segunda-feira, 31 de outubro de 2022

A imagem de Nossa Senhora da Penha que se venera no altar-mor da catedral de Crato -- por Armando Lopes Rafael

   Desde os primórdios da Igreja Católica, imagens da Santíssima Virgem Maria, esculpidas ou pintadas, são veneradas pelos fiéis. Essas imagens exprimem um modelo perfeito de confiança em Deus. Afinal, Nossa Senhora nos foi dada pelo próprio Deus, como uma Mãe misericordiosa e intercessora dos nossos pedidos junto ao Criador. Ininterruptamente, Maria roga por nós e nos socorre nas nossas necessidades.

   A exemplo de milhares de outras comunidades cristãs, espalhadas pelo mundo, as quais têm a Virgem Maria como padroeira, Crato também surgiu – por volta de 1740 – aureolado como fruto da devoção à Mãe do Cristo Jesus.  Um frade capuchinho, Frei Carlos Maria de Ferrara, construiu uma capelinha de taipa, coberta de palhas, e dedicou-a à Nossa Senhora da Penha. De lá para cá, e lá se vão 282 anos, três imagens da Santíssima Virgem foram veneradas como Padroeira desta cidade. Todas as três encontram-se em excelente estado de conservação. 

   A atual imagem, a que está no altar central da nossa Catedral – chamada pelo povo de Imperatriz e Padroeira de Crato e da Diocese –. foi adquirida pelo primeiro bispo de Crato, Dom Quintino Rodrigues de Oliveira e Silva.  Aqui, foi recepcionada, pela população da cidade, em 1921. Mons. Rubens Gondim Lóssio escreveu que ela “foi adquirida na Europa”. Entretanto, está gravado na base da estátua: “Luneta de Ouro, Rio, 1920”, comprovando que a imagem foi adquirida através da famosa loja de esculturas religiosas localizada, à época, na Rua do Ouvidor, no Rio de Janeiro.

    Sobre essa imagem, esculpida em madeira e medindo cerca de 1,80m., escreveu Monsenhor Rubens:

 “De tamanho bem maior que o natural, em atitude de quem aparece para defender o pastorzinho Simão, prosternado ao lado direito, enquanto o temível crocodilo se arrasta à esquerda, o vulto impressionante tem uma beleza encantadora. Trazida com dificuldades até esta Cidade Episcopal, teve a Imagem festiva recepção, em 1921, quando o povo acorreu ao seu encontro, na estrada do Buriti, onde se congregaram cerca de 32 zabumbas. Todavia, continuou ela guardada, até que, preparada a mentalidade do povo e feita a reforma da Capela-Mor (da catedral) por Dom Francisco de Assis Pires (segundo Bispo de Crato), colocaram-na no altivo e gracioso nicho de onde preside às funções do Culto e aos destinos do Crato. No dia 1º de setembro de 1938, foi-lhe dada a bênção do Ritual e, a partir de então, não tem ela cessado de conceder a todos as maiores graças e as melhores bênçãos”. 

   Em 2006, devido aos trabalhos de conservação efetuados no interior da Catedral a imagem de Nossa Senhora da Penha foi retirada – pela primeira vez – do alto do nicho, no qual estava desde 1938. Esse acontecimento levou muita gente à Catedral, na manhã de uma segunda-feira, 03 de julho daquele ano. Entretanto, após a descida da imagem, uma surpresa: constatou-se a existência de várias rachaduras na escultura. Coube a restauradora italiana Maria Gabriella Federico fazer os trabalhos do restauro. 

    Depois de restaurada, a imagem de Nossa Senhora da Penha voltou ao seu nicho. E lá permanece, onde escuta, todos os dias, as súplicas filiais dos seus devotos, que veem nela uma fonte inesgotável de confiança. Afinal, Ela é a Mãe de Deus e também é a nossa Mãe.    


sexta-feira, 28 de outubro de 2022

O massacre da família Távora -- por Armando Lopes Rafael

 


Brasão da Família Távora

    O Rei Dom José I – bisavô do nosso Imperador Dom Pedro I –, reinou em Portugal entre 1750 e 1777. Teve como Primeiro-Ministro, o cruelíssimo e impiedoso Marquês de Pombal. Este, governou o reino com mão de ferro. Pombal alimentou, ao longo da sua vida, profunda inveja contra algumas famílias aristocráticas existentes em Portugal. Em relação ao clã dos Távoras, o Marquês de Pombal nutria mais do que inveja. Ele cultivava um sentimento de ódio contra essa família. Provavelmente porque a família Távora não somente fosse riquíssima.  Mas porque tinha ramificações (e exercia influência) noutras casas nobiliárquicas portuguesas, a exemplo das de Aveiro, de São Vicente, de Alorna, de Atouguia e de Cadaval. Todas essas casas faziam discreta restrição ao comportamento do Marquês de Pombal.

   Os Marqueses de Távora – Leonor e Francisco de Assis – possuíam um filho, Luís Bernardo, pessoa de muito destaque em Lisboa, casado com Teresa de Távora e Lorena. Era do conhecimento geral que o Rei de Portugal, Dom José I, mantinha um relacionamento amoroso com essa nora dos Marqueses de Távora. Estes, sofriam muito com a situação moral de Teresa de Távora e Lorena. E viviam aconselhando o filho Luís Bernardo a se separar da esposa adúltera.

      Diz o livro dos Salmos 5,3-6: “os lábios da mulher adúltera no fim das contas, deixam um sabor amargo, uma ferida feita como que por uma aguda espada de dois gumes. Os seus comportamentos conduzem à morte”. Consta nos registros históricos que, na noite de 3 de setembro de 1758, Dom José I, retornava para casa, incógnito numa carruagem, depois de um encontro com a amante. No meio do caminho, a carruagem foi interceptada por três homens que dispararam contra o Rei. Dom José I ficou apenas ligeiramente ferido no braço. E o Marquês de Pombal tomou a si a apuração desse atentado. Dois empregados dos Távoras foram presos e torturados até declararem que o atentado teria partido dos seus patrões.  

    O Marquês de Pombal não divulgou o atentado de imediato. Antes disso, mandou prender a família Távora (adultos e crianças), o Duque de Aveiro, e até o Padre Jesuíta Gabriel Malagrida (confessor de Teresa de Távora e Lorena). Este sacerdote foi, posteriormente, enforcado. O Marquês de Pombal aproveitou a acusação de “regicídio” (tentativa ou assassinato de reis) para expulsar todos os Padres Jesuítas de Portugal, desejo que alimentava há muito tempo. No dia seguinte ao atentado, o filho do Marquês, Luís Bernardo e o Duque de Aveiro foram enforcados. Nas semanas seguintes a Marquesa Leonor de Távora, o seu marido Francisco de Assis, e todos os seus filhos e netos foram encarcerados. Todos acusados de “alta traição” e “regicídio”. Os bens da família Távora foram confiscados pela Coroa. A casa dos Marqueses de Távora foi destruída e o terreno onde estava edificada foi salgado, para que, naquele chão, nem vegetação nascesse.

     O processo contra os membros do clã Távora tornou-se o caso judicial mais famoso da História de Portugal. À época, poucas pessoas acreditaram nas acusações feitas contra àquela família. Ainda hoje este é o sentimento entre os historiadores que se debruçam para pesquisar esse trágico episódio. Também pensava assim a Princesa-herdeira do Trono (que viria a ser a futura Rainha Dona Maria I). Esta veio residir no Brasil em 1808, acompanhando seu filho, o então Príncipe Dom João VI e todos os demais membros da Família Real Portuguesa.

Massacre da Família Távora nas proximidades da Torre de Belém (Gravura de 1759)
  

        O plano traçado pelo Marquês de Pombal – para exterminar os Távoras da face da terra – foi executado como ele planejou. No entanto, logo no início das perseguições, alguns Távoras conseguiram fugir para o Brasil. E no dia 13 de janeiro de 1759, num local ermo, nas proximidades da torre de Belém, antecedendo à execução pública dos acusados, diversos membros da aristocracia e da alta nobreza portuguesa também foram torturados, expostos à humilhação pública e, por fim, decapitados. Os restos dos seus corpos foram queimados, com todo requinte de perversidade, e suas cinzas espalhadas no Rio Tejo.

         Morto Dom José I, em 1777, aos 62 anos, subiu ao trono sua filha, a agora Rainha Dona Maria I (avó do nosso Imperador Dom Pedro I). Ela, como um dos primeiros atos do seu reinado, mandou inocentar os Távoras e devolveu o patrimônio que havia sido desapropriado ilegalmente à família trucidada.

***

              O que aconteceu com os poucos Távoras que fugiram para o Brasil? Aqui adotaram outros sobrenomes, como “Silva” e “Fernandes”, para escapar de novas perseguições. Os descendentes desses fugitivos, residentes no Ceará, destacaram-se como homens íntegros e ocuparam funções e cargos relevantes no Brasil. A exemplo de Juarez, Manuel e Franklin Távora (irmãos) e Virgílio Távora (sobrinho). Alcançaram eles as mais elevadas patentes no Exército Brasileiro; Juarez Távora, que chegou ao posto de Marechal, foi candidato a Presidente da República Brasileira, em 1955; Manuel e Virgílio Távora governaram o Ceará em três ocasiões. Os Távoras brasileiros também foram Senadores, Deputados e Ministros de Estado. Outros membros dessa família se destacaram como jornalistas, advogados, bispos e sacerdotes...

                Atribui-se ao Monsenhor Fernandes Távora (ele foi Vigário de Crato entre 1883 a 1889) o restabelecimento do uso do sobrenome “Távora” entre os descendentes brasileiros desta família. Consta que o Monsenhor quis cursar a Academia dos Nobres Eclesiásticos, em Roma. Dificilmente essa Academia admitia sacerdotes sem linhagem, fazendo também restrição a alunos sacerdotes católicos estrangeiros. Monsenhor Fernandes Távora, que conhecia a herança aristocrática dos Távoras, viajou a Lisboa. Lá fez pesquisas. Voltando ao Brasil restaurou o nome dessa família, que qual estava proscrito em Portugal, desde 1759.

(Esta crônica é dedicada a três meninas nascidas no Cariri cearense: Lara, Lia e Maria – minhas netas – filhas de Carolina e Leonardo, que carregam no Registro Civil o sobrenome “Távora”, herdado do pai delas)