a abandoná-la, ingressando na ordem franciscana. Percorreu a Espanha, França, Itália convertendo multidões e passou a ser perseguido pelos radicais protestantes.

   Foi à sombra do castelo de Sigmaringa, às margens do Rio Danúbio, na Alemanha, que Frei Fidelis encontrou refúgio, quando perseguido. Mas no dia 24 de abril de 1622, após celebrar uma missa, de volta ao castelo caiu nas mãos de soldados protestantes que o assassinaram. Foi beatificado em 1729, e canonizado 17 anos depois. O Vaticano o escolheu como o Protomártir da Sagrada Congregação da Propaganda Fidei.

   Salve São Fidelis de Sigmaringa, Co-Padroeiro de Crato!

Mais uma barbaridade da atual república brasileira: Nota sobre a recente revogação da Ordem do Mérito Princesa Isabel

 

Abaixo, divulgada pelo Príncipe Dom Bertrand de Orleans e Bragança, atual Chefe da Casa Imperial  Brasileira:

   No último dia 3 de abril, o Diário Oficial da União publicou o Decreto nº 11.463, assinado em 31 de março de 2023 pelo atual Presidente da República, que em seu art. 4º assim dispõe: “Fica revogado o Decreto nº 11.277, de 8 de dezembro de 2022”.

   O Decreto revogado criara a Ordem do Mérito Princesa Isabel, destinada a honrar aqueles “que tenham prestado notáveis serviços, em âmbito nacional ou internacional, relacionados com a proteção dos direitos humanos e oatendimento e a assistência aos públicos-alvo do Ministério da Mulher, da
Família e dos Direitos Humanos”.

   A supressão de honrarias não é novidade no Brasil republicano. A Constituição de 1891, em seu art. 72, § 2º, já havia proclamado a extinção de todas as Ordens honoríficas então existentes, o que, como se sabe, não impediu que a República viesse a criar suas próprias Ordens, atendendo à necessidade inafastável de toda e qualquer sociedade de recompensar os bons préstimos de seus membros.

   O que chama a atenção no recente decreto é o quanto ele revela do incômodo que a memória de nossa veneranda bisavó, a Princesa Dona Isabel, provoca no governo de turno.

   É de conhecimento geral que a Princesa Dona Isabel foi uma abolicionista ao longo de toda a sua vida. As ligações dela com o movimento abolicionista eram estreitas. Todos os filhos dela foram por ela educados como abolicionistas. Não por acaso, duas das principais leis abolicionistas foram
por ela sancionadas na condição de Regente do Império: a Lei do Ventre Livre em 1871 e a Lei Áurea em 1888. Plenamente consciente de tudo quanto arriscava e que de fato veio a perder, ela teve a coragem de sacrificar seu trono por esse ideal.

   Os grandes líderes abolicionistas seus contemporâneos foram unânimes em reconhecer a sua importância para a causa da abolição e a nenhum deles ocorreu levantar as objeções hoje levantadas por alguns.

   Não cabe a um governo reescrever a história. A importância de cada um dos heróis nacionais não é aumentada pela honra que os sucessivos detentores do poder lhe prestam, nem diminuída pela que um ou outro eventualmente lhe recusem.

   A memória dos heróis integra o patrimônio imaterial da Nação. Ao honrá-los adequadamente, os sucessivos governos cumprem um dever de justiça. Ao negar-lhes a honra de que são credores, faltam ao cumprimento desse dever e se tornam injustos.

   Se, passados cento e trinta e três anos do golpe republicano e cento e um anos de sua morte, a benfazeja memória de nossa bisavó continua a incomodar a República que a exilou, é evidente que as suas virtudes permanecem vivas no imaginário nacional, a contrastar com os vícios cada vez mais insuportáveis do atual regime.

   Eis uma amostra da grandeza da Princesa Dona Isabel: ao tomar conhecimento de que se realizava uma subscrição pública para a ereção de uma estátua na cidade do Rio de Janeiro, homenageando-a pela abolição da escravatura com o título de “A Redentora”, ela manifestou o desejo de que a estátua não fosse erigida em sua honra, e sim em honra d”O Redentor”, Nosso Senhor Jesus Cristo, no alto do Morro do Corcovado. É essa a origem do célebre monumento que recebeu da Unesco o galardão de “Patrimônio da Humanidade”.

   No próximo dia 13 de maio, data em que se comemorarão os cento e trinta e cinco anos da assinatura da Lei Áurea, nós, que a sucedemos na Chefia da Casa Imperial, inspirados por seu exemplo,   faremos aos pés da imagem do Cristo Redentor um Ato de Consagração do Brasil ao Sagrado Coração de Jesus, implorando as bênçãos de Deus para a nossa Pátria.

São Paulo, 13 de abril de 2023
Dom Bertrand de Orleans e Bragança
Chefe da Casa Imperial do Brasil


 


 

quinta-feira, 2 de março de 2023

Uma breve abordagem sobre o Processo de Beatificação de Benigna Cardoso da Silva – por Armando Lopes Rafael

 (Palavras proferidas numa “live’, durante o 49° Colóquio da Sabedoria, promovido pelo Instituto Cultural do Cariri, em 1°/03/2023)

Como funciona um processo de Beatificação?

   Inicialmente devemos informar que a Igreja Católica não faz o “Santo”. Ela apenas reconhece, por meio de  processos demorados e cheios de exigências, a santidade de um homem ou de uma mulher, que teve sua memória preservada com fama de santidade. É necessário, pois, que essa pessoa seja falecida e goze da fama de santidade na comunidade onde viveu. 


Por dentro de um Processo de Beatificação

    Através das beatificações e das canonizações, a Igreja dá graças a Deus pelo dom dos seus filhos que corresponderam heroicamente à graça divina concedida por ocasião do batismo. Ao honrar esses Beatos e Santos, a Igreja incentiva seus filhos a invocá-los como intercessores junto a Deus. 

   Assim, no âmbito da Igreja Católica, alcançar a Beatificação decorre de um procedimento visando ao reconhecimento de que a pessoa,  (a quem é atribuída a fama de que se encontra no Paraíso, em estado de beatitude) pode interceder por aqueles que lhe recorrem em oração.

   Não existe tempo demarcado para a conclusão, pelo Vaticano, de um Processo de Beatificação, que antecede a próxima etapa da canonização, quando o Beato recebe o título de Santo. Citemos um único exemplo. O primeiro candidato a Beato no Brasil, foi o  Padre José de Anchieta. O Processo de Beatificação desse padre – que hoje é oficialmente Santo – e é conhecido como o Apóstolo do Brasil, durou quase 400 anos e teria começado em 1597, após relatos de milagres ocorridos em São Paulo.

    É necessário que o bispo da diocese peça a autorização do Vaticano para iniciar um processo de beatificação.  Se o Vaticano, após examinar as justificativas do bispo, considerar viável abrir o processo,  o candidato à beatificação passa por três estágios. 

   Se aprovado pela Congregação para a Causa dos Santos, ou seja, se o candidato da diocese se enquadrar nas exigências da Santa Sé,  o Vaticano expede um documento chamado “Nihil Obstat” (em português: “nada impede”). Este autoriza o prosseguimento da causa da Beatificação, no âmbito da diocese. Paralelamente,  é dado ao candidato ao título de Servo de Deus. Após essa autorização, a diocese abre o processo, o qual, depois de concluído, é levado para análise final no Vaticano.

      Na fase inicial, ou seja, no âmbito das dioceses,  investiga-se as virtudes ou o martírio do candidato a Beato. Em Roma é feita a análise do processo enviado pela diocese, e o candidato passa por várias "peneiras" ou etapas. Se for reconhecido que ele cumpriu de forma heroica as  virtudes exigidas para reconhecimento da sua santidade em vida (ou que a pessoa sofreu martírio pela Fé)  ela recebe o título de "Venerável".

    Quais são essas virtudes heroicas?

     São elas:
•  Fé Heroica;
•  Esperança Heroica;
•  Caridade Heroica;
•  Prudência Heroica;
•  Justiça Heroica;
•  Fortaleza Heroica;

    Heroica quer dizer, acima do usual, de forma extraordinária. E fica-se aguardando, no Vaticano, a documentação  de um milagre feito por intercessão do venerável.Se em Roma, na Congregação para a Causa dos Santos, onde a investigação é mais aprofundada, tudo correr favoravelmente ao candidato a Beato, os cardeais concluem o parecer do processo e o candidato é declarado “Venerável” pelo Papa.

   Só após a comprovação de algum milagre do Venerável, o candidato é considerado "Beato" e sua imagem pode, então, ser cultuada no país onde morreu. No caso de martírio em defesa da fé (e este foi o caso de Benigna), esse milagre é dispensado.

   Resumindo: 

   Atualmente as Dioceses têm autoridade para abrir processos de beatificações. Cada causa de beatificação possui um "postulador". Este atua como uma espécie de coordenador do processo, coletando sinais de santidade do candidato a Beato ou Santo

    No total existem, no Vaticano, 06 (seis) Processos de Beatificação oriundos do Ceará.   Da Arquidiocese de Fortaleza estão em Roma 4 (quatro) processos referentes aos religiosos Frei João Pedro de Sexto, Dom Antônio de Almeida Lustosa, Irmã Clemência de Oliveira e Irmã Rosita Paiva. Alguns desses pedidos foram feitos há quase 50 anos. É o caso do processo do  Arcebispo Dom Antônio de Almeida Lustosa. Embora seja a Arquidiocese de Fortaleza a mais bem estruturada do Ceará, parece que ela não encontrou bons postuladores para essas causas, pois esses processos se arrastam nos arquivos do Vaticano.

   Da Diocese de Sobral estão na Santa Sé dois processos: o do monsenhor Joaquim Arnóbio de Andrade, fundador da Congregação das Missionárias Reparadoras do Coração de Jesus; e o do Pe. Waldir Lopes de Castro. Na nossa Diocese de Crato, depois da beatificação da menina Benigna Cardoso da Silva (o único Processo de Beatificação que logrou êxito, até agora ,no Estado do Ceará), foi aberto -- pelo atual bispo de Crato -- outro: no dia 30 de novembro do ano passado, visando a beatificação do Servo de Deus Padre Cícero Romão Batista. Este processo ainda se encontra na fase diocesana.

   Acrescente-se que mais dois religiosos cearenses (ambos nascidos em Sobral) têm Processos de Beatificação em análise em Roma, mas esses processos correm no âmbito de outras dioceses: o do bispo Dom Expedido Lopes (na Diocese de Garanhuns, Pernambuco) e o do Padre Ibiapina (na Diocese de Guarabira, Paraíba).

       Das dioceses existentes no Nordeste brasileiro somente três: as dioceses de Natal (RN), Salvador (BA) e Crato (CE) possuem Beatos e Santos aprovados e oficializados, na rigorosa seleção feita pelo Vaticano.

Sobre a Beatificação da menina Benigna

      O  Processo de Beatificação da menina Benigna Cardoso da Silva, a primeira Beata do Ceará, foi de uma rapidez impressionante. Foi iniciado na Diocese de Crato em 2011 e durou apenas 8 anos. Ela foi martirizada, em defesa da sua castidade, em 14 de outubro de 1941. E sua fama de santidade foi conservada pela população de Santana do Cariri por cerca de 68 anos. Somente em 2011, o 5º Bispo de Crato, Dom Fernando Panico, assinou o decreto iniciando o Processo de Beatificação de Benigna na fase diocesana. 

   Em 2013, a causa foi aceita pela Congregação para a Causa dos Santos, e Benigna foi declarada Serva de Deus. Aos 3 de outubro de 2019, a Santa Sé promulgou, por mandado do Papa Francisco, o decreto de reconhecimento do seu martírio, abrindo o caminho para sua beatificação. E – devido essa solenidade ter sido adiada, por motivo da pandemia do Covid-19 – Benigna só foi beatificada em 24 de outubro de 2022, na cidade de Crato,  por Dom Leonardo Ulrich Steiner, Cardeal Arcebispo da Amazônia, representando o Papa Francisco. Este ato de Beatificação antecede ao da futura canonização, quando o nome de Benigna será inscrito nos cânones da Igreja Católica como uma nova Santa da Igreja Católica Romana.

     Os desígnios de Deus são insondáveis à inteligência humana. Benigna passou à frente de notáveis pessoas com fama de santidade, cujos Processos de Beatificação, se arrastam no Vaticano, a exemplo de renomados padres, bispos, cardeais e até Papas. Para tentar compreender isso, ocorre-nos lembrar o que escreveu Santa Teresinha, no seu livro biográfico "História de uma Alma"; "Deus se manifesta tanto na alma mais simples, que não coloca nenhuma resistência a sua graça, quanto na alma mais elevada. Ele não chama os que são sábios, fortes, poderosos, mas os que são do seu agrado. Chama quem Ele quer".

   Certamente a vida de Benigna, a sua opção de preferir morrer para não transgredir um preceito da doutrina de Cristo, foi do agrado de Deus. E como o tempo de Deus é diferente do tempo dos homens, foram necessários 68 anos, para chegar um bispo na Diocese de Crato, oriundo da Europa – o continente com maior número de santos oficializados – para ter a sensibilidade de enxergar no martírio da menina Benigna, os mesmos méritos que levaram a Igreja Católica a declarar Santa Maria Goretti uma Mártir da Castidade. Isso ocorreu na Itália, nos anos 50 do século XX.

    Salve a Beata Benigna!

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2023

 As atividades teatrais em Crato – Por Armando Lopes Rafael (*)

 

  Desde a década 60 do século XX, Crato detém a fama de ser a Cidade da Cultura. São muitas as manifestações culturais que contribuíram para justificar este título dado a Crato. Dentre elas se sobressai a exibição de peças teatrais nesta Cidade de Frei Carlos Maria de Ferrara.

    O Teatro surgiu na Grécia Antiga e se tornou – desde os primórdios da civilização – uma grande fonte de cultura para as pessoas. Em Crato não foi diferente. Projetos culturais, visando encenações teatrais, possuem registros na história desta cidade, entre o início do século XIX e a década de 50 do século 20.

    Esses registros dão ênfases às peças encenadas em Crato, a partir do Seminário São José. Depois ganharam mais destaque com a fundação do movimento “Os Romeiros do Porvir”, atingindo o auge na criação do Grupo Teatral de Amadores do Crato (Grutac).  Hoje temos, no centro da cidade, um pequeno Teatro, o   Rachel de Queiroz, e outro grande espaço para apresentações teatrais, no Centro Cultural do Cariri, em funcionamento no antigo Seminário da Sagrada Família, no bairro Recreio.

      Junte-se a isso a profícua participação do dramaturgo cratense Gabriel de Alencar Linard Lustosa, ainda bastante jovem, mas autor de boa produção teatral. Talentoso, idealista, é comum ele criar e encenar pequenas peças para a tradicional solenidade da Coroação de Nossa Senhora, que acontece todos os anos, no dia 31 de maio, no pátio externo da Catedral de Crato. 

     Recentemente, assisti – no Auditorio Mons. Rubens Lóssio da  Catedral de Crato – uma peça teatral da lavra de Gabriel Linard: “Frei Carlos Maria de Ferrara e a Missão do Miranda”. Patrocinada pela Companhia de Teatro Corifeus e Paróquia Nossa Senhora da Penha, com texto, roteiro e direção de Gabriel Linard. Esta peça, em três atos, trouxe um resgate histórico da fundação de Crato. Uma cidade fundada sob as bênçãos da religiosidade, sob pilares da fé cristã. Crato nasceu de uma humilde Missão Católica, destinada à evangelização dos índios, sob a administração dos Frades Capuchinhos, no século XVIII.

      Parabéns Gabriel Linard, pela sua contribuição para que Crato continue a usufruir do título de Cidade da Cultura, e um lugar de destaque nas encenações teatrais.


(*) Armando Lopes Rafael é historiador.

domingo, 20 de novembro de 2022

Crato: uma cidade marcada pelo pioneirismo – pesquisa e texto de Armando Lopes Rafael (*)


História

   Por volta de 1741 surgem os primeiros registros do aldeamento de populações indígenas, pertencentes ao grupo silvícola Cariri, no local onde hoje se ergue a cidade de Crato. Era a Missão do Miranda, fundada por Frei Carlos Maria de Ferrara, religioso franciscano capuchinho, nascido na Itália. Este frade ergueu, no centro da Missão, uma humilde capelinha de taipa (paredes feitas de barro) coberta com folhas de palmeiras, árvores abundantes, naquela época, na região. 

   O santuário foi dedicado, de maneira especial, a Nossa Senhora da Penha, a São Fidelis de Sigmaringa e à Santíssima Trindade. Em volta da capelinha, foram erguidas as palhoças dos índios. Estes, além de cuidarem das plantações rudimentares, recebiam os incipientes ensinamentos da fé católica, ministrados por Frei Carlos. Aos poucos, no entorno da Missão do Miranda, pessoas brancas foram construindo suas casas. Era o início da atual cidade do Crato, cujo fundador é oficialmente reconhecido como sendo. Frei Carlos Maria de Ferrara.

   Em 21 de junho de 1764, a Missão do Miranda foi elevada à categoria de Vila, tendo seu nome mudado para Vila Real do Crato, em homenagem à vila homônima, existente na região do Alentejo, em Portugal. A partir daí, a Vila Real do Crato foi trilhando a senda do processo civilizatório, sempre inspirada no que vinha de bom do Reino, ou seja, do que chegava da metrópole portuguesa. A marca do pioneirismo passaria a caracterizar a existência do Crato, como veremos nas linhas seguintes.

Anseios libertários

   No primeiro quartel do século XIX, a Vila Real do Crato já se sobressaía entre as congêneres interioranas do Nordeste brasileiro. Residiam na vila, ou nas suas redondezas, famílias abastadas, possuidoras de patrimônio amealhado quase sempre, à custa das fainas agrícolas. Alguns jovens dessas famílias tinham o privilégio de aperfeiçoar seus conhecimentos em escolas da longínqua capital da Província de Pernambuco. 

    Para lá eles se deslocavam, em longas e penosas viagens, que duravam semanas. Viagens sempre feitas em lombo de animais. Alguns desses estudantes retornavam ao torrão natal impregnados de ideias libertárias, assimiladas nas sociedades secretas, existentes em Olinda e Recife. Alguns desses jovens sonhavam com um Brasil independente da metrópole portuguesa. Poucos iam mais longe. Acalentavam o sonho de mudar a forma de governo monárquica – vigente desde o descobrimento do Brasil – substituindo-a, pela forma republicana, esta em experiência nos Estados Unidos da América e França.

   Tais sonhos libertários resultaram no primeiro confronto ideológico ocorrido no Cariri cearense. Os liberais, liderados pelo subdiácono José Martiniano de Alencar – aluno do Seminário de Olinda e adepto dos princípios republicanos da Revolução Francesa de 1789 – foi enviado pelos líderes da Revolução Pernambucana de 1817, para deflagrar o processo revolucionário no conservador Vale do Cariri. 

   Num gesto, corajoso para a época, o seminarista José Martiniano de Alencar “proclamou”, dia 3 de maio de 1817, do púlpito da Matriz do Crato a independência do Brasil, sob a forma republicana. A contrarrevolução veio rápida. Oito dias depois, Leandro Bezerra Monteiro, o mais importante proprietário rural do Cariri, dotado de profundas e arraigadas convicções católicas e monarquistas, encerrou a república do seminarista José Martiniano de Alencar. Este e alguns familiares foram presos e enviados para as masmorras de Fortaleza. De lá foram transferidos, posteriormente, para cadeias de Salvador, na Bahia. 

   Entre os prisioneiros estavam Tristão Gonçalves de Alencar Araripe e Dona Bárbara de Alencar, irmão e mãe de José Martiniano. Após sofrerem as agruras das prisões, por cerca de quatro anos, os revolucionários cratenses foram anistiados pela autoridade real. Por sua lealdade à Monarquia, Leandro Bezerra Monteiro, foi agraciado, pelo Imperador Dom Pedro I, com o posto de Brigadeiro, o primeiro a ser concedido no Brasil.

Um herói chamado Tristão

   Em 1824, eclodiu nova revolução republicana em Pernambuco denominada “Confederação do Equador”. Este movimento uniu algumas lideranças das províncias de Pernambuco, Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte, descontentes com a Constituição outorgada pelo primeiro imperador brasileiro, Dom Pedro I. O movimento repercutiu em Crato. Tristão Gonçalves de Alencar Araripe aderiu, com todo entusiasmo e idealismo, à Confederação do Equador. Em 26 de agosto daquele ano, foi ele aclamado pelos rebeldes republicanos como Presidente do Ceará. 

   Entretanto, a reação do Governo Imperial foi implacável. As instruções para debelar o movimento eram assim sintetizadas: “(...) não admitir concessão ou capitulação, pois a rebeldes não se deve dar quartel”. Debelado o movimento restou a Tristão Araripe duas alternativas: exilar-se no exterior ou morrer lutando. Escolheu a última opção.

    Nas suas pelejas, Tristão fez vários inimigos. Dentre eles um rancoroso proprietário rural, José Leão da Cunha Pereira. Este utilizou um seu capanga, Venceslau Alves de Almeida, para pôr fim à vida do herói da Confederação do Equador no Ceará. Tristão Araripe foi assassinado, combatendo o grupo armado de José Leão, em 31 de outubro de 1825, na localidade Santa Rosa, hoje inundada pelas águas do Açude Castanhão. Morreu como queria: pelejando.

O mártir da monarquia

    O Cariri continuou, durante algum tempo, dividido entre simpatizantes da ideologia republicana e os adeptos da Monarquia. O confronto dessas ideias foi motivo de contendas as mais variadas. Joaquim Pinto Madeira era o que poderíamos chamar de “caudilho”. Rico proprietário rural e chefe político da Vila de Jardim, era por índole um afeiçoado às coisas da Monarquia. Consta que participava da sociedade secreta “Trono do Altar”, que defendia a monarquia absoluta. Lutou ele, ativamente, contra os promotores dos movimentos libertário-republicanos da Revolução Pernambucana de 1817 e da Confederação do Equador de 1824. Após a derrota da família Alencar, em 1817, coube a Pinto Madeira, à época ocupando o posto de Capitão de Ordenança, conduzir até a cidade de Icó os 20 malogrados presos políticos. Durante o percurso esse percurso, os prisioneiros teriam sofrido humilhações por parte do caudilho. O que era esperado, face ao temperamento belicoso de Pinto Madeira.

     Em 1831 o imperador Dom Pedro I abdicou do trono brasileiro e foi para a Europa, onde recebeu o título Dom Pedro IV, Rei de Portugal. Os adversários de Pinto Madeira aproveitaram esse acontecimento para dele se vingar. Acuado, o caudilho, com a ajuda do vigário de Jardim, Padre Antônio Manuel de Sousa, armou cerca de dois mil homens, a maioria com rudimentares espingardas, e invadiu o Crato, em 1832, para dar caça aos seus inimigos liberais. 

   Dizem que de tanto abençoar as espingardas dos jagunços e, na falta destas dar bênçãos a cacetes (pequenos bastões de madeira) o Padre Antônio Manuel de Sousa ficou conhecido como "Padre Benze-Cacetes". Pinto Madeira e o Vigário Manuel foram vitoriosos no Crato e cidades da redondeza, mas logo começaram a sofrer reveses.

   Terminaram por se render ao General francês Pedro Labatut, que atuava no Brasil, desde as lutas pela independência. Presos, Pinto Madeira e o Pe. Antônio Manuel foram enviados para Recife e depois para o Maranhão. Pinto Madeira retornou, como preso, ao Crato, em 1834, onde, num júri parcial – composto por antigos inimigos dele – foi condenado à forca, sentença posteriormente comutada para fuzilamento, em face do réu ter alegado sua patente militar de Coronel.

   Conforme o historiador Irineu Pinheiro, na publicação “Joaquim Pinto Madeira” Imprensa Oficial do Ceará, Fortaleza, 1946, página 21:
“Morreu virilmente Pinto Madeira. Conta a tradição, ouvida por mim desde menino, que momentos antes do fuzilamento, ofereceu-lhe um lenço, para que vedasse os olhos, um dos seus mais implacáveis inimigos. Recusou o condenado a oferta (...) Durante anos a fio, fez-lhe promessas o rude povo do sertão, considerando-o um mártir, isto é um santo”.

Um sonho não concretizado: Crato capital do Cariri

   Já em 1828, a Câmara de Vereadores do Crato encaminhava representação ao Governo mostrando a oportunidade de criação da Província do Cariri Novo. Não foi atendida nessa pretensão. A ideia voltou à tona, em 14 de agosto de 1839, quando o senador José Martiniano de Alencar, do Partido Liberal, apresentava no Senado do Império do Brasil projeto de lei cujo artigo 1º dizia textualmente: “Fica criada uma nova província que se denominará Província do Cariri Novo, cuja capital será a Vila do Crato”.

    Os demais artigos desse projeto de lei tratavam sobre os limites geográficos da nova unidade do Império do Brasil que incluíam municípios do sul do Ceará e os limítrofes das Províncias da Paraíba, Pernambuco e Piauí. Com a ascensão do Partido Conservador ao poder, o projeto de lei não prosperou. Anos depois, através do jornal “Diário do Rio de Janeiro”, voltava o senador Martiniano de Alencar a defender sua ideia de criação da Província do Cariri. Tudo ficou só num sonho.

O pioneirismo do Crato

    As brigas fratricidas ficam para trás. Em 1855, a 7 de julho, é fundado no Crato o primeiro jornal do interior do Ceará. Trata-se do semanário “O Araripe”, cujo proprietário é o jornalista João Brígido dos Santos, ligado ao Partido Liberal. No último quartel do século XIX, a população do Crato já não se ocupava tanto das brigas políticas. A sociedade cratense volta suas vistas para conquistas no campo da educação que perduram até os dias atuais. Em 1874, o primeiro bispo do Ceará, Dom Luiz Antônio dos Santos, atendendo à sugestão de um filho de Crato, Padre Cícero Romão Batista, fixa residência temporária nesta cidade, com o objetivo de construir um Seminário, a funcionar como um suplementar do Seminário Episcopal, existente na sede da diocese, Fortaleza, distante cerca de 600 Km do Cariri. Em 1º de março de 1875, ainda de forma precária, o Seminário São José do Crato é colocado em funcionamento.

   Em 8 de dezembro de 1908, o vigário Pe. Quintino Rodrigues de Oliveira e Silva, convoca as autoridades e lideranças da cidade, com o objetivo de solicitar ao Bispo do Ceará encaminhar a Santa Sé o pedido de criação da diocese do Crato. É formada uma comissão com as lideranças e os notáveis da terra para os trabalhos preparatórios da nova diocese.

    Em 20 de outubro de 1914, o Papa Bento XV, através da Bula “Catholicae Ecclesiae”, cria a diocese do Crato, a primeira do interior do Ceará. Em 10 de março de 1915, o vigário Quintino é preconizado primeiro bispo da nova igreja particular. A partir de então, diversas iniciativas da Diocese do Crato são responsáveis pelo surto de progresso sentido na cidade. Uma delas a criação, em 1921, da primeira instituição de crédito do Sul do Ceará, o Banco do Cariri, que presta grandes benefícios ao comércio e à lavoura da região.

    Em 1922, Dom Quintino torna-se o pioneiro do ensino superior, no interior do Ceará, porquanto dota o Seminário São José de Curso Teológico. Este, subdividido em Curso de Filosofia, feito em dois anos, e Curso de Teologia, em quatro anos, proporciona ao novo presbítero receber no Crato a licenciatura plena. Dom Quintino planta, assim, a semente germinativa da Faculdade de Filosofia do Crato (criada em 1959) que foi, por sua vez, o embrião da atual Universidade Regional do Cariri (URCA), criada em 1986. Esta universidade leva a instrução superior in loco à vasta área do Estado do Ceará. E recebe no Crato alunos residentes nos Estados do Piauí, Paraíba e Pernambuco. Hoje, o Crato é um dos mais importantes polos do ensino universitário, no Nordeste brasileiro.

    Encerremos com outro registro. Em 1946, há quase sessenta anos, quando não se fala em ecologia ou biodiversidade, o Crato é palco de nova ação pioneira. Através do Decreto n° 9.226 de 02 de maio de 1946, o Governo Federal cria a primeira reserva florestal do Brasil. Trata-se da Floresta Nacional do Araripe, que tem boa parte da sua reserva encravada no Município do Crato. Constituída por mata primária, clima ameno, além de possuir boa variedade de fauna e flora nativas, fontes naturais, pequenas grutas e fósseis, a Floresta Nacional do Araripe vem permitindo a pesquisa científica, recreação e lazer, educação ambiental, manejo florestal sustentável e turismo. E o Crato pioneiro. Sempre à frente dos acontecimentos futuros.

Texto e pesquisa de Armando Lopes Rafael


domingo, 13 de novembro de 2022

2022 – Bicentenário da Independência e 133 anos da República – por Armando Lopes Rafael (*)

 

    Esta terça-feira, 15 de novembro, assinalará uma efeméride histórica. Há 133 anos um Golpe de Estado subverteu a ordem constitucional então vigente no Império do Brasil. Sob a forma de governo monárquica, o Brasil vinha vivendo, desde nosso descobrimento, pelos portugueses, em 22 de abril de 1500, até a data de 15 de novembro de 1889.

    Durante 322 anos os brasileiros viveram sob a monarquia portuguesa. A partir de 7 de setembro de 1822, depois da gesta do Imperador Dom Pedro I – feita com a aclamação e apoio do povo brasileiro – declarando nossa independência de Portugal, nossa nação passou a ser a única monarquia constitucional – oficializada e mantida – na vastidão do continente americano. O Império do Brasil durou 67 anos. Portanto, sob a égide de Portugal ou como nação independente, o Brasil viveu durante 389 anos como monarquia. Nos últimos 133 anos, vem vivendo como uma república.

    Em 25 de março de 1824 foi outorgada a primeira Constituição do Brasil independente. Esta Carta Magna foi rasgada pela minoria republicana, em 15 de novembro de 1889. Um gesto feito sem apoio e sem participação do povo. Depois do golpe passamos a ser os “Estados Unidos do Brazil” (grafia da época). Este nome vigorou até 1967, quando numa das 06 (seis) Constituições que a República já teve, a denominação oficial foi  mudada para “República Federativa do Brasil”.

    Nessa condição, a administração pública federal vem se arrastando... em meio às mais diversas dificuldades. Nos últimos 133 anos, algumas vezes – forçoso é reconhecer – houve avanços nesta república. Como também ocorreram muitos retrocessos.

    Neste aniversário da “Proclamação” da República,  somos um povo dividido ideologicamente e politicamente. O que não causa admiração, pois a cada eleição para Presidente da República a nação fica mais dividida. Tivéssemos continuado como monarquia nada disso aconteceria. Existe um ditado popular que diz: Rei morto, rei posto! Ou seja, quando há a necessidade imediata de substituir um rei por outro (por morte ou renúncia), o cargo é imediatamente preenchido.  E a nação continua seu ritmo normal. Sem crises. Com a população unida em torno do novo monarca.  Com os olhos voltados unicamente para o futuro. Bendita monarquia!


sábado, 12 de novembro de 2022

Kleber Maia Cabral e as marcas por ele deixadas em Crato - por Armando Lopes Rafael

  Hoje,12 de novembro de 2022, está sendo lançada -- às 9:00h na Praça Siqueira Campos, em Crato -- a edição nº 51, da revista "Itaytera", do Instituto Cultural do Cariri. Neste número publiquei o artigo abaixo. 

Kleber Maia Cabral e as marcas por ele deixadas em Crato - por Armando Lopes Rafael

                                                 “Autêntico na vida porque coerente com a  religião,                                                       sincero nas amizades e exemplar na família.”
(Frase escrita, pelo Prof. José do Vale Feitosa, para
                                         a lembrancinha da missa do 7º Dia de falecimento
de Kleber Maia Cabral)

     Em 1959, chegava a Crato, proveniente de Fortaleza, um jovem atípico. Vinha assumir o seu emprego como funcionário concursado do Banco do Brasil. Seu nome: Kleber Maia Cabral. Dotado de bom aspecto, feições europeias, nariz adunco, Kleber vestia-se com dignidade. Um homem culto, educado e viril, que deixaria marcas de sua passagem na sociedade e instituições sociais de Crato, onde viveria cerca de 15 anos. Estávamos no início da década 60 do século XX (cronologicamente iniciada em 1959 e concluída em 1969). Anos inovadores, de grandes transformações nos campos da moda e do comportamento humano. Anos de contestação da juventude, no tocante às questões sociais e políticas. Anos de acentuado desprezo pelas tradições seculares... Em Crato não foi diferente. Kleber Maia Cabral, no entanto, teria a sabedoria e o equilíbrio de atravessar aqueles anos difíceis e confusos, utilizando uma máxima: “Nem tudo que é antigo é ruim, nem tudo que é novo é bom” ...  

Crato no início dos anos sessenta

      Considerada a “Cidade-Polo” do Cariri, Crato, segundo o recenseamento de 1960, contava com uma população de 32.054 habitantes. Um aumento populacional de cerca de 30% em relação ao Censo de 1950. Por isso a fisionomia urbana desta cidade se apresentava também ampliada. Verdade que, naquele tempo, não existiam os atuais bairros periféricos do Granjeiro, Parque Granjeiro, Novo Horizonte, Sossego, Lameiro, Vilalta, Nossa Senhora de Fátima (Barro Branco), Mirandão, Muriti, Vila Lobo, Vila Padre Cícero, dentre outros. No entanto, no centro de Crato, em 1960, já pontilhavam praças arborizadas e bonitas edificações. Uma cidade culta, dinâmica e civilizada!

     No hinterland cearense, Crato se destacava no setor cultural/educacional. Possuía até uma Faculdade de Filosofia, a primeira no interior do Ceará. Seus colégios, ministrando o segundo grau, atraíam alunos das cidades do Cariri e dos Estados vizinhos. E não eram poucos: Colégio Diocesano, Santa Teresa de Jesus, Estadual Wilson Gonçalves, Municipal Pedro Felício, São Pio X, São João Bosco, Madre Ana Couto, Patronato Padre Ibiapina, Escola Técnica de Comércio. Além disso, funcionavam em Crato   dois Seminários para formação do clero católico: o São José (pertencente à Diocese) e o Sagrada Família, mantido pela Congregação deste nome, mais conhecida aqui como os “padres alemães”.

    Crato era conhecido como a “Capital da Cultura do Cariri”. Só na Rua João Pessoa funcionavam três livrarias.  Havia uma quarta, na Rua Bárbara de Alencar, a Livraria “Feira do Livro”, com matriz em Fortaleza. Todo sábado, circulava o jornal “A Ação”, mantido pela Diocese de Crato. Havia outros periódicos de menor porte (“O Ideal” e “O Nacionalista” eram os mais conhecidos). Podia-se comprar (no Café Líder, na Praça Siqueira Campos) todo final da tarde, os jornais editados – no mesmo dia – no Rio de Janeiro. Eles chegavam num voo que aterrissava no Aeroporto Nossa Senhora de Fátima, localizado na Chapada do Araripe a poucos quilômetros de Crato.   Ah! ia esquecendo: O edifício mais alto do Sul do Ceará também estava em Crato: a Agência do Banco do Brasil, com cinco andares. O cratense se ufanava da sua metrópole...

Voltando a Kleber Maia Cabral   

   Acreditando que a ordem moral de uma sociedade cristã seria sempre duradoura, Kleber colocava em prática suas características de liderança. Na mentalidade cratense dos anos 60, dominada pelas novidades da moda, da mídia e da tecnologia, Kleber não escondia suas convicções católicas, monarquistas e tradicionalistas. Após sua chegada a Crato, Kleber amealharia um vasto círculo de boas amizades. E orientaria a muitas pessoas. Nas horas vagas, lecionaria no Seminário Sagrada Família e na Escola Técnica de Comércio. Para orientação aos jovens criaria o Círculo de Estudos e Debates São Domingos Sávio. Todos os domingos, pela manhã, proferia palestras para um grupo de rapazes de boas famílias de Crato. Foi nessas reuniões que o conheci. 

   Proveitosas suas explanações! Ele compartilhava conosco seus conhecimentos sobre a moral e a arte; adentrava na História, com seus amplos e múltiplos aspectos; repassava seus conhecimentos advindos de filósofos e pensadores. Anualmente, Kleber realizava um retiro espiritual – numa capela anexa a uma ampla casa do sítio Guaribas – destinado aos jovens. Contava, para tanto, com o apoio de uma tia dele, a Irmã Genoveva, freira da Congregação das Filhas da Caridade de São Vicente de Paulo, residente no Hospital São Francisco, encarregada de preparar as refeições dos jovens. O pregador desses retiros era o Mons. Pedro Rocha de Oliveira.

   No início de 1960, a exemplo do restante do país, havia um clima de discussão ideológica na sociedade cratense. Homem de direita, franco, sincero, mas leal, Kleber Maia Cabral expunha suas crenças sem ofender os opositores. Apresentava suas ideias sempre de forma respeitosa, sem alimentar discórdias.  Contudo, sofria o “patrulhamento ideológico” por parte de um grupo de colegas da instituição onde trabalhava. Havia um deles – exaltado pelos ideais marxistas – que gostava de provocá-lo. Esse cidadão costumava presentear Kleber com livros de orientação socialista. 

   E esses exemplares eram sempre oferecidos com dedicatórias de cunho revolucionário, defendendo a utópica “ditadura do proletariado”. Após o golpe militar de 31 de março de 1964, o Exército deporia o Presidente João Goulart e instauraria um governo de exceção, muitas pessoas de tendência à esquerda seriam presas pelas novas autoridades da República. Em face disso, Kleber juntou os livros, com suas dedicatórias provocativas, e devolveu-os ao colega de trabalho, dizendo apenas isso: 

– Da minha parte esqueci todas as suas provocações. E de minha pessoa não partirá nenhum revide contra você. Destrua você mesmo o que escreveu...

   Desnecessário dizer que esse seu colega escapou de ser preso.  Kleber era um homem destituído do sentimento de vingança. Incapaz de aproveitar a derrota de um oponente para humilhá-lo.

Dados biográficos

   Kleber Maia Cabral nasceu no dia 02 de outubro de 1937, na cidade de Fortaleza, filho de Arthur Walter Cabral e Isa Maia Cabral. Seu pai possuía, em casa, um verdadeiro museu com objetos valiosos do passado. Kleber cresceu nesse ambiente cultural, frequentado pelos intelectuais de Fortaleza. E soube conservar essa tendência herdada do pai.

   Chegando a Crato, conheceria a senhorita Maria Iná Feitosa, nascida em Cococi, no Sertão dos Inhamuns, sua futura esposa. O casamento ocorreria em 27 de dezembro de 1963.  Deste enlace nasceriam dois filhos: Maria Isabel Feitosa Maia e Cabral e Laurênio Dias Martins Feitosa e Cabral.

     Depois de casado, Kleber construiria uma casa, em estilo colonial, onde hoje é a Avenida Perimetral Dom Francisco de Assis Pires. Foi pioneiro na construção de boas casas naquela zona da cidade. No entanto, nas proximidades de sua casa residiam famílias pobres e necessitadas. Junto a essas, Kleber fez um trabalho social de envergadura. Quando sua mãe faleceu, coube aos herdeiros um amplo prédio, onde funcionava o Cine Samburá, no centro de Fortaleza. Vendido o imóvel, parte do dinheiro recebido por Kleber foi utilizada para ajudar essas famílias. 

   E, enquanto viveu, ele prestou também assistência espiritual a essas pessoas. Ajudaria a legalizar uniões de casais que viviam sem vínculo oficial; fazia, nessas casas humildes do bairro Pinto Madeira, a solenidade anual da Renovação ao Sagrado Coração de Jesus; preparava crianças para a primeira comunhão.

    Kleber viria a falecer, prematuramente, aos 36 anos de idade, na noite de 28 de junho de 1974. Na hora do seu trânsito para a Mansão dos Justos, as fogueiras de São Pedro começavam a ser acesas, dando a impressão de incontáveis focos de luz clareando a noite escura. O próprio Kleber seria uma dessas luzes. Ele ascenderia, assim, aos umbrais insondáveis da eternidade na busca da luz das luzes: Deus. Com Deus ele se encontra desde então. Em comunhão com o sangue de Jesus Cristo, que purifica a todos nós do pecado.

(*) Armando Lopes Rafael é historiador. Sócio do Instituto Cultural do Cariri e Membro-Correspondente da Academia de Letras e Artes Mater Salvatoris, de Salvador (BA).     

sexta-feira, 4 de novembro de 2022

Apresentando o livro “Bem Aventurada – A História de Benigna Cardoso da Silva”, de Flávio Morais – por Armando Lopes Rafael

 (palavras proferidas na noite de 03 de novembro de 2022, no Instituto Cultural do Cariri, na cidade de Crato)

    É escasso o número dos livros editados abordando a memória de Benigna, a Mártir da Castidade. Que eu saiba – com esta obra que está sendo lançada agora – este número chega a apenas três livros publicados.    Antes do início do Processo de Beatificação desta menina santa, havia apenas publicações  esparsas sobre a primeira Beata do Estado do Ceará. Faz muitos anos, por volta do início deste novo século e novo milênio, li uma crônica sobre Benigna. 

   Recordo bem, e muito bem, daquele livrinho de crônicas – com um nome poético: “Retalho de Seda" – escrito por Laudícia Holanda, professora da URCA, nascida em Santana do Cariri. Uma das crônicas, lá inseridas, tinha por título “A Menina Benigna”. E dela transcrevo os dois parágrafos abaixo:

“Muitas noites (quando eu era criança) perdi o sono pensando na história triste de Benigna. Era a história mais triste que se conhecia em Santana, naquele tempo. Depois eu conheci outras (histórias tristes). (...) Mas nenhuma igual ao barbarismo do crime que abateu o ânimo dos habitantes de Santana e dos arredores, em todo lugar onde a notícia circulou. Principalmente porque Benigna era duplamente indefesa, naquele trágico dia (da sua morte). Como poderia ela, criança que era, imaginar que alguém seria capaz de tamanha ignomínia e que ela era o objeto do sórdido desejo reprimido daquele pretendente? Até aquela época eu não sabia que a humanidade pode gerar seres tão disformes (...)

    O Padre Cristiano, logo após o acontecimento (do assassinato da menina) pediu à família dela que lhe desse o pote de Benigna, marcado para sempre naquela última viagem. Guardou-o com zelo. Quando as chuvas não se faziam prenunciar e o povo sofria a ansiedade da espera decisiva, Padre Cristiano costumava orar. Rogava à Benigna que intercedesse a Deus pelo povo da sua terra; pelos agricultores cujo destino se marca pela presença, ou não, das chuvas, e colocava aquele pote sob a biqueira. Dizia Mamãe que a chuva vinha”.

   Antes deste livro de Flávio Morais, ora lançado (e depois da abertura do Processo de Beatificação, iniciado em 2012), só foram publicados os dois livros sobre Benigna. Na verdade, foram pequenas obras divulgando textos integrantes do Processo de Beatificação dela, na fase diocesana. Agora, temos a oportunidade de ler este novo livro: objetivo, com ordenação cronológica, o qual me foi conferida a honra de apresentar nesta solenidade. Meu agradecimento, de público, ao autor por essa distinção.

    A bem dizer, esta obra de Flávio Morais – escrita em tempo recorde, a fim de ser divulgada nesta atmosfera da renovação espiritual, que pervade o Cariri e adjacências, vai ser útil na divulgação da vida da nossa santinha. Vamos à análise literária deste livro. A priori, após a leitura deste escrito, cabe-nos ressaltar que o livro consolidou o estilo literário do autor. Embora os livros de Flávio sejam ecléticos, pois abordam vários assuntos, predominam neles a temática do regionalismo, com sua beleza e a riqueza de expressões, tão bem explorados  no século passado  por Rachel de Queiroz, José Lins do Rego, Graciliano Ramos, José Américo de Almeida, dentre outros. O livro “Bem Aventurada – A História de Benigna Cardoso da Silva” tem o estilo do movimento regionalista.

   Aliás, Flávio já era reconhecido por possuir “um estilo simples, direto e elegante, que prende a atenção do leitor do início ao fim (da leitura)". Nesta nova obra, sobre Benigna, ele adentrou na mentalidade e na realidade social da população do município de Santana do Cariri, no segundo quartel do século passado. Foi um desafio, mas o autor se houve bem na empreita. Manteve a fidelidade na contextualização social e aprimorou a sua criatividade. Contribuiu muito para a maior divulgação da memória da nossa Santinha.

   Flávio definiu bem, no último capítulo deste seu livro, como enfrentou o desafio que lhe foi proposto:

“Não foi fácil para mim aceitar a incumbência de escrever esta história. (...) Caminhar nos meandros da história de Benigna teve seus muitos perigos. A importância enorme que ela ganhou após o anúncio de sua beatificação tornava ainda mais espinhosa a tarefa (...) Foi preciso escutar, registrar, interpretar, concatenar versões, costurar fatos e, o mais desafiador, preencher de forma lógica as lacunas de tempo, de espaço e de impressões”.

       Tanto nas pesquisas, como nas conversas com as pessoas de Santana do Cariri e adjacências, Flávio se credenciou para interpretar prováveis reações psicológicas vivenciadas por Benigna. Sem se dar conta, o autor repetiu um antigo desabafo feito pelo primeiro Presidente do Instituto Cultural do Cariri – o médico e intelectual Irineu Pinheiro – quando inseriu a frase abaixo num dos seus livros: 

   “É empresa difícil a análise de almas, perscrutar–lhes os recessos mais interiores e ocultos” 

    Para comprovar esta constatação, reproduzo a seguir um parágrafo, que me chamou a atenção, neste livro de Flávio. Trata-se de uma reflexão da menina Benigna ante às apreensões e dificuldades do cotidiano dela, e que consta na página 61: 

“Sempre que lhe vinha na cabeça, sem querer e de supetão, algum pensamento que achava impuro, seu coração sensível percebia de longe o peso da malícia se aproximando e ela (Benigna) apertava entre os dedos o crucifixo do (seu) tercinho. Fechava com força os olhos e implorava ajuda celeste para se manter limpa. Isso sempre dera resultado, e por tal razão acreditava sinceramente que alguma força misteriosa a protegia como um escudo daqueles cavaleiros das histórias do imperador Carlos Magno e seus doze pares de França, que escutara de Adrião numa das noites do (sítio) São Gonçalo. Bastava pensar no seu Jesus ali do lado, com a mão no seu ombro, e o coração (da menina) parecia se iluminar espantando pra longe a escuridão do pecado”.

   Admirável como Flávio Morais soube captar, nas páginas do seu livro, o sentimento que Benigna possuía sobre o valor da dignidade humana.  A nossa Menina Mártir foi oficializada agora como uma destas figuras heroicas da Igreja Católica, apesar de ter durado apenas 13 anos a sua curta existência. Existência vivida na orfandade e na pobreza. No entanto, uma vida cheia de elevados e nobres ideais; de uma grandeza de alma que, passados já 81 anos da sua morte, faz ela permanecer viva no imaginário popular da Região do Cariri. E agora está viva também na veneração de muitos fiéis católicos, espalhados pela vastidão do Nordeste brasileiro, na chamada Nação Romeira, que já santificou a pessoa do Padre Cícero, outro filho da Diocese de Crato, cujo processo de beatificação – na fase diocesana – prevê-se seja aberto ainda este ano. 

   Qual a relevância da beatificação de Benigna Cardoso da Silva, para o Ceará e, particularmente, para a Diocese de Crato?  Sabe-se que a Igreja Católica Apostólica Romana não cria o santo, apenas o reconhece. Nunca é demais recordar a célebre frase de São Josemaria Escrivá, o fundador do Opus Dei: “Verdadeiramente a crise do mundo é “crise de santos”. Ou seja, todos os desacertos morais da humanidade – e os sofrimentos daí advindos – decorre, em grande parte, do pouco número daqueles que hoje se sacrificam e oram por si e pelos outros. 

   Através das beatificações e das canonizações, a Igreja dá graças a Deus pelo dom dos seus filhos que corresponderam heroicamente à graça divina  concedida por ocasião do batismo. Ao honrar esses Beatos e Santos, a Igreja incentiva seus filhos a invocá-los como nossos intercessores junto a Deus.

    Ademais, este novo livro de Flávio, trouxe à tona, nas entrelinhas, como foi o processo de santidade da menina Benigna. Desde a mais tenra infância, sem pai e sem mãe, Benigna foi adotada por uma família da zona rural. Viveu em meio aos humildes trabalhos domésticos, bem mais estafantes naqueles tempos do segundo quartel do século XX. Vivenciou uma fé comum, simples, sem êxtases ou visões. Sem ocorrência de milagres ou fatos extraordinários. Benigna não realizou prodígios. Atravessou o anonimato do seu cotidiano, fiel a sua crença expressada num profundo, exemplar e singelo amor a Deus e na caridade para com o próximo. Rezando suas orações diárias. Enfrentando a poeira e o sol quente, no verão; e a lama, na temporada das chuvas, para ir, a pé, à cidade, a fim de assistir as missas e comungar na primeiras sextas-feiras.

      Em meio a tudo isso, sofreu um tenaz e penoso assédio sexual da parte de um rapaz que era seu colega de escola. Contudo Benigna resistiu bravamente em defesa da sua virgindade e pureza. Até que um dia, desesperado pelas recusas da menina, seu algoz a feriu mortalmente com uma arma cortante.  Ao resistir bravamente e heroicamente à investida do mal, Benigna não apenas preservou sua virgindade. Foi além. Consolidou eternamente sua amizade com Jesus. A Beata Benigna Cardoso é hoje um exemplo de santidade leiga, na qual realizou plenamente o Projeto do Deus, Uno e Trino, para a humanidade...

    Senhoras e Senhores,

   Encerrando estas breves palavras, gostaria de relembrar um fato acontecido com o escritor Victor Hugo, da Academia Francesa de Letras, a primeira academia do gênero criada no mundo. Pois bem, certo dia, Victor Hugo recebeu tocante homenagem naquela Academia, sendo chamado de “imortal” por um confrade. E a resposta de Victor Hugo foi admirável. Disse ele:

– “Glória imortal a minha? Nunca! Morrerei e, depois de alguns séculos, somente uns poucos eruditos ainda saberão que existiu um Victor Hugo. Imortal, sim, é a glória dos Santos que figuram no calendário litúrgico da Igreja Católica. Dois mil anos depois de mortos, ainda no mundo inteiro se celebram seus louvores”.

    Meu caro escritor José Flávio Bezerra Morais:  este seu livro tem o condão de preservar – pelos tempos futuros –, a glória de Benigna Cardoso da Silva, a Mártir da Castidade, a nossa Santinha, a primeira Beata do Ceará...

    Chamou a minha atenção a homilia proferida pelo Cardeal Leonardo Steiner, representante do Papa Francisco na cerimônia de Beatificação da nossa Santinha. Na sua fala, o Cardeal Steiner afirmou que a menina Benigna hoje   é invocada como defensora da dignidade de mulher; como um ícone contra o abuso sexual de crianças e adolescentes; como um símbolo contra o feminicídio; contra a violência   praticada com as mulheres; além de se constituir num ícone dos direitos fundamentais das mulheres e nas relações domésticas e familiares. Não é pouca coisa!

     Os tempos futuros difundirão cada vez mais a memória de Benigna. E, nesses tempos vindouros, o livro de Flávio Morais será lido, comentado e pesquisado pelas futuras gerações que nos sucederão. Pois como disse Victor Hugo: “Os santos são verdadeiramente eternos”.


segunda-feira, 31 de outubro de 2022

A imagem de Nossa Senhora da Penha que se venera no altar-mor da catedral de Crato -- por Armando Lopes Rafael

   Desde os primórdios da Igreja Católica, imagens da Santíssima Virgem Maria, esculpidas ou pintadas, são veneradas pelos fiéis. Essas imagens exprimem um modelo perfeito de confiança em Deus. Afinal, Nossa Senhora nos foi dada pelo próprio Deus, como uma Mãe misericordiosa e intercessora dos nossos pedidos junto ao Criador. Ininterruptamente, Maria roga por nós e nos socorre nas nossas necessidades.

   A exemplo de milhares de outras comunidades cristãs, espalhadas pelo mundo, as quais têm a Virgem Maria como padroeira, Crato também surgiu – por volta de 1740 – aureolado como fruto da devoção à Mãe do Cristo Jesus.  Um frade capuchinho, Frei Carlos Maria de Ferrara, construiu uma capelinha de taipa, coberta de palhas, e dedicou-a à Nossa Senhora da Penha. De lá para cá, e lá se vão 282 anos, três imagens da Santíssima Virgem foram veneradas como Padroeira desta cidade. Todas as três encontram-se em excelente estado de conservação. 

   A atual imagem, a que está no altar central da nossa Catedral – chamada pelo povo de Imperatriz e Padroeira de Crato e da Diocese –. foi adquirida pelo primeiro bispo de Crato, Dom Quintino Rodrigues de Oliveira e Silva.  Aqui, foi recepcionada, pela população da cidade, em 1921. Mons. Rubens Gondim Lóssio escreveu que ela “foi adquirida na Europa”. Entretanto, está gravado na base da estátua: “Luneta de Ouro, Rio, 1920”, comprovando que a imagem foi adquirida através da famosa loja de esculturas religiosas localizada, à época, na Rua do Ouvidor, no Rio de Janeiro.

    Sobre essa imagem, esculpida em madeira e medindo cerca de 1,80m., escreveu Monsenhor Rubens:

 “De tamanho bem maior que o natural, em atitude de quem aparece para defender o pastorzinho Simão, prosternado ao lado direito, enquanto o temível crocodilo se arrasta à esquerda, o vulto impressionante tem uma beleza encantadora. Trazida com dificuldades até esta Cidade Episcopal, teve a Imagem festiva recepção, em 1921, quando o povo acorreu ao seu encontro, na estrada do Buriti, onde se congregaram cerca de 32 zabumbas. Todavia, continuou ela guardada, até que, preparada a mentalidade do povo e feita a reforma da Capela-Mor (da catedral) por Dom Francisco de Assis Pires (segundo Bispo de Crato), colocaram-na no altivo e gracioso nicho de onde preside às funções do Culto e aos destinos do Crato. No dia 1º de setembro de 1938, foi-lhe dada a bênção do Ritual e, a partir de então, não tem ela cessado de conceder a todos as maiores graças e as melhores bênçãos”. 

   Em 2006, devido aos trabalhos de conservação efetuados no interior da Catedral a imagem de Nossa Senhora da Penha foi retirada – pela primeira vez – do alto do nicho, no qual estava desde 1938. Esse acontecimento levou muita gente à Catedral, na manhã de uma segunda-feira, 03 de julho daquele ano. Entretanto, após a descida da imagem, uma surpresa: constatou-se a existência de várias rachaduras na escultura. Coube a restauradora italiana Maria Gabriella Federico fazer os trabalhos do restauro. 

    Depois de restaurada, a imagem de Nossa Senhora da Penha voltou ao seu nicho. E lá permanece, onde escuta, todos os dias, as súplicas filiais dos seus devotos, que veem nela uma fonte inesgotável de confiança. Afinal, Ela é a Mãe de Deus e também é a nossa Mãe.