domingo, 20 de novembro de 2022

Crato: uma cidade marcada pelo pioneirismo – pesquisa e texto de Armando Lopes Rafael (*)


História

   Por volta de 1741 surgem os primeiros registros do aldeamento de populações indígenas, pertencentes ao grupo silvícola Cariri, no local onde hoje se ergue a cidade de Crato. Era a Missão do Miranda, fundada por Frei Carlos Maria de Ferrara, religioso franciscano capuchinho, nascido na Itália. Este frade ergueu, no centro da Missão, uma humilde capelinha de taipa (paredes feitas de barro) coberta com folhas de palmeiras, árvores abundantes, naquela época, na região. 

   O santuário foi dedicado, de maneira especial, a Nossa Senhora da Penha, a São Fidelis de Sigmaringa e à Santíssima Trindade. Em volta da capelinha, foram erguidas as palhoças dos índios. Estes, além de cuidarem das plantações rudimentares, recebiam os incipientes ensinamentos da fé católica, ministrados por Frei Carlos. Aos poucos, no entorno da Missão do Miranda, pessoas brancas foram construindo suas casas. Era o início da atual cidade do Crato, cujo fundador é oficialmente reconhecido como sendo. Frei Carlos Maria de Ferrara.

   Em 21 de junho de 1764, a Missão do Miranda foi elevada à categoria de Vila, tendo seu nome mudado para Vila Real do Crato, em homenagem à vila homônima, existente na região do Alentejo, em Portugal. A partir daí, a Vila Real do Crato foi trilhando a senda do processo civilizatório, sempre inspirada no que vinha de bom do Reino, ou seja, do que chegava da metrópole portuguesa. A marca do pioneirismo passaria a caracterizar a existência do Crato, como veremos nas linhas seguintes.

Anseios libertários

   No primeiro quartel do século XIX, a Vila Real do Crato já se sobressaía entre as congêneres interioranas do Nordeste brasileiro. Residiam na vila, ou nas suas redondezas, famílias abastadas, possuidoras de patrimônio amealhado quase sempre, à custa das fainas agrícolas. Alguns jovens dessas famílias tinham o privilégio de aperfeiçoar seus conhecimentos em escolas da longínqua capital da Província de Pernambuco. 

    Para lá eles se deslocavam, em longas e penosas viagens, que duravam semanas. Viagens sempre feitas em lombo de animais. Alguns desses estudantes retornavam ao torrão natal impregnados de ideias libertárias, assimiladas nas sociedades secretas, existentes em Olinda e Recife. Alguns desses jovens sonhavam com um Brasil independente da metrópole portuguesa. Poucos iam mais longe. Acalentavam o sonho de mudar a forma de governo monárquica – vigente desde o descobrimento do Brasil – substituindo-a, pela forma republicana, esta em experiência nos Estados Unidos da América e França.

   Tais sonhos libertários resultaram no primeiro confronto ideológico ocorrido no Cariri cearense. Os liberais, liderados pelo subdiácono José Martiniano de Alencar – aluno do Seminário de Olinda e adepto dos princípios republicanos da Revolução Francesa de 1789 – foi enviado pelos líderes da Revolução Pernambucana de 1817, para deflagrar o processo revolucionário no conservador Vale do Cariri. 

   Num gesto, corajoso para a época, o seminarista José Martiniano de Alencar “proclamou”, dia 3 de maio de 1817, do púlpito da Matriz do Crato a independência do Brasil, sob a forma republicana. A contrarrevolução veio rápida. Oito dias depois, Leandro Bezerra Monteiro, o mais importante proprietário rural do Cariri, dotado de profundas e arraigadas convicções católicas e monarquistas, encerrou a república do seminarista José Martiniano de Alencar. Este e alguns familiares foram presos e enviados para as masmorras de Fortaleza. De lá foram transferidos, posteriormente, para cadeias de Salvador, na Bahia. 

   Entre os prisioneiros estavam Tristão Gonçalves de Alencar Araripe e Dona Bárbara de Alencar, irmão e mãe de José Martiniano. Após sofrerem as agruras das prisões, por cerca de quatro anos, os revolucionários cratenses foram anistiados pela autoridade real. Por sua lealdade à Monarquia, Leandro Bezerra Monteiro, foi agraciado, pelo Imperador Dom Pedro I, com o posto de Brigadeiro, o primeiro a ser concedido no Brasil.

Um herói chamado Tristão

   Em 1824, eclodiu nova revolução republicana em Pernambuco denominada “Confederação do Equador”. Este movimento uniu algumas lideranças das províncias de Pernambuco, Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte, descontentes com a Constituição outorgada pelo primeiro imperador brasileiro, Dom Pedro I. O movimento repercutiu em Crato. Tristão Gonçalves de Alencar Araripe aderiu, com todo entusiasmo e idealismo, à Confederação do Equador. Em 26 de agosto daquele ano, foi ele aclamado pelos rebeldes republicanos como Presidente do Ceará. 

   Entretanto, a reação do Governo Imperial foi implacável. As instruções para debelar o movimento eram assim sintetizadas: “(...) não admitir concessão ou capitulação, pois a rebeldes não se deve dar quartel”. Debelado o movimento restou a Tristão Araripe duas alternativas: exilar-se no exterior ou morrer lutando. Escolheu a última opção.

    Nas suas pelejas, Tristão fez vários inimigos. Dentre eles um rancoroso proprietário rural, José Leão da Cunha Pereira. Este utilizou um seu capanga, Venceslau Alves de Almeida, para pôr fim à vida do herói da Confederação do Equador no Ceará. Tristão Araripe foi assassinado, combatendo o grupo armado de José Leão, em 31 de outubro de 1825, na localidade Santa Rosa, hoje inundada pelas águas do Açude Castanhão. Morreu como queria: pelejando.

O mártir da monarquia

    O Cariri continuou, durante algum tempo, dividido entre simpatizantes da ideologia republicana e os adeptos da Monarquia. O confronto dessas ideias foi motivo de contendas as mais variadas. Joaquim Pinto Madeira era o que poderíamos chamar de “caudilho”. Rico proprietário rural e chefe político da Vila de Jardim, era por índole um afeiçoado às coisas da Monarquia. Consta que participava da sociedade secreta “Trono do Altar”, que defendia a monarquia absoluta. Lutou ele, ativamente, contra os promotores dos movimentos libertário-republicanos da Revolução Pernambucana de 1817 e da Confederação do Equador de 1824. Após a derrota da família Alencar, em 1817, coube a Pinto Madeira, à época ocupando o posto de Capitão de Ordenança, conduzir até a cidade de Icó os 20 malogrados presos políticos. Durante o percurso esse percurso, os prisioneiros teriam sofrido humilhações por parte do caudilho. O que era esperado, face ao temperamento belicoso de Pinto Madeira.

     Em 1831 o imperador Dom Pedro I abdicou do trono brasileiro e foi para a Europa, onde recebeu o título Dom Pedro IV, Rei de Portugal. Os adversários de Pinto Madeira aproveitaram esse acontecimento para dele se vingar. Acuado, o caudilho, com a ajuda do vigário de Jardim, Padre Antônio Manuel de Sousa, armou cerca de dois mil homens, a maioria com rudimentares espingardas, e invadiu o Crato, em 1832, para dar caça aos seus inimigos liberais. 

   Dizem que de tanto abençoar as espingardas dos jagunços e, na falta destas dar bênçãos a cacetes (pequenos bastões de madeira) o Padre Antônio Manuel de Sousa ficou conhecido como "Padre Benze-Cacetes". Pinto Madeira e o Vigário Manuel foram vitoriosos no Crato e cidades da redondeza, mas logo começaram a sofrer reveses.

   Terminaram por se render ao General francês Pedro Labatut, que atuava no Brasil, desde as lutas pela independência. Presos, Pinto Madeira e o Pe. Antônio Manuel foram enviados para Recife e depois para o Maranhão. Pinto Madeira retornou, como preso, ao Crato, em 1834, onde, num júri parcial – composto por antigos inimigos dele – foi condenado à forca, sentença posteriormente comutada para fuzilamento, em face do réu ter alegado sua patente militar de Coronel.

   Conforme o historiador Irineu Pinheiro, na publicação “Joaquim Pinto Madeira” Imprensa Oficial do Ceará, Fortaleza, 1946, página 21:
“Morreu virilmente Pinto Madeira. Conta a tradição, ouvida por mim desde menino, que momentos antes do fuzilamento, ofereceu-lhe um lenço, para que vedasse os olhos, um dos seus mais implacáveis inimigos. Recusou o condenado a oferta (...) Durante anos a fio, fez-lhe promessas o rude povo do sertão, considerando-o um mártir, isto é um santo”.

Um sonho não concretizado: Crato capital do Cariri

   Já em 1828, a Câmara de Vereadores do Crato encaminhava representação ao Governo mostrando a oportunidade de criação da Província do Cariri Novo. Não foi atendida nessa pretensão. A ideia voltou à tona, em 14 de agosto de 1839, quando o senador José Martiniano de Alencar, do Partido Liberal, apresentava no Senado do Império do Brasil projeto de lei cujo artigo 1º dizia textualmente: “Fica criada uma nova província que se denominará Província do Cariri Novo, cuja capital será a Vila do Crato”.

    Os demais artigos desse projeto de lei tratavam sobre os limites geográficos da nova unidade do Império do Brasil que incluíam municípios do sul do Ceará e os limítrofes das Províncias da Paraíba, Pernambuco e Piauí. Com a ascensão do Partido Conservador ao poder, o projeto de lei não prosperou. Anos depois, através do jornal “Diário do Rio de Janeiro”, voltava o senador Martiniano de Alencar a defender sua ideia de criação da Província do Cariri. Tudo ficou só num sonho.

O pioneirismo do Crato

    As brigas fratricidas ficam para trás. Em 1855, a 7 de julho, é fundado no Crato o primeiro jornal do interior do Ceará. Trata-se do semanário “O Araripe”, cujo proprietário é o jornalista João Brígido dos Santos, ligado ao Partido Liberal. No último quartel do século XIX, a população do Crato já não se ocupava tanto das brigas políticas. A sociedade cratense volta suas vistas para conquistas no campo da educação que perduram até os dias atuais. Em 1874, o primeiro bispo do Ceará, Dom Luiz Antônio dos Santos, atendendo à sugestão de um filho de Crato, Padre Cícero Romão Batista, fixa residência temporária nesta cidade, com o objetivo de construir um Seminário, a funcionar como um suplementar do Seminário Episcopal, existente na sede da diocese, Fortaleza, distante cerca de 600 Km do Cariri. Em 1º de março de 1875, ainda de forma precária, o Seminário São José do Crato é colocado em funcionamento.

   Em 8 de dezembro de 1908, o vigário Pe. Quintino Rodrigues de Oliveira e Silva, convoca as autoridades e lideranças da cidade, com o objetivo de solicitar ao Bispo do Ceará encaminhar a Santa Sé o pedido de criação da diocese do Crato. É formada uma comissão com as lideranças e os notáveis da terra para os trabalhos preparatórios da nova diocese.

    Em 20 de outubro de 1914, o Papa Bento XV, através da Bula “Catholicae Ecclesiae”, cria a diocese do Crato, a primeira do interior do Ceará. Em 10 de março de 1915, o vigário Quintino é preconizado primeiro bispo da nova igreja particular. A partir de então, diversas iniciativas da Diocese do Crato são responsáveis pelo surto de progresso sentido na cidade. Uma delas a criação, em 1921, da primeira instituição de crédito do Sul do Ceará, o Banco do Cariri, que presta grandes benefícios ao comércio e à lavoura da região.

    Em 1922, Dom Quintino torna-se o pioneiro do ensino superior, no interior do Ceará, porquanto dota o Seminário São José de Curso Teológico. Este, subdividido em Curso de Filosofia, feito em dois anos, e Curso de Teologia, em quatro anos, proporciona ao novo presbítero receber no Crato a licenciatura plena. Dom Quintino planta, assim, a semente germinativa da Faculdade de Filosofia do Crato (criada em 1959) que foi, por sua vez, o embrião da atual Universidade Regional do Cariri (URCA), criada em 1986. Esta universidade leva a instrução superior in loco à vasta área do Estado do Ceará. E recebe no Crato alunos residentes nos Estados do Piauí, Paraíba e Pernambuco. Hoje, o Crato é um dos mais importantes polos do ensino universitário, no Nordeste brasileiro.

    Encerremos com outro registro. Em 1946, há quase sessenta anos, quando não se fala em ecologia ou biodiversidade, o Crato é palco de nova ação pioneira. Através do Decreto n° 9.226 de 02 de maio de 1946, o Governo Federal cria a primeira reserva florestal do Brasil. Trata-se da Floresta Nacional do Araripe, que tem boa parte da sua reserva encravada no Município do Crato. Constituída por mata primária, clima ameno, além de possuir boa variedade de fauna e flora nativas, fontes naturais, pequenas grutas e fósseis, a Floresta Nacional do Araripe vem permitindo a pesquisa científica, recreação e lazer, educação ambiental, manejo florestal sustentável e turismo. E o Crato pioneiro. Sempre à frente dos acontecimentos futuros.

Texto e pesquisa de Armando Lopes Rafael


domingo, 13 de novembro de 2022

2022 – Bicentenário da Independência e 133 anos da República – por Armando Lopes Rafael (*)

 

    Esta terça-feira, 15 de novembro, assinalará uma efeméride histórica. Há 133 anos um Golpe de Estado subverteu a ordem constitucional então vigente no Império do Brasil. Sob a forma de governo monárquica, o Brasil vinha vivendo, desde nosso descobrimento, pelos portugueses, em 22 de abril de 1500, até a data de 15 de novembro de 1889.

    Durante 322 anos os brasileiros viveram sob a monarquia portuguesa. A partir de 7 de setembro de 1822, depois da gesta do Imperador Dom Pedro I – feita com a aclamação e apoio do povo brasileiro – declarando nossa independência de Portugal, nossa nação passou a ser a única monarquia constitucional – oficializada e mantida – na vastidão do continente americano. O Império do Brasil durou 67 anos. Portanto, sob a égide de Portugal ou como nação independente, o Brasil viveu durante 389 anos como monarquia. Nos últimos 133 anos, vem vivendo como uma república.

    Em 25 de março de 1824 foi outorgada a primeira Constituição do Brasil independente. Esta Carta Magna foi rasgada pela minoria republicana, em 15 de novembro de 1889. Um gesto feito sem apoio e sem participação do povo. Depois do golpe passamos a ser os “Estados Unidos do Brazil” (grafia da época). Este nome vigorou até 1967, quando numa das 06 (seis) Constituições que a República já teve, a denominação oficial foi  mudada para “República Federativa do Brasil”.

    Nessa condição, a administração pública federal vem se arrastando... em meio às mais diversas dificuldades. Nos últimos 133 anos, algumas vezes – forçoso é reconhecer – houve avanços nesta república. Como também ocorreram muitos retrocessos.

    Neste aniversário da “Proclamação” da República,  somos um povo dividido ideologicamente e politicamente. O que não causa admiração, pois a cada eleição para Presidente da República a nação fica mais dividida. Tivéssemos continuado como monarquia nada disso aconteceria. Existe um ditado popular que diz: Rei morto, rei posto! Ou seja, quando há a necessidade imediata de substituir um rei por outro (por morte ou renúncia), o cargo é imediatamente preenchido.  E a nação continua seu ritmo normal. Sem crises. Com a população unida em torno do novo monarca.  Com os olhos voltados unicamente para o futuro. Bendita monarquia!


sábado, 12 de novembro de 2022

Kleber Maia Cabral e as marcas por ele deixadas em Crato - por Armando Lopes Rafael

  Hoje,12 de novembro de 2022, está sendo lançada -- às 9:00h na Praça Siqueira Campos, em Crato -- a edição nº 51, da revista "Itaytera", do Instituto Cultural do Cariri. Neste número publiquei o artigo abaixo. 

Kleber Maia Cabral e as marcas por ele deixadas em Crato - por Armando Lopes Rafael

                                                 “Autêntico na vida porque coerente com a  religião,                                                       sincero nas amizades e exemplar na família.”
(Frase escrita, pelo Prof. José do Vale Feitosa, para
                                         a lembrancinha da missa do 7º Dia de falecimento
de Kleber Maia Cabral)

     Em 1959, chegava a Crato, proveniente de Fortaleza, um jovem atípico. Vinha assumir o seu emprego como funcionário concursado do Banco do Brasil. Seu nome: Kleber Maia Cabral. Dotado de bom aspecto, feições europeias, nariz adunco, Kleber vestia-se com dignidade. Um homem culto, educado e viril, que deixaria marcas de sua passagem na sociedade e instituições sociais de Crato, onde viveria cerca de 15 anos. Estávamos no início da década 60 do século XX (cronologicamente iniciada em 1959 e concluída em 1969). Anos inovadores, de grandes transformações nos campos da moda e do comportamento humano. Anos de contestação da juventude, no tocante às questões sociais e políticas. Anos de acentuado desprezo pelas tradições seculares... Em Crato não foi diferente. Kleber Maia Cabral, no entanto, teria a sabedoria e o equilíbrio de atravessar aqueles anos difíceis e confusos, utilizando uma máxima: “Nem tudo que é antigo é ruim, nem tudo que é novo é bom” ...  

Crato no início dos anos sessenta

      Considerada a “Cidade-Polo” do Cariri, Crato, segundo o recenseamento de 1960, contava com uma população de 32.054 habitantes. Um aumento populacional de cerca de 30% em relação ao Censo de 1950. Por isso a fisionomia urbana desta cidade se apresentava também ampliada. Verdade que, naquele tempo, não existiam os atuais bairros periféricos do Granjeiro, Parque Granjeiro, Novo Horizonte, Sossego, Lameiro, Vilalta, Nossa Senhora de Fátima (Barro Branco), Mirandão, Muriti, Vila Lobo, Vila Padre Cícero, dentre outros. No entanto, no centro de Crato, em 1960, já pontilhavam praças arborizadas e bonitas edificações. Uma cidade culta, dinâmica e civilizada!

     No hinterland cearense, Crato se destacava no setor cultural/educacional. Possuía até uma Faculdade de Filosofia, a primeira no interior do Ceará. Seus colégios, ministrando o segundo grau, atraíam alunos das cidades do Cariri e dos Estados vizinhos. E não eram poucos: Colégio Diocesano, Santa Teresa de Jesus, Estadual Wilson Gonçalves, Municipal Pedro Felício, São Pio X, São João Bosco, Madre Ana Couto, Patronato Padre Ibiapina, Escola Técnica de Comércio. Além disso, funcionavam em Crato   dois Seminários para formação do clero católico: o São José (pertencente à Diocese) e o Sagrada Família, mantido pela Congregação deste nome, mais conhecida aqui como os “padres alemães”.

    Crato era conhecido como a “Capital da Cultura do Cariri”. Só na Rua João Pessoa funcionavam três livrarias.  Havia uma quarta, na Rua Bárbara de Alencar, a Livraria “Feira do Livro”, com matriz em Fortaleza. Todo sábado, circulava o jornal “A Ação”, mantido pela Diocese de Crato. Havia outros periódicos de menor porte (“O Ideal” e “O Nacionalista” eram os mais conhecidos). Podia-se comprar (no Café Líder, na Praça Siqueira Campos) todo final da tarde, os jornais editados – no mesmo dia – no Rio de Janeiro. Eles chegavam num voo que aterrissava no Aeroporto Nossa Senhora de Fátima, localizado na Chapada do Araripe a poucos quilômetros de Crato.   Ah! ia esquecendo: O edifício mais alto do Sul do Ceará também estava em Crato: a Agência do Banco do Brasil, com cinco andares. O cratense se ufanava da sua metrópole...

Voltando a Kleber Maia Cabral   

   Acreditando que a ordem moral de uma sociedade cristã seria sempre duradoura, Kleber colocava em prática suas características de liderança. Na mentalidade cratense dos anos 60, dominada pelas novidades da moda, da mídia e da tecnologia, Kleber não escondia suas convicções católicas, monarquistas e tradicionalistas. Após sua chegada a Crato, Kleber amealharia um vasto círculo de boas amizades. E orientaria a muitas pessoas. Nas horas vagas, lecionaria no Seminário Sagrada Família e na Escola Técnica de Comércio. Para orientação aos jovens criaria o Círculo de Estudos e Debates São Domingos Sávio. Todos os domingos, pela manhã, proferia palestras para um grupo de rapazes de boas famílias de Crato. Foi nessas reuniões que o conheci. 

   Proveitosas suas explanações! Ele compartilhava conosco seus conhecimentos sobre a moral e a arte; adentrava na História, com seus amplos e múltiplos aspectos; repassava seus conhecimentos advindos de filósofos e pensadores. Anualmente, Kleber realizava um retiro espiritual – numa capela anexa a uma ampla casa do sítio Guaribas – destinado aos jovens. Contava, para tanto, com o apoio de uma tia dele, a Irmã Genoveva, freira da Congregação das Filhas da Caridade de São Vicente de Paulo, residente no Hospital São Francisco, encarregada de preparar as refeições dos jovens. O pregador desses retiros era o Mons. Pedro Rocha de Oliveira.

   No início de 1960, a exemplo do restante do país, havia um clima de discussão ideológica na sociedade cratense. Homem de direita, franco, sincero, mas leal, Kleber Maia Cabral expunha suas crenças sem ofender os opositores. Apresentava suas ideias sempre de forma respeitosa, sem alimentar discórdias.  Contudo, sofria o “patrulhamento ideológico” por parte de um grupo de colegas da instituição onde trabalhava. Havia um deles – exaltado pelos ideais marxistas – que gostava de provocá-lo. Esse cidadão costumava presentear Kleber com livros de orientação socialista. 

   E esses exemplares eram sempre oferecidos com dedicatórias de cunho revolucionário, defendendo a utópica “ditadura do proletariado”. Após o golpe militar de 31 de março de 1964, o Exército deporia o Presidente João Goulart e instauraria um governo de exceção, muitas pessoas de tendência à esquerda seriam presas pelas novas autoridades da República. Em face disso, Kleber juntou os livros, com suas dedicatórias provocativas, e devolveu-os ao colega de trabalho, dizendo apenas isso: 

– Da minha parte esqueci todas as suas provocações. E de minha pessoa não partirá nenhum revide contra você. Destrua você mesmo o que escreveu...

   Desnecessário dizer que esse seu colega escapou de ser preso.  Kleber era um homem destituído do sentimento de vingança. Incapaz de aproveitar a derrota de um oponente para humilhá-lo.

Dados biográficos

   Kleber Maia Cabral nasceu no dia 02 de outubro de 1937, na cidade de Fortaleza, filho de Arthur Walter Cabral e Isa Maia Cabral. Seu pai possuía, em casa, um verdadeiro museu com objetos valiosos do passado. Kleber cresceu nesse ambiente cultural, frequentado pelos intelectuais de Fortaleza. E soube conservar essa tendência herdada do pai.

   Chegando a Crato, conheceria a senhorita Maria Iná Feitosa, nascida em Cococi, no Sertão dos Inhamuns, sua futura esposa. O casamento ocorreria em 27 de dezembro de 1963.  Deste enlace nasceriam dois filhos: Maria Isabel Feitosa Maia e Cabral e Laurênio Dias Martins Feitosa e Cabral.

     Depois de casado, Kleber construiria uma casa, em estilo colonial, onde hoje é a Avenida Perimetral Dom Francisco de Assis Pires. Foi pioneiro na construção de boas casas naquela zona da cidade. No entanto, nas proximidades de sua casa residiam famílias pobres e necessitadas. Junto a essas, Kleber fez um trabalho social de envergadura. Quando sua mãe faleceu, coube aos herdeiros um amplo prédio, onde funcionava o Cine Samburá, no centro de Fortaleza. Vendido o imóvel, parte do dinheiro recebido por Kleber foi utilizada para ajudar essas famílias. 

   E, enquanto viveu, ele prestou também assistência espiritual a essas pessoas. Ajudaria a legalizar uniões de casais que viviam sem vínculo oficial; fazia, nessas casas humildes do bairro Pinto Madeira, a solenidade anual da Renovação ao Sagrado Coração de Jesus; preparava crianças para a primeira comunhão.

    Kleber viria a falecer, prematuramente, aos 36 anos de idade, na noite de 28 de junho de 1974. Na hora do seu trânsito para a Mansão dos Justos, as fogueiras de São Pedro começavam a ser acesas, dando a impressão de incontáveis focos de luz clareando a noite escura. O próprio Kleber seria uma dessas luzes. Ele ascenderia, assim, aos umbrais insondáveis da eternidade na busca da luz das luzes: Deus. Com Deus ele se encontra desde então. Em comunhão com o sangue de Jesus Cristo, que purifica a todos nós do pecado.

(*) Armando Lopes Rafael é historiador. Sócio do Instituto Cultural do Cariri e Membro-Correspondente da Academia de Letras e Artes Mater Salvatoris, de Salvador (BA).     

sexta-feira, 4 de novembro de 2022

Apresentando o livro “Bem Aventurada – A História de Benigna Cardoso da Silva”, de Flávio Morais – por Armando Lopes Rafael

 (palavras proferidas na noite de 03 de novembro de 2022, no Instituto Cultural do Cariri, na cidade de Crato)

    É escasso o número dos livros editados abordando a memória de Benigna, a Mártir da Castidade. Que eu saiba – com esta obra que está sendo lançada agora – este número chega a apenas três livros publicados.    Antes do início do Processo de Beatificação desta menina santa, havia apenas publicações  esparsas sobre a primeira Beata do Estado do Ceará. Faz muitos anos, por volta do início deste novo século e novo milênio, li uma crônica sobre Benigna. 

   Recordo bem, e muito bem, daquele livrinho de crônicas – com um nome poético: “Retalho de Seda" – escrito por Laudícia Holanda, professora da URCA, nascida em Santana do Cariri. Uma das crônicas, lá inseridas, tinha por título “A Menina Benigna”. E dela transcrevo os dois parágrafos abaixo:

“Muitas noites (quando eu era criança) perdi o sono pensando na história triste de Benigna. Era a história mais triste que se conhecia em Santana, naquele tempo. Depois eu conheci outras (histórias tristes). (...) Mas nenhuma igual ao barbarismo do crime que abateu o ânimo dos habitantes de Santana e dos arredores, em todo lugar onde a notícia circulou. Principalmente porque Benigna era duplamente indefesa, naquele trágico dia (da sua morte). Como poderia ela, criança que era, imaginar que alguém seria capaz de tamanha ignomínia e que ela era o objeto do sórdido desejo reprimido daquele pretendente? Até aquela época eu não sabia que a humanidade pode gerar seres tão disformes (...)

    O Padre Cristiano, logo após o acontecimento (do assassinato da menina) pediu à família dela que lhe desse o pote de Benigna, marcado para sempre naquela última viagem. Guardou-o com zelo. Quando as chuvas não se faziam prenunciar e o povo sofria a ansiedade da espera decisiva, Padre Cristiano costumava orar. Rogava à Benigna que intercedesse a Deus pelo povo da sua terra; pelos agricultores cujo destino se marca pela presença, ou não, das chuvas, e colocava aquele pote sob a biqueira. Dizia Mamãe que a chuva vinha”.

   Antes deste livro de Flávio Morais, ora lançado (e depois da abertura do Processo de Beatificação, iniciado em 2012), só foram publicados os dois livros sobre Benigna. Na verdade, foram pequenas obras divulgando textos integrantes do Processo de Beatificação dela, na fase diocesana. Agora, temos a oportunidade de ler este novo livro: objetivo, com ordenação cronológica, o qual me foi conferida a honra de apresentar nesta solenidade. Meu agradecimento, de público, ao autor por essa distinção.

    A bem dizer, esta obra de Flávio Morais – escrita em tempo recorde, a fim de ser divulgada nesta atmosfera da renovação espiritual, que pervade o Cariri e adjacências, vai ser útil na divulgação da vida da nossa santinha. Vamos à análise literária deste livro. A priori, após a leitura deste escrito, cabe-nos ressaltar que o livro consolidou o estilo literário do autor. Embora os livros de Flávio sejam ecléticos, pois abordam vários assuntos, predominam neles a temática do regionalismo, com sua beleza e a riqueza de expressões, tão bem explorados  no século passado  por Rachel de Queiroz, José Lins do Rego, Graciliano Ramos, José Américo de Almeida, dentre outros. O livro “Bem Aventurada – A História de Benigna Cardoso da Silva” tem o estilo do movimento regionalista.

   Aliás, Flávio já era reconhecido por possuir “um estilo simples, direto e elegante, que prende a atenção do leitor do início ao fim (da leitura)". Nesta nova obra, sobre Benigna, ele adentrou na mentalidade e na realidade social da população do município de Santana do Cariri, no segundo quartel do século passado. Foi um desafio, mas o autor se houve bem na empreita. Manteve a fidelidade na contextualização social e aprimorou a sua criatividade. Contribuiu muito para a maior divulgação da memória da nossa Santinha.

   Flávio definiu bem, no último capítulo deste seu livro, como enfrentou o desafio que lhe foi proposto:

“Não foi fácil para mim aceitar a incumbência de escrever esta história. (...) Caminhar nos meandros da história de Benigna teve seus muitos perigos. A importância enorme que ela ganhou após o anúncio de sua beatificação tornava ainda mais espinhosa a tarefa (...) Foi preciso escutar, registrar, interpretar, concatenar versões, costurar fatos e, o mais desafiador, preencher de forma lógica as lacunas de tempo, de espaço e de impressões”.

       Tanto nas pesquisas, como nas conversas com as pessoas de Santana do Cariri e adjacências, Flávio se credenciou para interpretar prováveis reações psicológicas vivenciadas por Benigna. Sem se dar conta, o autor repetiu um antigo desabafo feito pelo primeiro Presidente do Instituto Cultural do Cariri – o médico e intelectual Irineu Pinheiro – quando inseriu a frase abaixo num dos seus livros: 

   “É empresa difícil a análise de almas, perscrutar–lhes os recessos mais interiores e ocultos” 

    Para comprovar esta constatação, reproduzo a seguir um parágrafo, que me chamou a atenção, neste livro de Flávio. Trata-se de uma reflexão da menina Benigna ante às apreensões e dificuldades do cotidiano dela, e que consta na página 61: 

“Sempre que lhe vinha na cabeça, sem querer e de supetão, algum pensamento que achava impuro, seu coração sensível percebia de longe o peso da malícia se aproximando e ela (Benigna) apertava entre os dedos o crucifixo do (seu) tercinho. Fechava com força os olhos e implorava ajuda celeste para se manter limpa. Isso sempre dera resultado, e por tal razão acreditava sinceramente que alguma força misteriosa a protegia como um escudo daqueles cavaleiros das histórias do imperador Carlos Magno e seus doze pares de França, que escutara de Adrião numa das noites do (sítio) São Gonçalo. Bastava pensar no seu Jesus ali do lado, com a mão no seu ombro, e o coração (da menina) parecia se iluminar espantando pra longe a escuridão do pecado”.

   Admirável como Flávio Morais soube captar, nas páginas do seu livro, o sentimento que Benigna possuía sobre o valor da dignidade humana.  A nossa Menina Mártir foi oficializada agora como uma destas figuras heroicas da Igreja Católica, apesar de ter durado apenas 13 anos a sua curta existência. Existência vivida na orfandade e na pobreza. No entanto, uma vida cheia de elevados e nobres ideais; de uma grandeza de alma que, passados já 81 anos da sua morte, faz ela permanecer viva no imaginário popular da Região do Cariri. E agora está viva também na veneração de muitos fiéis católicos, espalhados pela vastidão do Nordeste brasileiro, na chamada Nação Romeira, que já santificou a pessoa do Padre Cícero, outro filho da Diocese de Crato, cujo processo de beatificação – na fase diocesana – prevê-se seja aberto ainda este ano. 

   Qual a relevância da beatificação de Benigna Cardoso da Silva, para o Ceará e, particularmente, para a Diocese de Crato?  Sabe-se que a Igreja Católica Apostólica Romana não cria o santo, apenas o reconhece. Nunca é demais recordar a célebre frase de São Josemaria Escrivá, o fundador do Opus Dei: “Verdadeiramente a crise do mundo é “crise de santos”. Ou seja, todos os desacertos morais da humanidade – e os sofrimentos daí advindos – decorre, em grande parte, do pouco número daqueles que hoje se sacrificam e oram por si e pelos outros. 

   Através das beatificações e das canonizações, a Igreja dá graças a Deus pelo dom dos seus filhos que corresponderam heroicamente à graça divina  concedida por ocasião do batismo. Ao honrar esses Beatos e Santos, a Igreja incentiva seus filhos a invocá-los como nossos intercessores junto a Deus.

    Ademais, este novo livro de Flávio, trouxe à tona, nas entrelinhas, como foi o processo de santidade da menina Benigna. Desde a mais tenra infância, sem pai e sem mãe, Benigna foi adotada por uma família da zona rural. Viveu em meio aos humildes trabalhos domésticos, bem mais estafantes naqueles tempos do segundo quartel do século XX. Vivenciou uma fé comum, simples, sem êxtases ou visões. Sem ocorrência de milagres ou fatos extraordinários. Benigna não realizou prodígios. Atravessou o anonimato do seu cotidiano, fiel a sua crença expressada num profundo, exemplar e singelo amor a Deus e na caridade para com o próximo. Rezando suas orações diárias. Enfrentando a poeira e o sol quente, no verão; e a lama, na temporada das chuvas, para ir, a pé, à cidade, a fim de assistir as missas e comungar na primeiras sextas-feiras.

      Em meio a tudo isso, sofreu um tenaz e penoso assédio sexual da parte de um rapaz que era seu colega de escola. Contudo Benigna resistiu bravamente em defesa da sua virgindade e pureza. Até que um dia, desesperado pelas recusas da menina, seu algoz a feriu mortalmente com uma arma cortante.  Ao resistir bravamente e heroicamente à investida do mal, Benigna não apenas preservou sua virgindade. Foi além. Consolidou eternamente sua amizade com Jesus. A Beata Benigna Cardoso é hoje um exemplo de santidade leiga, na qual realizou plenamente o Projeto do Deus, Uno e Trino, para a humanidade...

    Senhoras e Senhores,

   Encerrando estas breves palavras, gostaria de relembrar um fato acontecido com o escritor Victor Hugo, da Academia Francesa de Letras, a primeira academia do gênero criada no mundo. Pois bem, certo dia, Victor Hugo recebeu tocante homenagem naquela Academia, sendo chamado de “imortal” por um confrade. E a resposta de Victor Hugo foi admirável. Disse ele:

– “Glória imortal a minha? Nunca! Morrerei e, depois de alguns séculos, somente uns poucos eruditos ainda saberão que existiu um Victor Hugo. Imortal, sim, é a glória dos Santos que figuram no calendário litúrgico da Igreja Católica. Dois mil anos depois de mortos, ainda no mundo inteiro se celebram seus louvores”.

    Meu caro escritor José Flávio Bezerra Morais:  este seu livro tem o condão de preservar – pelos tempos futuros –, a glória de Benigna Cardoso da Silva, a Mártir da Castidade, a nossa Santinha, a primeira Beata do Ceará...

    Chamou a minha atenção a homilia proferida pelo Cardeal Leonardo Steiner, representante do Papa Francisco na cerimônia de Beatificação da nossa Santinha. Na sua fala, o Cardeal Steiner afirmou que a menina Benigna hoje   é invocada como defensora da dignidade de mulher; como um ícone contra o abuso sexual de crianças e adolescentes; como um símbolo contra o feminicídio; contra a violência   praticada com as mulheres; além de se constituir num ícone dos direitos fundamentais das mulheres e nas relações domésticas e familiares. Não é pouca coisa!

     Os tempos futuros difundirão cada vez mais a memória de Benigna. E, nesses tempos vindouros, o livro de Flávio Morais será lido, comentado e pesquisado pelas futuras gerações que nos sucederão. Pois como disse Victor Hugo: “Os santos são verdadeiramente eternos”.


segunda-feira, 31 de outubro de 2022

A imagem de Nossa Senhora da Penha que se venera no altar-mor da catedral de Crato -- por Armando Lopes Rafael

   Desde os primórdios da Igreja Católica, imagens da Santíssima Virgem Maria, esculpidas ou pintadas, são veneradas pelos fiéis. Essas imagens exprimem um modelo perfeito de confiança em Deus. Afinal, Nossa Senhora nos foi dada pelo próprio Deus, como uma Mãe misericordiosa e intercessora dos nossos pedidos junto ao Criador. Ininterruptamente, Maria roga por nós e nos socorre nas nossas necessidades.

   A exemplo de milhares de outras comunidades cristãs, espalhadas pelo mundo, as quais têm a Virgem Maria como padroeira, Crato também surgiu – por volta de 1740 – aureolado como fruto da devoção à Mãe do Cristo Jesus.  Um frade capuchinho, Frei Carlos Maria de Ferrara, construiu uma capelinha de taipa, coberta de palhas, e dedicou-a à Nossa Senhora da Penha. De lá para cá, e lá se vão 282 anos, três imagens da Santíssima Virgem foram veneradas como Padroeira desta cidade. Todas as três encontram-se em excelente estado de conservação. 

   A atual imagem, a que está no altar central da nossa Catedral – chamada pelo povo de Imperatriz e Padroeira de Crato e da Diocese –. foi adquirida pelo primeiro bispo de Crato, Dom Quintino Rodrigues de Oliveira e Silva.  Aqui, foi recepcionada, pela população da cidade, em 1921. Mons. Rubens Gondim Lóssio escreveu que ela “foi adquirida na Europa”. Entretanto, está gravado na base da estátua: “Luneta de Ouro, Rio, 1920”, comprovando que a imagem foi adquirida através da famosa loja de esculturas religiosas localizada, à época, na Rua do Ouvidor, no Rio de Janeiro.

    Sobre essa imagem, esculpida em madeira e medindo cerca de 1,80m., escreveu Monsenhor Rubens:

 “De tamanho bem maior que o natural, em atitude de quem aparece para defender o pastorzinho Simão, prosternado ao lado direito, enquanto o temível crocodilo se arrasta à esquerda, o vulto impressionante tem uma beleza encantadora. Trazida com dificuldades até esta Cidade Episcopal, teve a Imagem festiva recepção, em 1921, quando o povo acorreu ao seu encontro, na estrada do Buriti, onde se congregaram cerca de 32 zabumbas. Todavia, continuou ela guardada, até que, preparada a mentalidade do povo e feita a reforma da Capela-Mor (da catedral) por Dom Francisco de Assis Pires (segundo Bispo de Crato), colocaram-na no altivo e gracioso nicho de onde preside às funções do Culto e aos destinos do Crato. No dia 1º de setembro de 1938, foi-lhe dada a bênção do Ritual e, a partir de então, não tem ela cessado de conceder a todos as maiores graças e as melhores bênçãos”. 

   Em 2006, devido aos trabalhos de conservação efetuados no interior da Catedral a imagem de Nossa Senhora da Penha foi retirada – pela primeira vez – do alto do nicho, no qual estava desde 1938. Esse acontecimento levou muita gente à Catedral, na manhã de uma segunda-feira, 03 de julho daquele ano. Entretanto, após a descida da imagem, uma surpresa: constatou-se a existência de várias rachaduras na escultura. Coube a restauradora italiana Maria Gabriella Federico fazer os trabalhos do restauro. 

    Depois de restaurada, a imagem de Nossa Senhora da Penha voltou ao seu nicho. E lá permanece, onde escuta, todos os dias, as súplicas filiais dos seus devotos, que veem nela uma fonte inesgotável de confiança. Afinal, Ela é a Mãe de Deus e também é a nossa Mãe.    


sexta-feira, 28 de outubro de 2022

O massacre da família Távora -- por Armando Lopes Rafael

 


Brasão da Família Távora

    O Rei Dom José I – bisavô do nosso Imperador Dom Pedro I –, reinou em Portugal entre 1750 e 1777. Teve como Primeiro-Ministro, o cruelíssimo e impiedoso Marquês de Pombal. Este, governou o reino com mão de ferro. Pombal alimentou, ao longo da sua vida, profunda inveja contra algumas famílias aristocráticas existentes em Portugal. Em relação ao clã dos Távoras, o Marquês de Pombal nutria mais do que inveja. Ele cultivava um sentimento de ódio contra essa família. Provavelmente porque a família Távora não somente fosse riquíssima.  Mas porque tinha ramificações (e exercia influência) noutras casas nobiliárquicas portuguesas, a exemplo das de Aveiro, de São Vicente, de Alorna, de Atouguia e de Cadaval. Todas essas casas faziam discreta restrição ao comportamento do Marquês de Pombal.

   Os Marqueses de Távora – Leonor e Francisco de Assis – possuíam um filho, Luís Bernardo, pessoa de muito destaque em Lisboa, casado com Teresa de Távora e Lorena. Era do conhecimento geral que o Rei de Portugal, Dom José I, mantinha um relacionamento amoroso com essa nora dos Marqueses de Távora. Estes, sofriam muito com a situação moral de Teresa de Távora e Lorena. E viviam aconselhando o filho Luís Bernardo a se separar da esposa adúltera.

      Diz o livro dos Salmos 5,3-6: “os lábios da mulher adúltera no fim das contas, deixam um sabor amargo, uma ferida feita como que por uma aguda espada de dois gumes. Os seus comportamentos conduzem à morte”. Consta nos registros históricos que, na noite de 3 de setembro de 1758, Dom José I, retornava para casa, incógnito numa carruagem, depois de um encontro com a amante. No meio do caminho, a carruagem foi interceptada por três homens que dispararam contra o Rei. Dom José I ficou apenas ligeiramente ferido no braço. E o Marquês de Pombal tomou a si a apuração desse atentado. Dois empregados dos Távoras foram presos e torturados até declararem que o atentado teria partido dos seus patrões.  

    O Marquês de Pombal não divulgou o atentado de imediato. Antes disso, mandou prender a família Távora (adultos e crianças), o Duque de Aveiro, e até o Padre Jesuíta Gabriel Malagrida (confessor de Teresa de Távora e Lorena). Este sacerdote foi, posteriormente, enforcado. O Marquês de Pombal aproveitou a acusação de “regicídio” (tentativa ou assassinato de reis) para expulsar todos os Padres Jesuítas de Portugal, desejo que alimentava há muito tempo. No dia seguinte ao atentado, o filho do Marquês, Luís Bernardo e o Duque de Aveiro foram enforcados. Nas semanas seguintes a Marquesa Leonor de Távora, o seu marido Francisco de Assis, e todos os seus filhos e netos foram encarcerados. Todos acusados de “alta traição” e “regicídio”. Os bens da família Távora foram confiscados pela Coroa. A casa dos Marqueses de Távora foi destruída e o terreno onde estava edificada foi salgado, para que, naquele chão, nem vegetação nascesse.

     O processo contra os membros do clã Távora tornou-se o caso judicial mais famoso da História de Portugal. À época, poucas pessoas acreditaram nas acusações feitas contra àquela família. Ainda hoje este é o sentimento entre os historiadores que se debruçam para pesquisar esse trágico episódio. Também pensava assim a Princesa-herdeira do Trono (que viria a ser a futura Rainha Dona Maria I). Esta veio residir no Brasil em 1808, acompanhando seu filho, o então Príncipe Dom João VI e todos os demais membros da Família Real Portuguesa.

Massacre da Família Távora nas proximidades da Torre de Belém (Gravura de 1759)
  

        O plano traçado pelo Marquês de Pombal – para exterminar os Távoras da face da terra – foi executado como ele planejou. No entanto, logo no início das perseguições, alguns Távoras conseguiram fugir para o Brasil. E no dia 13 de janeiro de 1759, num local ermo, nas proximidades da torre de Belém, antecedendo à execução pública dos acusados, diversos membros da aristocracia e da alta nobreza portuguesa também foram torturados, expostos à humilhação pública e, por fim, decapitados. Os restos dos seus corpos foram queimados, com todo requinte de perversidade, e suas cinzas espalhadas no Rio Tejo.

         Morto Dom José I, em 1777, aos 62 anos, subiu ao trono sua filha, a agora Rainha Dona Maria I (avó do nosso Imperador Dom Pedro I). Ela, como um dos primeiros atos do seu reinado, mandou inocentar os Távoras e devolveu o patrimônio que havia sido desapropriado ilegalmente à família trucidada.

***

              O que aconteceu com os poucos Távoras que fugiram para o Brasil? Aqui adotaram outros sobrenomes, como “Silva” e “Fernandes”, para escapar de novas perseguições. Os descendentes desses fugitivos, residentes no Ceará, destacaram-se como homens íntegros e ocuparam funções e cargos relevantes no Brasil. A exemplo de Juarez, Manuel e Franklin Távora (irmãos) e Virgílio Távora (sobrinho). Alcançaram eles as mais elevadas patentes no Exército Brasileiro; Juarez Távora, que chegou ao posto de Marechal, foi candidato a Presidente da República Brasileira, em 1955; Manuel e Virgílio Távora governaram o Ceará em três ocasiões. Os Távoras brasileiros também foram Senadores, Deputados e Ministros de Estado. Outros membros dessa família se destacaram como jornalistas, advogados, bispos e sacerdotes...

                Atribui-se ao Monsenhor Fernandes Távora (ele foi Vigário de Crato entre 1883 a 1889) o restabelecimento do uso do sobrenome “Távora” entre os descendentes brasileiros desta família. Consta que o Monsenhor quis cursar a Academia dos Nobres Eclesiásticos, em Roma. Dificilmente essa Academia admitia sacerdotes sem linhagem, fazendo também restrição a alunos sacerdotes católicos estrangeiros. Monsenhor Fernandes Távora, que conhecia a herança aristocrática dos Távoras, viajou a Lisboa. Lá fez pesquisas. Voltando ao Brasil restaurou o nome dessa família, que qual estava proscrito em Portugal, desde 1759.

(Esta crônica é dedicada a três meninas nascidas no Cariri cearense: Lara, Lia e Maria – minhas netas – filhas de Carolina e Leonardo, que carregam no Registro Civil o sobrenome “Távora”, herdado do pai delas)


sábado, 24 de setembro de 2022

Um dos grandes historiadores do Cariri: Irineu Pinheiro – por Armando Lopes Rafael (*)



     Nascido em 6 de janeiro de 1881, em Crato, Irineu Nogueira Pinheiro é considerado um dos mais respeitados e produtivos intelectuais do Cariri. Estudou em Crato (Seminário São José), Fortaleza, Recife e no Rio de Janeiro, cidade onde concluiu o curso de medicina, na turma de 1910.

     Estudioso da História, foi “o maior pesquisador dos “fastos” regionais”, na feliz expressão do Dr. Raimundo de Oliveira Borges. Deixou vários livros publicados, dentre eles: “Um Caso de Dexiocardia”, “O Juazeiro do Padre Cícero e a Revolução de 1914”, “José Pereira Filgueiras”, “Joaquim Pinto Madeira”, “Cidade do Crato”, “Morte do Capitão J. da Penha”, “O Cariri” e “Efemérides do Cariri”. Foi um dos fundadores e primeiro presidente do Instituto Cultural do Cariri.

      Foi Inspetor Federal do Colégio Diocesano; professor do Seminário São José; Sócio-Correspondente da Academia Cearense de Letras e do Instituto do Ceará.  Colaborou com os jornais de Fortaleza e com os periódicos de Crato (“A Região”, “Correio do Cariry” e “A Ação”, dentre outros). Teve intensa participação nos movimentos que trouxeram progresso para sua cidade natal, sendo fundador e primeiro presidente do Rotary Clube de Crato e Presidente do Banco do Cariry, a primeira instituição de crédito do interior cearense, fundada por Dom Quintino Rodrigues de Oliveira e Silva.

        Faleceu, em 21 de maio de 1954, na cidade de Crato, vítima de colapso cardíaco, enquanto – com a caneta à mão –  escrevia a um amigo de Fortaleza sobre o último livro que produziu: “Efemérides do Cariri”.

(*) Armando Lopes Rafael, historiador.

sexta-feira, 23 de setembro de 2022

Mais uma frase infeliz -- por Humberto Mendonça (Empresário)

 

   O candidato Luiz Inácio da Silva Lula (PT), dentre tantas falas infelizes – que vem proferindo ao longo da campanha eleitoral de 2022 – disse esta lamentável frase: “Se eu for  eleito, determinarei que as Forças Armadas façam “coisas mais dignas”. Essa fala ocorreu em um encontro de Lula com lideranças de cooperativas, em São Paulo.   Talvez a sua inovação “ser mais dignas” seja promover generais de sua confiança. Seguindo o conselho de Zé Dirceu que chegou a dizer: se ele (Lula) tivesse tomado meu conselho ainda hoje estávamos do poder.  

   Lamentável. Profundamente lamentável, que um aspirante ao mais alto cargo da República considere indignas as atuais e louváveis ações das nossas Forças Armadas. E desconheça que Constituição Federal de 1988 (que instituiu, na República Federativa Brasileira o Estado Democrático de Direito) possui um capítulo específico para tratar das “Forças Armadas”. Estas, destinam-se a defender a Pátria e garantir os poderes constitucionais, a ordem e a lei.

     Sou do tempo em que pessoas, de todos os níveis, conheciam o valor e o papel das Forças Armadas na vida nacional. Tínhamos profundo respeito pelo Exército Brasileiro, presente nas cidades de porte médio através dos chamados “Tiros de Guerra”. Prestei serviço militar no Tiro de Guerra de Juazeiro do Norte. E lá assimilei uma formação cívica que trago até os dias de hoje e a transmito aos filhos e netos.

   Além de garantir a soberania do nosso país, o Exército Brasileiro espalha seus Batalhões de Construção de Estradas e obras públicas no vasto interior da nossa Pátria. O que faz com lisura e honestidade inquestionáveis. Promove campanhas sociais, leva alimentos e faz serviços de atendimento médico nas localidades mais longíncuas da Amazônia. Mantém Academias, Institutos e colégios militares espalhados por todo pais, formando gerações de homens e mulheres que continuam dignificando a nação e prestam exemplar serviço ao Brasil, em muitos setores, incluindo a vida pública.

     Preocupa-me, a possibilidade de um candidato, que não tenha o devido preparo, vir a ocupar a Presidência da República. E,  se isso viesse a acontecer, poderíamos caminhar a passos largos para o Brasil virar outra Venezuela. Ou enveredar pelos descaminhos de  nações vizinhas, a exemplo da Argentina. Esses dois países citados – para ficar apenas neles – estão com a economia em frangalhos, com altíssima inflação, uma crise humanitária nunca vista, onde a população já começa a emigrar para nações vizinhas, fugindo da  fome, da falta de liberdade, do colapso da produção, da crise na segurança e saúde pública, dentre outras.

    Bom seria que as nossas lideranças políticas se inspirassem nas  nossas Forças Armadas do passado, que fizeram história tanto no Brasil Império, como no Brasil Republicano. E respeitando nossas Forças Armadas de hoje, reconhecessem a contribuição delas – antes e agora – para garantir a unidade e a grandeza do Brasil; o compromisso delas para com os valores mais nobres da Pátria e com a sociedade brasileira; não descuidando dos anseios de tranquilidade, estabilidade e desenvolvimento, e, sobretudo, com os valores democráticos que, há mais de 30 anos, norteiam a nossa Constituição Federal, desrespeitada, como atualmente, por quem devia ser de verdade seu guardião. 


quarta-feira, 14 de setembro de 2022

Monsenhor Montenegro – por José Emerson Monteiro Lacerda (*)

 

   Certo momento eu revi na memória alguns traços do Monsenhor Francisco de Holanda Montenegro, diretor do Colégio Diocesano do Crato, onde estudei por sete anos. Personalidade forte, ele marcou gerações e gerações durante mais de 50 anos de sua administração, nesse que foi um dos destacados educandários do interior cearense no século XX.

   Vieram lembranças de duas ocasiões, quando, numa delas, fomos visitar, em Juazeiro do Norte, o Colégio Salesiano e lá conheci Padre Gino Moratelli, um sacerdote próximo ao monsenhor. Nessa visita, presenciamos Padre Gino a demonstrar uma prática de localizar veios de água com a utilização de um gancho de arbusto verde que, pressionado entre pelas duas mãos, se move ao chegar sobre o ponto indicado a cavar e achar um filão de água. Técnica da radiestesia, depois presenciei, em Crato, praticada por Antônio Hélder (Pirita), meu primo, que assim indica poços e cacimbas, tendo realizado esse mister com sucesso em mais de 100 oportunidades. 

   Padre Gino, italiano dotado de boa desenvoltura na Língua Portuguesa, nos proporcionou momentos agradáveis a trazer assuntos vários, o que ainda agora permitem reviver a chance daquela hora.
Doutra vez, isto na sacada do Colégio Diocesano, Monsenhor Montenegro me convidaria a estar próximo dele assistindo ao desfile cívico do Sete de Setembro, ao lado do qual também estaria o destacado historiógrafo cearense Gustavo Barroso, de quem leria posteriormente algumas de suas obras. Este momento também marcou bem a minha ligação com Monsenhor Montenegro, sacerdote carismático, verdadeiro apóstolo da educação no Ceará. Filho de Jucás, município do centro do Estado, viera residir em Crato desde a ordenação, aqui desenvolvendo o seu magistério com excepcionalidade no colégio fundado pelo Padre Francisco Pita no princípio do século.

    Outras lembranças que guardo dele foram as vezes em que nos avistávamos nas viagens da Rio Negro, nas suas idas a Fortaleza a compor o Conselho Estadual de Educação, após aposentado da Direção do Diocesano. Eis, pois, uma figura exemplar que influenciou quantos vivenciaram o seu empenho em formar a nossa juventude por décadas e décadas.


(*) José Emerson Monteiro Lacerda. Advogado e escritor.

sábado, 27 de agosto de 2022

Frei Carlos Maria de Ferrara

 O capuchinho que fundou Crato
Armando Lopes Rafael (*)

    A poetisa Adélia Prado escreveu que a memória se contrapõe ao tempo, pois o tempo leva os fatos a serem esquecidos, e a memória os traz de volta, eternizando os momentos...

   Na memória coletiva de Crato persiste uma lacuna: a de realçar, com mais destaque, o protagonismo de Frei Carlos Maria de Ferrara, um humilde Filho de São Francisco, que aqui viveu. A memória, oral ou escrita, é a fonte primária da História, uma ciência cem por cento humana, porquanto feita unicamente pela ação do homem.  Ademais, já dizia o Prof. João Marcelo Sena: “A História não é um filme que passou. É uma película que pode constantemente ser editada e reinterpretada”. Coincidindo com um pensamento da historiadora portuguesa Ana Isabel Baescu quando afirmou: “A história, enfim, é um eterno fluir, e como compreender o presente sem o passado?”

   Fascinante a vida desse Carlos. Nascido, segundo as fontes, em 1706 “numa família abastada, em Ferrara”, cidade situada na região da Emília-Romanha, Norte da Itália. Naquela urbe, localizada próxima à margem sul do Rio Pó – o maior rio italiano – o menino Carlos nasceu e viveu sua infância e adolescência. Lá, rezou na Catedral de São Jorge; frequentou a igreja de San Cristoforo Alla Certosa; visitou outros vetustos templos de Ferrara, uma cidade quase totalmente cercada por 9 quilômetros de antigas paredes de tijolos, construídas entre 1492 e 1520. Bela Ferrara! Pontilhada de edifícios históricos, como o Castelo Estense, o Palazzo dei Diamanti, alguns soberbos espaços públicos como é o caso do Parco Massari.

         Ocorre-me lembrar aqui, uma decisão tomada por um pensador católico brasileiro, Plínio Corrêa de Oliveira (1908-1995), quando optou, ainda adolescente, por deixar as glórias do mundo e seguir o chamado vocacional. Plínio resumiu sua decisão nesta frase: “Quando ainda muito jovem, considerei enlevadas as ruínas da Cristandade. A elas entreguei meu coração. Voltei as costas ao meu futuro e fiz daquele passado carregado de bençãos o meu porvir!”. O mesmo ocorreu, dois séculos antes da decisão de Plínio, com Carlos de Ferrara.  

A vocação

    Foi em Ferrara, no primeiro quartel do século XVIII, que Carlos tomou a decisão mais séria de sua vida: seguir sua vocação religiosa, dizendo sim ao chamado de Deus. Ele optou pelo carisma Capuchinho, um ramo da primeira ordem de São Francisco de Assis. Aceitou, plenamente, o modus vivendi dessa ordem religiosa que determinava àquela época: “Curai os doentes, ressuscitai os mortos, purificai os leprosos, expulsai os demônios! Recebestes de graça, dai também de graça”.  E passou a viver na pobreza, conservar a  castidade, seguir à risca o que lhe era imposto por seus superiores,  naquilo que seus confrades  chamavam a “santa obediência”.  

    Para vestir, Carlos recebeu um rústico hábito marrom, com um pequeno capuz à cabeça, em italiano: capuccino (capuz pequeno). Para calçar, um par de rústicas e desconfortáveis sandálias de couro. A partir daí o jovem Carlos não teve mais vaidades, a começar pela aparência do rosto, pois lhe foi imposto o uso de barba longa, obrigatória  entre os frades capuchinhos. Em 21 de agosto de 1723, aos 17 anos,  Carlos vestiu o hábito religioso. Depois disso, ainda viveu na Europa por cerca de treze anos.

Brasil: palco da atuação desse frade

   Um dia seus superiores resolveram enviá-lo para o distante e desconhecido Brasil, à época uma colônia de Portugal. Segundo pesquisas do Pe. Antônio Gomes de Araújo (baseadas nos Arquivos da Propaganda Fidei, América Meridionalis, volume II, folha 425) o Bispo de Módena, na Itália, examinou – em agosto de 1736 – o Frei Carlos Maria de Ferrara, destinado à Missão de Pernambuco, no Brasil. E achou-o instruído e capaz para a missão. E o jovem frade atravessou o Mar Mediterrâneo; depois, cruzou o Oceano Atlântico, numa viagem de quase três meses, até avistar o litoral pernambucano, a “Terra dos Altos Coqueiros, de belezas soberbo estendal”... O mesmo Pe. Gomes escreveu – citando os arquivos capuchinhos – que Frei Carlos Maria de Ferrara chegou ao Recife em 15 de agosto de 1736.

    Frei Carlos permaneceu pouco tempo na aprazível capital pernambucana. Logo, seus superiores o destinaram a aldear tribos indígenas no sopé da Chapada do Araripe, distante mais de 600 kms de Recife, numa época que não existiam estradas, meios de transportes ou comunicação entre o litoral e o inóspito interior nordestino. E o frade se lançou a pé, atravessando as léguas tiranas da zona da Mata, do Agreste e do Sertão, levando quase dois meses, até chegar à Chapada do Araripe.

O fundador da Missão do Miranda

   Os antigos chamavam essa Chapada de “Serra do Araripe”. No entanto, as serras são acidentes geográficos com partes altas, seguidas de saliências. Já as chapadas são relevos com topos planos formados em rochas sedimentares. A Chapada do Araripe é uma imensa formação arenítica servindo de divisa entre os Estados do Ceará, Pernambuco e Piauí. Segundo antiga tradição oral, essa imponente Chapada teria sido batizada de “Araripe”, pelos indígenas habitantes do seu entorno. “Araripe” na língua indígena significaria poeticamente: “lugar onde nasce o dia”.

    Arrimados em pesquisas do Pe. Antônio Gomes de Araújo, sabe-se que:  “Aos 18 de dezembro de 1737, o Superior Missionário, Reverendíssimo Padre Frei Carlos Maria de Ferrara começou a zelar no ensino aos índios e a unir as nações indígenas”. Inicialmente, a missão funcionou no local onde hoje é o bairro Mirandão, na cidade de Crato. Por exiguidade de água, naquele recanto, transferiram a missão para novo espaço,  onde hoje é a Praça da Sé – o chão mais sagrado de Crato – que ficava próximo ao então caudaloso Rio Granjeiro. Naquele lugar, Frei Carlos ergueu – em 1740 – uma capela de taipa, coberta de palha. No entanto, já em 1742, construiu – em substituição a antiga, rústica e pobre capelinha –  uma nova capela de pedra e cal dedicada  à Santíssima Trindade, à Nossa Senhora da Penha e a São Fidelis de Sigmaringa.

   Sabe-se que Frei Carlos deve ter chegado ao paradisíaco Vale do Cariri, por volta de 1737. Padre Antônio Gomes de Araújo deixou escrito: “A notícia mais antiga, até agora revelada, referente à missão do Miranda, sua igrejinha e Frei Carlos, traz a data de 30 de julho de 1741”. Está num livro de batizados e casamentos da Paróquia da Vila do Icó, a cuja jurisdição esteve subordinado o Cariri até 1748. Segundo o mesmo Pe. Antônio Gomes de Araújo, estavam aldeados na Missão do Miranda de Frei Carlos membros das tribos Cariris, Cariús, Quixeriús, Curianês, Calabassas e Icozinhos, como consta na página 304,  do livro “Informação Geral da Capitania de Pernambuco em 1749”, volume, publicado no Rio de Janeiro em 1908. Por aí se vê como era ampla a autoridade e poder pessoal de Frei Carlos Maria de Ferrara a governar tantos índios, instruindo-os na Boa Nova de Cristo.

     O frade só deixaria o Vale do Cariri em 1750, para ocupar o cargo de Prefeito dos Capuchinhos de Pernambuco, em Recife. Lá permaneceu até 1753. Naquele ano foi  transferido para o Rio de Janeiro, a  Capital da Colônia,   para exercer as funções de Prefeito dos Capuchinhos naquela importante cidade, a partir de 1754. O Rio de Janeiro  seria a última localidade a receber os frutos do ideal de  Frei Carlos. Por onde ele passou – Itália, Recife, Missão do Miranda (hoje cidade de Crato) e no Rio de Janeiro –  o humilde frade capuchinho foi tido como uma pessoa que irradiava santidade. A santidade é plasmada na simplicidade dos pequenos gestos, que embutem os sinais da prática da caridade. A santidade nem sempre é construída com  grandes gestos. Quase sempre é adquirida com pequenas  atitudes do cotidiano. Nestas, prevalecem o amor  e a sinceridade. 

      No Rio de Janeiro, Frei Carlos faleceu em 1774, com a idade de 68 anos. Nas anotações dos arquivo dos Capuchinhos pode-se ler, ainda hoje,  a anotação que transcrevo abaixo:

“Religioso doce, prudente, virtuoso e nosso Prefeito por vinte anos, vindo de Pernambuco onde também era prefeito. A sua doença foi muito prolongada, porque alguns anos antes da morte teve um esturpor que o privou do movimento das mãos e braços: pouco a pouco, com o favor de Deus e assistência de um bom médico, Romano Sciala, começou a cobrar o perdido, de sorte que já dizia Missa. Mas como os achaques fazem trégua e não paz,  finalmente acabou a vida, tendo-se disposto muito bem para a última passagem. Seu enterro foi assistido por várias pessoas nobres desta cidade, com demonstrações de grande sentimento”

    (*) Armando Lopes Rafael é historiador. As palavras acima foram proferidas no evento promovido, em 19-08-2022, pelo Instituto Cultural do Cariri, em homenagem a Frei Carlos Maria de Ferrara.

Gastos Públicos: Monarquia X República –1ª Parte – por Geraldo Helson Winter (*)

 

   Monarquia Constitucional é uma forma de Governo moderna e eficaz. O nosso objetivo é publicar artigos e notícias com a finalidade de tirar dúvidas acerca do tema, mostrar caminhos e soluções para os diversos problemas enfrentados pela Nação, propor ideias para reforma política, conseguir adeptos a causa, desmitificar e recuperar a história deturpada ao longo dos anos. Convidamos todos a conhecer um novo caminho para o país.

     Durante quatro séculos o Brasil se beneficiou da forma de governo monárquica e isto lhe assegurou dimensões continentais, povoamento, desenvolvimento e prestígio internacional. 

   O contraste entre gastos da Monarquia e da República brasileiras também é gritante. Apesar da arrecadação ter crescido 15 vezes.durante o período da Monarquia, o salário de Dom Pedro II e de sua família, nunca ultrapassou 67 contos de réis. O Marechal Deodoro da Fonseca, entretanto, já no dia 16 de novembro de 1889 assinou decreto dobrando renda destinada ao Chefe de Estado para 120 contos de réis mensais. Com os 67 contos de réis D. Pedro II conseguia manter a Família Imperial, palácios e servidores, além de destinar às vítimas da Guerra do Paraguai 30% da todos os seus rendimentos. Pagava também de seu bolso pensão a necessitados e enfermos, viúvas e órfãos, num total de 409 pessoas. Quando, em 1871, partiu para sua primeira viagem ao Exterior, recusou vultuosa verba oferecida pela Assembleia Geral, além de aumento na dotação da Princesa Isabel, por assumir pela primeira vez a Regência. Na ocasião a Assembleia Geral ofereceu um navio de guerra, com escolta de outros três, para viagem do Imperador, que recusou e preferiu seguir viagem em navio de carreira.

    De lá para cá, o Brasil republicano cai cada vez mais pelas tabelas. No índice da Transparência Internacional sobre percepção da corrupção, irmã gêmea da roubalheira institucional, nosso país encontra-se em 72º lugar. E quem vem entre os mais honestos? Os primeiros lugares são ocupados por Monarquias: Dinamarca, Nova Zelândia, Suécia, Noruega, Holanda, Austrália, Canadá, Luxemburgo e Inglaterra, entre outros. Dois pequenos fatos mostram que as Monarquias são mais bem avaliadas: quando um incêndio destruiu, em 1992, parte do Palácio de Windsor, a Rainha Elizabeth II fez questão de pagar a reforma com seus próprios recursos; o Rei da Espanha, Juan Carlos, em 1991, doou ao patrimônio público um palácio que recebera de presente do Rei Hussein da Jordânia.

    Em suma, Monarquias e Repúblicas evidenciam diferenças de mentalidade diametralmente opostas: enquanto Monarcas visam exclusivamente ao bem de seu povo, Presidentes aproveitam seus mandatos para cobrir os gastos da última eleição e garantir a próxima.

(*) Excertos de um artigo de Geraldo Helson Winter, publicado na edição de número 37 do boletim “Herdeiros do Porvir”.


Gastos Públicos: Monarquia X República –2ª Parte – por Geraldo Helson Winter (*)

 

    Apesar de as Monarquias serem mais austeras do que as Repúblicas, existe a falsa impressão de que são mais dispendiosas. Um dos motivos é o pomposo cerimonial da Monarquia inglesa, que devido a seu aparato é a mais cara do entre todas as Monarquias. Mas, ainda assim, seu custo é incomparavelmente menor do que o de uma República. O custo anual da Monarquia inglesa é de US$ 1,20 para cada súdito, o da sueca e da belga US$ 0,77, o da espanhola US$ 0,74, o da japonesa US$ 0,41, o da holandesa US$ 0,32. Em sentido contrário, a República dos Estados Unido onera cada contribuinte em quase US% 5 dólares.

     Voltando à Inglaterra, os cofres britânicos desembolsaram 37,4 milhões de líbras para financiar a Monarquia. Em compensação, as propriedades da Coroa, que pertencem à Rainha e são administradas pelo governo, renderam ao país no ano passado 184,8 milhões de líbras. A razão de as Monarquias serem muito mais austeras reside em dois fatores fundamentais: uma é a moralidade elevada dos monarcas e o outro é o mecanismo de transmissão do poder. O primeiro fator denota a sadia formação da consciência moral da pessoa e o segundo denota a sólida formação da estrutura política e social de um país.

   Na República, o declínio vertiginoso da moralidade é sistematicamente alimentado pela engrenagem de transmissão do poder. A transmissão do poder eleitoral e transitório abre espaço a todo tipo de oportunismo, levando governantes medíocres a se preocuparem apenas com interesses pessoais ou, quando muito, com interesses de seu partido, em notório prejuízo do povo e do bem comum.

    Por outro lado, na República muitas famílias precisam ser sustentadas. O Jornal Miami Herald fez uma pesquisa em 1992 e constatou que os Estados Unidos naquele ano tiveram um gasto de mais de US$ 20 milhões em pensões de seus ex-presidentes ou de suas viúvas, sem contar as despesas com a proteção oferecida pelo Serviço Secreto, estimadas na época em US$ 18,5 milhões. No Brasil a República não é diferente. Os ex-presidentes brasileiros têm, por lei, direito a empregar oito servidores às custas do erário, além de utilizar dois carros oficiais com motoristas.

(*) Excertos de um artigo de Geraldo Helson Winter, publicado na edição de número 37 do boletim “Herdeiros do Porvir”.



O Servo de Deus Padre Cícero Romão Batista -- por Armando Lopes Rafael (*)

   O anúncio foi feito pelo Bispo de Crato, Dom Magnus Henrique Lopes. E foi recebido pelos fiéis, presentes à missa campal, em memória do Padre Cícero – em Juazeiro do Norte, no último dia 20 de agosto de 2022 – em meio às palmas, espocar de fogos, toque de sinos nos campanários e lágrimas, muitas lágrimas de alegria, por parte da multidão. Transformava-se em realidade um sonho guardado no recôndito dos corações dos devotos residentes na Nação Romeira, vasto território que se espalha pelo Nordeste brasileiro. Afinal, a Santa Sé – com a aprovação do Papa Francisco – autorizava o início do Processo de Beatificação do Padre Cícero Romão Batista.

   Este sacerdote católico foi em vida – e continua sendo depois da sua morte, há quase noventa anos –, a personalidade mais venerada pelas populações do Nordeste brasileiro.  Dentre as personalidades nascidas no Cariri, Padre Cícero tornou-se a mais conhecida em todo o Brasil. Para os seus afilhados humildes e pobres, espalhados pelos territórios da zona da mata, agreste e sertão e, em menor escala, noutras regiões do Brasil, ele é o “Meu Padim Ciço”.  Aquele a quem os fiéis católicos podem recorrer nos momentos de sofrimentos e dificuldades. Para esta porção do Povo de Deus, Padre Cícero é o “Santo dos Pobres”, o “referencial” presente da Boa Nova que Jesus Cristo anunciou à humanidade, nos anos que esteve encarnado aqui na Terra, através dos seus ensinamentos, atos e parábolas.

   O Papa Francisco não apenas veio ao encontro de um anseio de muitas gerações de nordestinos. Fez mais. Oficializou, num gesto concreto, o reconhecimento da santidade de Padre Cícero. Ratificou uma carta, enviada à Diocese de Crato em 2015, assinada pelo Cardeal Pietro Parolin, Secretário de Estado do Vaticano, onde consta o parágrafo abaixo:

    É inegável que o Padre Cícero Romão Batista, no arco de sua existência, viveu uma fé simples, em sintonia com o seu povo e, por isso mesmo, desde o início, foi compreendido e amado por este mesmo povo. A sua visão perspicaz, ao valorizar a piedade popular da época, deu origem ao fenômeno das peregrinações, que se prolonga até hoje, sem diminuição tanto no número como no entusiasmo das multidões que acorrem, anualmente, a Juazeiro. Essa amada Diocese tem procurado incorporar este movimento popular com um grande esforço de evangelização, orientando-o para o Cristo redentor do ser humano. Integrando seu aspecto popular e devocional em uma catequese renovada, fortalece e anima o romeiro em sua vida cotidiana, tornando-o sempre mais consciente do seu batismo e ajudando-o a viver sua vocação específica de cristão no mundo”.

   E, a partir de agora, o Padre Cícero Romão Batista passará a ser chamado de “Servo de Deus”, título que a Igreja Católica dá a uma pessoa cujo processo de canonização foi oficialmente aberto.

(*)Artigo publicado na edição do jornal "O Povo", de Fortaleza, de 27 de agosto de 2022.

domingo, 24 de julho de 2022

A coroa dos Reis e Rainhas de Portugal – por Armando Lopes Rafael (*)

A última coroa dos Reis de Portugal foi confeccionada no Brasil, em 1818

    Há uma curiosidade sobre a coroa dos reis e rainhas de Portugal. Eles não a usavam à cabeça. De 1640 até 1910 (quando a monarquia portuguesa foi derrubada pelos carbonários, que assassinaram -- em 1908 -- o Rei Dom Manuel II e o seu filho, o herdeiro do trono, Príncipe Dom Carlos, com apenas 18 anos de idade), nas solenidades de coroação essa coroa ficava pousada, numa almofada, ao lado do novo rei ou rainha, e não na cabeça do novo soberano.

   Esta tradição foi iniciada com a Restauração da Independência Portuguesa, em 1º de dezembro de 1640, quando o Rei Dom João IV colocou a coroa real aos pés da imagem de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa – Padroeira de Portugal – afirmando que a Virgem Maria era a verdadeira Rainha da nação lusitana e de suas colônias, dentre as quais o Brasil. Esse gesto de Dom João IV foi seguido por seus sucessores até 1910, quando foi imposto o regime republicano aos portugueses, após o assassinato do Rei e seu herdeiro, em 1908.

     No entanto, as coroas, para investidura de novos soberanos portugueses, continuaram sendo confeccionadas, a partir de 1640.  A última feita – para a subida de Dom João VI ao trono, em 6 de fevereiro de 1818 – foi confeccionada no Rio de Janeiro, pois no Brasil morava a Família Real Portuguesa. 

      Esta coroa é guardada hoje numa das maiores caixas-fortes do Mundo, atrás de duas portas de cinco toneladas, e muito raramente é exposta (em solenidades especiais) no Palácio Nacional da Ajuda, em Lisboa, onde funciona o Museu do Tesouro Real. Portugal conserva, em vários aspectos,  a herança da sua gloriosa monarquia, cuja lembrança permanece viva na memória das novas gerações....

 

Bandeira do Reino de Portugal

(*)Armando Lopes Rafael é historiador. Sócio do Instituto Cultural do Cariri e membro-correspondente da Academia de Letras e Artes Mater Salvatoris, de Salvador (BA).


sábado, 23 de julho de 2022

Pessoas que marcaram o Cariri: Padre Antônio Gomes de Araújo -- por Armando Lopes Rafael(*)

 

Pe. Gomes, nos tempos iniciais do seu sacerdócio

    Nascido em Brejo Santo, em 6 de janeiro de 1900,  Padre Antônio Gomes de Araújo foi um dos grandes historiadores do Cariri. Aliás, ele dizia que não se considerava um historiador e sim um pesquisador. Viveu mais da metade de sua vida em Crato, mas, próximo da morte, retornou para sua cidade natal, onde faleceu em 26 de janeiro de 1989.  

   Em 1950, Pe. Gomes venceu um concurso na Bahia com a monografia “Formação da Gens Caririense”. Escreveu muitos opúsculos dentre os quais: “Naturalidade de Bárbara de Alencar” (1953); “Pe. Pedro Ribeiro da Silva–Fundador e Primeiro Capelão de Juazeiro do Norte” (1955); “Apostolado do Embuste” (1956); “1817 no Cariri” (1962); “Povoamento do Cariri” (1973). Em 1971, a Faculdade de Filosofia de Crato reuniu alguns de seus trabalhos no livro “A Cidade de Frei Carlos”.

     Padre Gomes era um sacerdote irrequieto e sem papas na língua. Dizia ele que se não tivesse sido ordenado sacerdote teria optado pela carreira militar. Colaborou, longos anos, com excelentes trabalhos de pesquisa, nas revistas “Itaytera”, “A Província” e “Hyhyté”, bem como no jornal “A Ação”, órgão oficial da Diocese de Crato. O semanário “A Ação” foi dirigido, durante alguns anos, pelo notável Monsenhor Pedro Rocha de Oliveira. Este mantinha uma coluna naquele periódico com o título “Alfinetadas”. Nessa coluna, Mons. Rocha fazia a defesa da doutrina católica e combatia implacavelmente as ideias socialistas/comunistas.

     Certo dia, ministrando uma aula de História do Brasil, no tradicional Colégio Diocesano de Crato, Pe. Gomes foi interrompido por uma pergunta de aluno:

   – “Padre, é pecado utilizar as folhas do jornal “A Ação” como papel higiênico? ”

Padre Gomes respondeu de chofre:

    – “É não! Livre-se das “Alfinetadas” de Monsenhor Rocha e faça bom uso”...

(*) Armando Lopes Rafael é historiador

Crato foi consagrado à Santíssima Trindade desde o seu nascedouro – por Armando Lopes Rafael (*)

Atual Catedral de Crato, originada da capelinha de taipa, coberta de palha, construída por Frei Carlos Maria de Ferrara, para a Missão do Miranda

   A doutrina católica nos ensina que qualquer casa destinada ao culto do verdadeiro Deus – desde a mais humilde capelinha rural, até a mais pomposa catedral – é destinada a Celebrar a Santíssima Trindade, fonte de onde emana a Santa Igreja Católica Apostólica Romana. A Trindade Santíssima – Pai, Filho e Espírito Santo é o mistério central da fé cristã. Bem definiu o falecido teólogo Dom Valfredo Tepe, Bispo de Ilhéus (BA): “O Pai projeta a Igreja, Jesus a funda e o Espírito Santo a administra”.

   Isso explica porque o frade capuchinho Frei Carlos Maria de Ferrara, fez gravar – numa pedra – as palavras abaixo, quando ergueu uma humilde capelinha de taipa, coberta de palha, na Missão do Miranda, origem da atual cidade de Crato:

Uni Deo et Trino
Deiparae Virgini
Vulgo – a Penha
S Fideli mission.º S.P.N. Fran, ci Capuccinor.m
Protomartyri de Propaganda Fide
Sacellum hoc
Zelo, humilitate labore
D. D.
Sup. Ejusdem Sancti.i Consocy F.F.
Kalendis January
Anno Salutis  MDCCXLV.

   Nessa inscrição, feita por Frei Carlos Maria de Ferrara,  constava que a capelinha fora consagrada (em janeiro de 1745)  a Deus Uno e Trino e, de modo especial, a Nossa Senhora da Penha (Padroeira de Crato) e a São Fidelis de Sigmaringa, este último, o co-padroeiro desta cidade.

(*) Armando Lopes Rafael é historiador.

sexta-feira, 22 de julho de 2022

República: caos e frustração coletiva (*)

 No próximo dia 7 de setembro, o Brasil vai completar duzentos anos de independência política. As comemorações serão fraquíssimas. Mas é tempo para uma reflexão do que tem sido as atividades políticas na nossa pátria.


     Nascida através de um golpe, à revelia da vontade da população brasileira, a república, ao longo de 132 anos de existência,  tem simbolizado  os interesses (nem sempre legítimos) de grupos e partidos, em detrimento do bem geral. Acompanhe alguns fatos do período republicano no Brasil.

A  República em números

E toda bagunça começou c0m o Marechal Deodoro

Em pouco mais de 130 anos, a república acumula:
•    2 estados de sítio,
•    17 atos institucionais,
•    6 dissoluções do Congresso,
•    19 rebeliões,
•    2 renúncias presidenciais,
•    3 presidentes impedidos de tomar posse,
•    5 presidentes depostos,
•    7 Constituições diferentes,
•    2 longos períodos ditatoriais,
•    9 governos autoritários.
•    Depois de proclamada a república, nossa pátria já teve – no espaço de 105 anos – 9 (nove) moedas e até a implantação do Plano real viveu debaixo da mais desordenada inflação.  

A República não é democrática

   República não é sinônimo de democracia. Ao contrário, no caso brasileiro, o país já assistiu a ascensão de governos ditatoriais, com presidentes que subiram ao poder sem o voto popular. Além de ter nascido com um golpe, os 5 primeiros anos da república foram marcados por uma feroz ditadura, que cerceou liberdades e levou o país a uma crise sem precedentes. Os anos posteriores foram marcados por governos eleitos com baixíssima representação popular, ficando conhecido como política "Café com Leite", onde uma oligarquia raivosa, que odiava a Princesa Dona Isabel, por ter assinado a Lei Áurea, se revezava no poder. Eram os ricos fazendeiros, os antigos escravocratas, de São Paulo e Minas Gerais, que ditavam as regras.

   Passando pelas ditaduras de Getúlio Vargas ou dos Militares, a democracia na república pouco evoluiu. Os casos de crise e corrupção, largamente difundidos, até 2018,  são um reflexo da desvantagens deste sistema. O presidente quando se elege, sempre deve favores a todos que contribuíram para seu sucesso pessoal, tem vínculos partidários e é ligado a empresas e organizações privadas. A troca de favores é facilitada e este cargo é encarado como uma ascensão política dentro do partido.

    Segundo publicação da revista Superinteressante, dos mais de 30 presidentes que o Brasil já teve, "só 5 presidentes eleitos completaram o mandato em 90 anos". Completando ainda que, "em 129 anos de República, o Brasil teve até hoje 36 governantes – apenas um terço deles (12) foi eleito diretamente e terminou o mandato. De 1926 pra cá, a proporção é ainda mais absurda: dentre 25 presidentes, apenas 5 foram eleitos pelo voto popular e permaneceram no posto até o fim: Eurico Gaspar Dutra, Juscelino Kubitschek, Lula, FHC e Dilma (apenas no seu primeiro mandato, pois a “presidenta” – como exigia ser chamada – sofreu impeachment no segundo mandato). 

(*) Fonte: excertos de um artigo publicado no site:  https://imperiobrasileiro- rs.blogspot.com/2020/03/republica-caos-e-corrupcao.html)