domingo, 24 de julho de 2022

A coroa dos Reis e Rainhas de Portugal – por Armando Lopes Rafael (*)

A última coroa dos Reis de Portugal foi confeccionada no Brasil, em 1818

    Há uma curiosidade sobre a coroa dos reis e rainhas de Portugal. Eles não a usavam à cabeça. De 1640 até 1910 (quando a monarquia portuguesa foi derrubada pelos carbonários, que assassinaram -- em 1908 -- o Rei Dom Manuel II e o seu filho, o herdeiro do trono, Príncipe Dom Carlos, com apenas 18 anos de idade), nas solenidades de coroação essa coroa ficava pousada, numa almofada, ao lado do novo rei ou rainha, e não na cabeça do novo soberano.

   Esta tradição foi iniciada com a Restauração da Independência Portuguesa, em 1º de dezembro de 1640, quando o Rei Dom João IV colocou a coroa real aos pés da imagem de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa – Padroeira de Portugal – afirmando que a Virgem Maria era a verdadeira Rainha da nação lusitana e de suas colônias, dentre as quais o Brasil. Esse gesto de Dom João IV foi seguido por seus sucessores até 1910, quando foi imposto o regime republicano aos portugueses, após o assassinato do Rei e seu herdeiro, em 1908.

     No entanto, as coroas, para investidura de novos soberanos portugueses, continuaram sendo confeccionadas, a partir de 1640.  A última feita – para a subida de Dom João VI ao trono, em 6 de fevereiro de 1818 – foi confeccionada no Rio de Janeiro, pois no Brasil morava a Família Real Portuguesa. 

      Esta coroa é guardada hoje numa das maiores caixas-fortes do Mundo, atrás de duas portas de cinco toneladas, e muito raramente é exposta (em solenidades especiais) no Palácio Nacional da Ajuda, em Lisboa, onde funciona o Museu do Tesouro Real. Portugal conserva, em vários aspectos,  a herança da sua gloriosa monarquia, cuja lembrança permanece viva na memória das novas gerações....

 

Bandeira do Reino de Portugal

(*)Armando Lopes Rafael é historiador. Sócio do Instituto Cultural do Cariri e membro-correspondente da Academia de Letras e Artes Mater Salvatoris, de Salvador (BA).


sábado, 23 de julho de 2022

Pessoas que marcaram o Cariri: Padre Antônio Gomes de Araújo -- por Armando Lopes Rafael(*)

 

Pe. Gomes, nos tempos iniciais do seu sacerdócio

    Nascido em Brejo Santo, em 6 de janeiro de 1900,  Padre Antônio Gomes de Araújo foi um dos grandes historiadores do Cariri. Aliás, ele dizia que não se considerava um historiador e sim um pesquisador. Viveu mais da metade de sua vida em Crato, mas, próximo da morte, retornou para sua cidade natal, onde faleceu em 26 de janeiro de 1989.  

   Em 1950, Pe. Gomes venceu um concurso na Bahia com a monografia “Formação da Gens Caririense”. Escreveu muitos opúsculos dentre os quais: “Naturalidade de Bárbara de Alencar” (1953); “Pe. Pedro Ribeiro da Silva–Fundador e Primeiro Capelão de Juazeiro do Norte” (1955); “Apostolado do Embuste” (1956); “1817 no Cariri” (1962); “Povoamento do Cariri” (1973). Em 1971, a Faculdade de Filosofia de Crato reuniu alguns de seus trabalhos no livro “A Cidade de Frei Carlos”.

     Padre Gomes era um sacerdote irrequieto e sem papas na língua. Dizia ele que se não tivesse sido ordenado sacerdote teria optado pela carreira militar. Colaborou, longos anos, com excelentes trabalhos de pesquisa, nas revistas “Itaytera”, “A Província” e “Hyhyté”, bem como no jornal “A Ação”, órgão oficial da Diocese de Crato. O semanário “A Ação” foi dirigido, durante alguns anos, pelo notável Monsenhor Pedro Rocha de Oliveira. Este mantinha uma coluna naquele periódico com o título “Alfinetadas”. Nessa coluna, Mons. Rocha fazia a defesa da doutrina católica e combatia implacavelmente as ideias socialistas/comunistas.

     Certo dia, ministrando uma aula de História do Brasil, no tradicional Colégio Diocesano de Crato, Pe. Gomes foi interrompido por uma pergunta de aluno:

   – “Padre, é pecado utilizar as folhas do jornal “A Ação” como papel higiênico? ”

Padre Gomes respondeu de chofre:

    – “É não! Livre-se das “Alfinetadas” de Monsenhor Rocha e faça bom uso”...

(*) Armando Lopes Rafael é historiador

Crato foi consagrado à Santíssima Trindade desde o seu nascedouro – por Armando Lopes Rafael (*)

Atual Catedral de Crato, originada da capelinha de taipa, coberta de palha, construída por Frei Carlos Maria de Ferrara, para a Missão do Miranda

   A doutrina católica nos ensina que qualquer casa destinada ao culto do verdadeiro Deus – desde a mais humilde capelinha rural, até a mais pomposa catedral – é destinada a Celebrar a Santíssima Trindade, fonte de onde emana a Santa Igreja Católica Apostólica Romana. A Trindade Santíssima – Pai, Filho e Espírito Santo é o mistério central da fé cristã. Bem definiu o falecido teólogo Dom Valfredo Tepe, Bispo de Ilhéus (BA): “O Pai projeta a Igreja, Jesus a funda e o Espírito Santo a administra”.

   Isso explica porque o frade capuchinho Frei Carlos Maria de Ferrara, fez gravar – numa pedra – as palavras abaixo, quando ergueu uma humilde capelinha de taipa, coberta de palha, na Missão do Miranda, origem da atual cidade de Crato:

Uni Deo et Trino
Deiparae Virgini
Vulgo – a Penha
S Fideli mission.º S.P.N. Fran, ci Capuccinor.m
Protomartyri de Propaganda Fide
Sacellum hoc
Zelo, humilitate labore
D. D.
Sup. Ejusdem Sancti.i Consocy F.F.
Kalendis January
Anno Salutis  MDCCXLV.

   Nessa inscrição, feita por Frei Carlos Maria de Ferrara,  constava que a capelinha fora consagrada (em janeiro de 1745)  a Deus Uno e Trino e, de modo especial, a Nossa Senhora da Penha (Padroeira de Crato) e a São Fidelis de Sigmaringa, este último, o co-padroeiro desta cidade.

(*) Armando Lopes Rafael é historiador.

sexta-feira, 22 de julho de 2022

República: caos e frustração coletiva (*)

 No próximo dia 7 de setembro, o Brasil vai completar duzentos anos de independência política. As comemorações serão fraquíssimas. Mas é tempo para uma reflexão do que tem sido as atividades políticas na nossa pátria.


     Nascida através de um golpe, à revelia da vontade da população brasileira, a república, ao longo de 132 anos de existência,  tem simbolizado  os interesses (nem sempre legítimos) de grupos e partidos, em detrimento do bem geral. Acompanhe alguns fatos do período republicano no Brasil.

A  República em números

E toda bagunça começou c0m o Marechal Deodoro

Em pouco mais de 130 anos, a república acumula:
•    2 estados de sítio,
•    17 atos institucionais,
•    6 dissoluções do Congresso,
•    19 rebeliões,
•    2 renúncias presidenciais,
•    3 presidentes impedidos de tomar posse,
•    5 presidentes depostos,
•    7 Constituições diferentes,
•    2 longos períodos ditatoriais,
•    9 governos autoritários.
•    Depois de proclamada a república, nossa pátria já teve – no espaço de 105 anos – 9 (nove) moedas e até a implantação do Plano real viveu debaixo da mais desordenada inflação.  

A República não é democrática

   República não é sinônimo de democracia. Ao contrário, no caso brasileiro, o país já assistiu a ascensão de governos ditatoriais, com presidentes que subiram ao poder sem o voto popular. Além de ter nascido com um golpe, os 5 primeiros anos da república foram marcados por uma feroz ditadura, que cerceou liberdades e levou o país a uma crise sem precedentes. Os anos posteriores foram marcados por governos eleitos com baixíssima representação popular, ficando conhecido como política "Café com Leite", onde uma oligarquia raivosa, que odiava a Princesa Dona Isabel, por ter assinado a Lei Áurea, se revezava no poder. Eram os ricos fazendeiros, os antigos escravocratas, de São Paulo e Minas Gerais, que ditavam as regras.

   Passando pelas ditaduras de Getúlio Vargas ou dos Militares, a democracia na república pouco evoluiu. Os casos de crise e corrupção, largamente difundidos, até 2018,  são um reflexo da desvantagens deste sistema. O presidente quando se elege, sempre deve favores a todos que contribuíram para seu sucesso pessoal, tem vínculos partidários e é ligado a empresas e organizações privadas. A troca de favores é facilitada e este cargo é encarado como uma ascensão política dentro do partido.

    Segundo publicação da revista Superinteressante, dos mais de 30 presidentes que o Brasil já teve, "só 5 presidentes eleitos completaram o mandato em 90 anos". Completando ainda que, "em 129 anos de República, o Brasil teve até hoje 36 governantes – apenas um terço deles (12) foi eleito diretamente e terminou o mandato. De 1926 pra cá, a proporção é ainda mais absurda: dentre 25 presidentes, apenas 5 foram eleitos pelo voto popular e permaneceram no posto até o fim: Eurico Gaspar Dutra, Juscelino Kubitschek, Lula, FHC e Dilma (apenas no seu primeiro mandato, pois a “presidenta” – como exigia ser chamada – sofreu impeachment no segundo mandato). 

(*) Fonte: excertos de um artigo publicado no site:  https://imperiobrasileiro- rs.blogspot.com/2020/03/republica-caos-e-corrupcao.html)


segunda-feira, 18 de julho de 2022

Os monarquistas do Cariri por Armando Lopes Rafael (*)

A revista “A Província”, edição de nº 39, recém-lançada durante a Expocrato publicou a matéria abaixo:

Há mais de quarenta anos existe no Sul do Ceará o Círculo Monárquico do Cariri

    Dentre as centenas de regiões formantes deste Brasil continental, uma delas – o Cariri cearense – tem um lugar de realce. A começar por suas geomorfologias naturais, onde se destaca a Bacia Sedimentar do Araripe, um acidente geográfico e sítio paleontológico, oriunda do período cretáceo. Essa Bacia é emoldurada pela Chapada do Araripe, alta e extensa formação arenítica, a sediar a primeira reserva florestal criada – em 1946 – no Brasil. Em tempos recentes, delimitou-se, no entorno dessa chapada, uma nova área de proteção ambiental.  E culminou com a criação do Geoparque Araripe, o primeiro do continente americano e do Hemisfério Sul reconhecido pela UNESCO.

    O Cariri sobressai também por seu patrimônio cultural, suas tradições católicas (com destaque para a religiosidade popular) e ainda pela memória de alguns dos seus episódios históricos. Neste último há lugar para registros de resistências contrarrevolucionárias ocorridas no Sul do Ceará. Outra característica do Cariri (quiçá única no interior nordestino) foi que aqui viveram, nos últimos dois séculos, valorosos adeptos da forma de governo monárquica. Aliás, desde o século XIX, o Cariri foi um foco de apoio à monarquia brasileira. Caririenses de diversas camadas sociais se destacaram como arautos da defesa da monarquia. Sobre algumas dessas lideranças monarquistas caririenses – todas já falecidas – faremos um breve e sumário resgate.

   Desde os anos 1800, nas cidades de Crato, Jardim e Barbalha, lideranças se amparavam no Direito Natural para fazer proselitismo das vantagens da monarquia.  E o que é esse tal de Direito Natural? Ele resulta da ordem posta por Deus na Criação. De origem divina, o Direito Natural assegura ao homem o direito à vida, a constituir família, à propriedade, ao trabalho, ao salário justo, à cultura, à educação, à prática da verdadeira religião, dentre outros. E, como afirmava Cícero, “tudo isso emana da própria natureza”. Independentemente da vontade do homem. Trata-se, pois, de um direito que se antecipou, em centenas de séculos, ao surgimento da instituição “Estado”. O Direito Natural não foi uma concessão do Estado. Nem depende deste. É a base dos princípios que regem, até hoje, as modernas monarquias parlamentaristas constitucionais, ainda existentes no mundo. E todas elas vão “muito bem, obrigado”.

O “sonho” da monarquia

   Talvez você nem saiba, mas, no sentido da linguagem corrente moderna, existem hoje duas formas de governo: Monarquia e República. No nosso país, as novas gerações, de 1889 para cá, desconhecem o que é a instituição monárquica. Mas o leitor certamente já ouviu falar que muitos brasileiros andam torcendo para o Brasil voltar a ter um monarca. Desiludidos com os descalabros da atual República, implantada pela força de um golpe de Estado, homens e mulheres, jovens e velhos dos vários extratos sociais desta nação continental anseiam pela volta da monarquia. Isto mesmo. Querem o retorno do velho regime que existiu – por quase 400 anos – no Brasil. Desde nosso “descobrimento” (em 1500), até 15 de novembro de 1889 (data em que uma minoria de militares “proclamou” a República, banindo para um injusto exílio a nossa honrada Família Imperial).

      Oxente! mas a monarquia não é uma velharia do passado? 

   Ledo engano! O Dr. Armando Alexandre dos Santos, autor de 64 livros, cujas obras já ultrapassam 1 milhão e 400 mil exemplares publicados, professor do Mestrado na Universidade do Sul de Santa Catarina–UNISUL declarou: “A monarquia, longe de ser uma forma de governo arcaica e ultrapassada, é moderníssima e de grande maleabilidade. Muitos a criticam por puro preconceito ou por desconhecimento, mas ela é, ao meu ver, um caminho viável para o Brasil atual. Pode parecer um sonho, mas, como escreveu Fernando Pessoa, “Deus quer, o homem sonha e a obra nasce”. Por outro lado, se a monarquia parece um sonho, a república que temos no Brasil, sem dúvida, é um pesadelo”

     Sim, ainda existem doutores de universidades que não são marxistas!

     Oportuno acrescentar que, na última lista do “ranking” das 15 (quinze) nações do mundo com melhor Índice de Desenvolvimento Humano–IDH, apurado, em 2019, pela ONU, 8 (oito) delas são monarquias. Ou seja, atualmente mais de 50% dos países que estão no topo da riqueza e do desenvolvimento do universo têm um rei ou uma rainha como Chefe de Estado.

      Eis aí um fato para reflexão...

Monarquistas do Cariri

        Voltemos ao tema central deste artigo. Como afirmamos acima, desde o primeiro quartel do século XIX, o Cariri foi palco de reações antirrepublicanas. Em 3 de maio de 1817, a partir de um gesto simbólico do seminarista José Martiniano de Alencar, este “proclamou” – no púlpito da igreja-matriz de Crato, durante a celebração de uma missa – a “instauração” da forma republicana de governo na antiga Vila Real do Crato. Surpresa geral dos presentes! E tema das conversas, nos dias seguintes, da população! A reação ao inopinado ato do jovem José Martiniano de Alencar só viria 8 dias depois. Sob a liderança do Brigadeiro Leandro Bezerra Monteiro – Comandante do Regimento de Cavalaria das Milícias de Crato – com apoio de alguns proprietários rurais e seus “agregados” o vilarejo foi invadido no domingo, 11 de maio. Pânico e correria dos republicanos. O poder que estes haviam usurpado foi devolvido às autoridades reais sem necessidade de se disparar um único tiro.  

               Participou dessa “contrarrevolução” de 1817, na Vila Real do Crato, o famoso caudilho e monarquista convicto, Joaquim Pinto Madeira. Oriundo de Barbalha, mas com atividades econômicas também na Vila da Barra do Jardim (hoje cidade de Jardim), este caudilho viria, em 1832, a pegar novamente em armas. Foi quando invadiu com suas tropas várias vilas do Sul do Ceará, com o objetivo de garantir a continuidade do Reinado de Dom Pedro I, afastado do Trono por uma renúncia voluntária.  Pinto Madeira supunha, erroneamente, que a saída de Dom Pedro I do Brasil se devesse aos políticos liberais...

         De um modo geral, o povo brasileiro sempre se manteve alheio à pregação da minoria dos republicanos. No entanto, essa parcela – com participação de militares positivistas e antimonarquistas – conseguiu implantar a República no Brasil, através do golpe de Estado de 15 de novembro de 1889. As seis sucessivas e efêmeras Constituições republicanas fizeram constar sempre nos seus textos as “cláusulas pétreas” que proibiam qualquer propaganda pública em favor da causa monárquica. Nem por isso os monarquistas sul-cearenses se acomodaram. Nas décadas 1930/1940, eles adotaram a tática da “Igreja do Silêncio”. E faziam discretos proselitismos pró-monarquia em recintos fechados. Em Crato, não poderíamos deixar de citar o admirável trabalho levado a efeito, nesse sentido, pelo ilustre Prof. José Denizard Macedo de Alcântara.

        Já em Juazeiro do Norte, é de justiça resgatar a atuação de Antônio Corrêa Celestino, Dr. Edward Teixeira Ferrer, Olívio de Oliveira Barbosa, dentre outros, todos também falecidos. Quanto a Barbalha, a bandeira monarquista foi honrada por José de Sá Barreto Sampaio – mais conhecido como Zuca Sampaio – chamado de “Sertanejo de Escol”, pelo escritor Padre Azarias Sobreira. Dos filhos de Zuca Sampaio o que mais conservou as ideias do pai foi o comerciante e político Antônio Costa Sampaio. Este soube manter a chama monárquica, principalmente junto aos seus filhos. Ideal que chegou aos seus netos e bisnetos dos dias atuais. Em Barbalha merecem ser citados também os saudosos monarquistas Dr. Antônio Marchet Callou, Dr. Giovanni Livônio Sampaio, Antônio Gondim Sampaio, Dr. Fabriano Livônio Sampaio, pessoas de elevada estatura moral e de projeção social naquela cidade.

Reflexões sobre o Brasil Imperial

   O Príncipe Dom Luiz de Orleans e Bragança, atual Chefe da Casa Imperial do Brasil, escreveu esta análise: “No tempo do Império, havia estabilidade política, administrativa e econômica; havia honestidade e seriedade em todos os órgãos da administração pública e em todas as camadas da população; havia credibilidade do País no exterior; havia dignidade, havia segurança, havia fartura, havia harmonia”.  

     Verdade. Os tempos imperiais foram o apogeu do grande surto de progresso experimentado pelo Brasil, no século XIX. Pontificava, à época, o Estado de Direito, limitado pela Ordem Jurídica vigente com os quatro poderes agindo separadamente, mas em harmonia com vistas ao bem comum. Havia a garantia e respeito às liberdades civis. Quando ocorreu o golpe de Estado que implantou a forma republicana entre nós, o então Presidente da Venezuela – Juan Pablo Rojas Paúl – sabedor do zelo que Dom Pedro II tinha pela res publica (literalmente, “coisa pública”) declarou: “Foi-se a única República do Hemisfério Sul.”

    Na monarquia brasileira, a inflação média anual era de apenas 1,5%. E durante toda a sua existência até 1889, o Brasil só teve uma moeda: o “Réis”. Diga-se, de passagem, uma moeda estável e forte, correspondente a 0,9 (nove décimos) do grama de ouro e equivalente ao dólar e à libra esterlina. Depois de proclamada a república, nossa pátria já teve – no espaço de 105 anos – 9 (nove) moedas. Ou seja, trocou de padrão monetário, a cada 14 (quatorze) anos... Fato inédito na história das nações. O Brasil Império era um país do primeiro mundo, junto aos Estados Unidos, Inglaterra e Alemanha. A diplomacia brasileira era uma das mais importantes do mundo de então. Diversas vezes, o Imperador Dom Pedro II foi chamado para ser o árbitro de questões envolvendo a Itália, França e Alemanha. Sob a monarquia, o Brasil possuía a segunda Marinha de Guerra do mundo. E foi o primeiro país do continente americano a implantar a novidade dos Correios e Telégrafos.  

    Segundo Ruy Barbosa: “O Parlamento do Império era uma escola de estadistas e na República virou uma praça de negócios”. Eis aí a “ponta do iceberg” do Brasil republicano. Na República, não conhecemos mais estadistas, apenas governantes. E governantes mais interessados nos seus próprios interesses do que nos altos interesses da nação. No mais, como escreveu Jhonnatha Fernandes: “A república no Brasil é um acidente, um acidente que custou e custa muito caro ao nosso país. Graças ao atabalhoado golpe liderado por um marechal do exército que só queria retirar (o Primeiro Ministro, Visconde de) Ouro Preto do Ministério, o Brasil foi entregue às oligarquias regionais e desde então não sabe o que é ter um estadista no poder”.

(*) Armando Lopes Rafael é historiador.

sexta-feira, 15 de julho de 2022

Morreu Dom Luiz de Orleans e Bragança -- por Armando Lopes Rafael (*)

 

Uma vida longa e plena de significado! Assim foi a existência deste príncipe...

   No último dia 08.07.2022, um Comunicado sobre o estado de saúde e a hospitalização do Príncipe Dom Luiz – distribuído pela Casa Imperial do Brasil – já preparava nosso espírito: “Infelizmente, na opinião dos médicos, seu quadro é considerado irreversível”. Com profundo pesar,  na tarde desta sexta-feira, dia 15 de julho, o Secretariado da Casa Imperial do Brasil anunciou o falecimento de Dom Luiz.

    As palavras são insuficientes para traduzir – na plenitude – a grandeza moral e cívica do Príncipe Dom Luiz. Muitos, só agora, se deram conta da influência que ele exerceu junto à sociedade brasileira. Dom Luiz inspirava não só os monarquistas. Ia além. Influenciava outras correntes de opinião conservadoras existentes no Brasil. Espalhava sólidos e perenes princípios de catolicidade, brasilidade, honestidade, retidão, patriotismo e honradez.  

    A mídia brasileira – “A mais sórdida do mundo” – (na feliz expressão do saudoso Cardeal Primaz Dom Lucas Neves), tão pródiga em divulgar futilidades e mediocridades, pouco noticiava as ações de Dom Luiz.  Talvez porque as atitudes de Dom Luiz sempre foram dignas e sérias. Dele nunca se ouviu falar num único gesto – por pequeno que fosse – que viesse a tisnar sua irrepreensível conduta ética. O Chefe da Casa Imperial Brasileira foi como um farol – sempre aceso – a espargir coerência, credibilidade e civismo; a iluminar o lado obscuro deste confuso e desordenado Brasil republicano.


Quem é quem

   Tetraneto de Dom Pedro I, trineto de Dom Pedro II e bisneto da Princesa Isabel, o Príncipe Dom Luiz Gastão Maria José Pio Miguel Gabriel Rafael Gonzaga de Orleans e Bragança e Wittelsbach (este o seu nome completo) tinha nas veias o sangue de reis e santos que fizeram história. Dentre seus ilustres ancestrais estão Carlos Magno, um dos mais importantes imperadores da Idade Média, senhor absoluto do Sacro Império Romano; o Rei São Luiz IX da França e Nuno Álvares Pereira, também conhecido por São Nuno de Santa Maria, fundador da Casa de Bragança, conhecido como o “Santo Condestável do Reino de Portugal”.

   Dom Luiz de Orleans e Bragança – devido ao longo e injusto exílio imposto à Família Imperial – nasceu na França, na cidade de Mandelieu, em 6 de junho de 1938. Foi o primogênito do casal Dom Pedro Henrique de Orleans e Bragança e Dona Maria Isabel da Baviera. Aquele, neto e sucessor dinástico da Princesa Isabel, de quem recebeu a Chefia da Casa Imperial do Brasil. Esta, uma princesa alemã, nascida na família Wittelsbach – titular da Casa Real Bávara – neta de Rei Ludwig III, último monarca da Baviera. Ao nascer, Dom Luiz foi registrado no Consulado Geral do Brasil em Paris. Ele amou, como poucos brasileiros o fizeram, a sua pátria.


Seu pai, o Príncipe Dom Pedro Henrique

“A educação de um homem começa 100 anos antes do seu nascimento”
(Napoleão Bonaparte)

   Considerando a frase acima e antes de acrescentar novas informações sobre Dom Luiz, somos impelidos a discorrer sobre o pai dele, Dom Pedro Henrique. Este, ainda no exílio já era denominado, no Brasil, de “O Príncipe Esperado”. E aqui chegando, Dom Pedro Henrique passou a ser chamado   de “Condestável das Saudades e Esperanças”. Somente em 1945, após o fim da Segunda Guerra Mundial, ele, sua esposa Dona Maria da Baviera e os quatro primeiros filhos nascidos desse casal puderam deixar a Europa e fixar residência no Brasil. Aqui, a família enfrentou dificuldades financeiras.   Logo ao chegar – e tentar reaver seus bens, localizados na cidade de Petrópolis, ou seja, a parte que lhe cabia da herança da Princesa Isabel – Dom Pedro Henrique sofreu uma grande decepção.  Aqueles imóveis tinham sido repassados (antes do seu retorno ao Brasil) por um procurador que abusou da confiança do Príncipe. Tinham sido transferidos para outro membro da Família Imperial, aqui chegado antes de Dom Pedro Henrique.  

    Não conseguindo anular a transação e com os parcos recursos trazidos da Europa já minguando, Dom Pedro Henrique passou por contratempos até 1951. No entanto, naquele ano, um bondoso e rico português, ao falecer, deixou para Dom Pedro Henrique o legado de um valioso imóvel comercial, situado na Rua do Ouvidor, no Rio de Janeiro. Com a venda desse prédio, Dom Pedro Henrique conseguiu comprar uma pequena fazenda – com área de 174 hectares – localizada no município de Jacarezinho, Norte do Paraná, à época uma pujante fronteira agrícola do Brasil. Para lá Dom Pedro Henrique se mudou, com a esposa e os seis filhos (mais dois tinham nascido no Rio de Janeiro). A esses se juntariam mais seis rebentos nascido no Paraná. Doze foi, portanto, o total dos filhos do casal. No Paraná todos viveram vários anos.

   Apesar de oriundo da nobreza, Dom Pedro Henrique revelou aptidão para os afazeres de um pequeno proprietário rural brasileiro. Plantava café e cereais. Tinha uma pequena criação de gado.  Em 1957, com o fruto dessas atividades, conseguiu permutar sua primeira propriedade rural por outra, um pouco maior – a Fazenda Santa Maria – situada no município de Jundiaí do Sul. Na década de 1960, com os filhos já encaminhados, Dom Pedro Henrique, vendeu essa última propriedade e adquiriu outra – igualmente pequena – no município de Vassouras, no Estado do Rio de Janeiro. Lá, instalou uma granja e lá viveu até sua morte, ocorrida em 1981.

A missão de Dom Luiz

     Dom Pedro Henrique exerceu forte influência na formação dos filhos. Herdeiro, pela primogenitura, da Chefia da Casa Imperial do Brasil, o Príncipe Dom Luiz de Orleans e Bragança cumpriu à risca as orientações recebidas do pai. Este sempre repetiu para os 12 filhos: “As circunstâncias não me permitem que lhes deixe uma fortuna material considerável. Mas três coisas faço questão de deixar: em primeiro lugar, a Fé Católica Apostólica Romana, herdada de nossos maiores; em segundo lugar, uma boa educação; e, em terceiro lugar, a consciência da missão histórica da nossa família”.

    Adolescente, Dom Luiz foi enviado para estudar num bom colégio do Rio de Janeiro. Posteriormente seguiu para a Europa, onde cursou Ciências Políticas e Sociais na Universidade de Paris (França). Em seguida, foi estudar Química e Física, na Universidade de Munique (Alemanha), terra da sua mãe, onde residiam alguns parentes maternos. Conquistado o diploma de Engenheiro Químico, retornou em 1967 ao Brasil, fixando-se em São Paulo, onde viveu sempre modestamente. Manteve, durante toda a vida, a coerência nas decisões e atitudes. Com a morte de Dom Pedro Henrique, em 1981, Dom Luiz assumiu a Chefia da Casa Imperial do Brasil. Nesta função exerceu um trabalho discreto e eficiente. Manteve acesa a chama do ideal monárquico no Brasil.

O Legado de Dom Luiz

   Para os monarquistas, Dom Luiz foi sempre o Imperador de jure do Brasil, cumprindo exemplarmente seu dever de herdeiro do Trono Brasileiro. E fê-lo enfrentando as muitas limitações existentes até 1988. A principal delas: a famigerada “cláusula pétrea” – um dispositivo constitucional, inserida na série das cinco e efêmeras constituições republicanas. Estas promulgadas em 1891, 1934, 1937, 1946 e 1967. Haja constituições! A tal cláusula proibia qualquer questionamento à forma de governo republicana, imposta, ao povo brasileiro, pelo golpe de 15 de novembro de 1889. Somente com a promulgação da 6ª (sexta) Constituição da República (a de 1988, atualmente vigente) mencionada cláusula foi retirada da “Carta Magna”. Também devemos este benefício a uma iniciativa de Dom Luiz.

     Explico. Em 1987, durante a última Constituinte, Dom Luiz redigiu e enviou uma “Carta aos Srs. Membros da Assembleia Nacional Constituinte”. Nela mostrava a incoerência de se manter a citada “cláusula pétrea” na mais recente “Carta Magna” republicana. Não fosse essa ação de Dom Luiz, a injusta e antidemocrática cláusula pétrea continuaria a punir ad eternum os monarquistas brasileiros. Em 1987 vivíamos a promessa de uma “Nova República” – aquela época pregada por Tancredo Neves – prometendo uma “anistia política”. Esse perdão – anunciado com estardalhaço como “amplo, geral e irrestrito” – constava no rascunho da futura constituição. Entretanto, a “anistia” deixava de fora os defensores da forma de governo monárquica. Por conta do pedido de Dom Luiz, os constituintes de 1987 revogaram, enfim, a “cláusula pétrea”. Livre desse entulho discricionário ressurgiram as campanhas e o proselitismo em favor da monarquia.  E, a partir daí, o movimento pró monarquia no Brasil só fez crescer. E o mais admirável: a maioria desse movimento é feito por jovens.

       (*) Armando Lopes Rafael é historiador.

Subsídios de Consulta para este artigo:

Livro: “Dom Pedro Henrique, O Condestável das Saudades e da Esperança”, escrito por Armando Alexandre dos Santos, publicado por Artpress Indústria Gráfica e Editora Ltda. São Paulo, em 2006.

domingo, 3 de julho de 2022

Coração do Imperador Dom Pedro I será enviado ao Brasil para as comemorações do bicentenário da nossa independência

 

    O coração do Imperador Dom Pedro I é conservado até hoje e está guardado numa igreja da cidade do Porto(Portugal)

 O Imperador do Brasil, Dom Pedro I (que também foi o Rei Dom Pedro IV de Portugal) deixou seu coração, em testamento, à cidade de Porto, em reconhecimento ao apoio que recebeu do povo daquela cidade, na Guerra Civil Portuguesa, que travou contra o irmão, o Rei Dom Miguel I de Portugal, para devolver o Trono à Soberana legítima, sua filha, a Rainha Dona Maria II de Portugal. Desde 1972, ano do Sesquicentenário da Independência do Brasil, o corpo do Imperador repousa na Cripta Imperial sob o Monumento à Independência do Brasil, em São Paulo. Permanece em Portugal apenas o coração do Imperador Dom Pedro I, guardado na igreja de Nossa Senhora da Lapa, de Porto.

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    A Agência Brasil, órgão do Governo Federal, confirmou a boa notícia: “Portugal vai mandar ao Brasil uma relíquia de 187 anos, como parte das comemorações do bicentenário da nossa independência. A notícia sobre o translado do coração de Dom Pedro I foi divulgada na página oficial da Câmara do Porto, após uma perícia do Instituto de Medicina Legal. A equipe contou com peritos das áreas de anatomia, medicina legal, genética e biologia forense, além de especialistas, docentes e investigadores de importantes faculdades de medicina da cidade portuguesa”.  

   “O transporte ficará a cargo da Força Aérea Brasileira e será acompanhado pelo presidente da Câmara do Porto, Rui Moreira, que deu alguns detalhes do processo, como a necessidade de um ambiente pressurizado, para o transporte e também a exigência de um compromisso de estado entre os dois países irmãos. As comemorações do bicentenário da independência do Brasil vão ocorrer ao longo do mês de setembro e contarão com a presença do Presidente de Portugal Marcelo Rebelo de Sousa”.

     “Primeiro imperador do país, Dom Pedro I declarou a independência do Brasil em 1822. Já em 1831, ele abdicou do trono em favor do filho, Pedro II, e retornou para Portugal, onde morreu três anos depois”.


Postado por Armando Lopes Rafael