A revista “A Província”, edição de nº 39, recém-lançada durante a Expocrato publicou a matéria abaixo:
Há mais de quarenta anos existe no Sul do Ceará o Círculo Monárquico do Cariri
Dentre as centenas de regiões formantes deste Brasil continental, uma delas – o Cariri cearense – tem um lugar de realce. A começar por suas geomorfologias naturais, onde se destaca a Bacia Sedimentar do Araripe, um acidente geográfico e sítio paleontológico, oriunda do período cretáceo. Essa Bacia é emoldurada pela Chapada do Araripe, alta e extensa formação arenítica, a sediar a primeira reserva florestal criada – em 1946 – no Brasil. Em tempos recentes, delimitou-se, no entorno dessa chapada, uma nova área de proteção ambiental. E culminou com a criação do Geoparque Araripe, o primeiro do continente americano e do Hemisfério Sul reconhecido pela UNESCO.
O Cariri sobressai também por seu patrimônio cultural, suas tradições católicas (com destaque para a religiosidade popular) e ainda pela memória de alguns dos seus episódios históricos. Neste último há lugar para registros de resistências contrarrevolucionárias ocorridas no Sul do Ceará. Outra característica do Cariri (quiçá única no interior nordestino) foi que aqui viveram, nos últimos dois séculos, valorosos adeptos da forma de governo monárquica. Aliás, desde o século XIX, o Cariri foi um foco de apoio à monarquia brasileira. Caririenses de diversas camadas sociais se destacaram como arautos da defesa da monarquia. Sobre algumas dessas lideranças monarquistas caririenses – todas já falecidas – faremos um breve e sumário resgate.
Desde os anos 1800, nas cidades de Crato, Jardim e Barbalha, lideranças se amparavam no Direito Natural para fazer proselitismo das vantagens da monarquia. E o que é esse tal de Direito Natural? Ele resulta da ordem posta por Deus na Criação. De origem divina, o Direito Natural assegura ao homem o direito à vida, a constituir família, à propriedade, ao trabalho, ao salário justo, à cultura, à educação, à prática da verdadeira religião, dentre outros. E, como afirmava Cícero, “tudo isso emana da própria natureza”. Independentemente da vontade do homem. Trata-se, pois, de um direito que se antecipou, em centenas de séculos, ao surgimento da instituição “Estado”. O Direito Natural não foi uma concessão do Estado. Nem depende deste. É a base dos princípios que regem, até hoje, as modernas monarquias parlamentaristas constitucionais, ainda existentes no mundo. E todas elas vão “muito bem, obrigado”.
O “sonho” da monarquia
Talvez você nem saiba, mas, no sentido da linguagem corrente moderna, existem hoje duas formas de governo: Monarquia e República. No nosso país, as novas gerações, de 1889 para cá, desconhecem o que é a instituição monárquica. Mas o leitor certamente já ouviu falar que muitos brasileiros andam torcendo para o Brasil voltar a ter um monarca. Desiludidos com os descalabros da atual República, implantada pela força de um golpe de Estado, homens e mulheres, jovens e velhos dos vários extratos sociais desta nação continental anseiam pela volta da monarquia. Isto mesmo. Querem o retorno do velho regime que existiu – por quase 400 anos – no Brasil. Desde nosso “descobrimento” (em 1500), até 15 de novembro de 1889 (data em que uma minoria de militares “proclamou” a República, banindo para um injusto exílio a nossa honrada Família Imperial).
Oxente! mas a monarquia não é uma velharia do passado?
Ledo engano! O Dr. Armando Alexandre dos Santos, autor de 64 livros, cujas obras já ultrapassam 1 milhão e 400 mil exemplares publicados, professor do Mestrado na Universidade do Sul de Santa Catarina–UNISUL declarou: “A monarquia, longe de ser uma forma de governo arcaica e ultrapassada, é moderníssima e de grande maleabilidade. Muitos a criticam por puro preconceito ou por desconhecimento, mas ela é, ao meu ver, um caminho viável para o Brasil atual. Pode parecer um sonho, mas, como escreveu Fernando Pessoa, “Deus quer, o homem sonha e a obra nasce”. Por outro lado, se a monarquia parece um sonho, a república que temos no Brasil, sem dúvida, é um pesadelo”.
Sim, ainda existem doutores de universidades que não são marxistas!
Oportuno acrescentar que, na última lista do “ranking” das 15 (quinze) nações do mundo com melhor Índice de Desenvolvimento Humano–IDH, apurado, em 2019, pela ONU, 8 (oito) delas são monarquias. Ou seja, atualmente mais de 50% dos países que estão no topo da riqueza e do desenvolvimento do universo têm um rei ou uma rainha como Chefe de Estado.
Eis aí um fato para reflexão...
Monarquistas do Cariri
Voltemos ao tema central deste artigo. Como afirmamos acima, desde o primeiro quartel do século XIX, o Cariri foi palco de reações antirrepublicanas. Em 3 de maio de 1817, a partir de um gesto simbólico do seminarista José Martiniano de Alencar, este “proclamou” – no púlpito da igreja-matriz de Crato, durante a celebração de uma missa – a “instauração” da forma republicana de governo na antiga Vila Real do Crato. Surpresa geral dos presentes! E tema das conversas, nos dias seguintes, da população! A reação ao inopinado ato do jovem José Martiniano de Alencar só viria 8 dias depois. Sob a liderança do Brigadeiro Leandro Bezerra Monteiro – Comandante do Regimento de Cavalaria das Milícias de Crato – com apoio de alguns proprietários rurais e seus “agregados” o vilarejo foi invadido no domingo, 11 de maio. Pânico e correria dos republicanos. O poder que estes haviam usurpado foi devolvido às autoridades reais sem necessidade de se disparar um único tiro.
Participou dessa “contrarrevolução” de 1817, na Vila Real do Crato, o famoso caudilho e monarquista convicto, Joaquim Pinto Madeira. Oriundo de Barbalha, mas com atividades econômicas também na Vila da Barra do Jardim (hoje cidade de Jardim), este caudilho viria, em 1832, a pegar novamente em armas. Foi quando invadiu com suas tropas várias vilas do Sul do Ceará, com o objetivo de garantir a continuidade do Reinado de Dom Pedro I, afastado do Trono por uma renúncia voluntária. Pinto Madeira supunha, erroneamente, que a saída de Dom Pedro I do Brasil se devesse aos políticos liberais...
De um modo geral, o povo brasileiro sempre se manteve alheio à pregação da minoria dos republicanos. No entanto, essa parcela – com participação de militares positivistas e antimonarquistas – conseguiu implantar a República no Brasil, através do golpe de Estado de 15 de novembro de 1889. As seis sucessivas e efêmeras Constituições republicanas fizeram constar sempre nos seus textos as “cláusulas pétreas” que proibiam qualquer propaganda pública em favor da causa monárquica. Nem por isso os monarquistas sul-cearenses se acomodaram. Nas décadas 1930/1940, eles adotaram a tática da “Igreja do Silêncio”. E faziam discretos proselitismos pró-monarquia em recintos fechados. Em Crato, não poderíamos deixar de citar o admirável trabalho levado a efeito, nesse sentido, pelo ilustre Prof. José Denizard Macedo de Alcântara.
Já em Juazeiro do Norte, é de justiça resgatar a atuação de Antônio Corrêa Celestino, Dr. Edward Teixeira Ferrer, Olívio de Oliveira Barbosa, dentre outros, todos também falecidos. Quanto a Barbalha, a bandeira monarquista foi honrada por José de Sá Barreto Sampaio – mais conhecido como Zuca Sampaio – chamado de “Sertanejo de Escol”, pelo escritor Padre Azarias Sobreira. Dos filhos de Zuca Sampaio o que mais conservou as ideias do pai foi o comerciante e político Antônio Costa Sampaio. Este soube manter a chama monárquica, principalmente junto aos seus filhos. Ideal que chegou aos seus netos e bisnetos dos dias atuais. Em Barbalha merecem ser citados também os saudosos monarquistas Dr. Antônio Marchet Callou, Dr. Giovanni Livônio Sampaio, Antônio Gondim Sampaio, Dr. Fabriano Livônio Sampaio, pessoas de elevada estatura moral e de projeção social naquela cidade.
Reflexões sobre o Brasil Imperial
O Príncipe Dom Luiz de Orleans e Bragança, atual Chefe da Casa Imperial do Brasil, escreveu esta análise: “No tempo do Império, havia estabilidade política, administrativa e econômica; havia honestidade e seriedade em todos os órgãos da administração pública e em todas as camadas da população; havia credibilidade do País no exterior; havia dignidade, havia segurança, havia fartura, havia harmonia”.
Verdade. Os tempos imperiais foram o apogeu do grande surto de progresso experimentado pelo Brasil, no século XIX. Pontificava, à época, o Estado de Direito, limitado pela Ordem Jurídica vigente com os quatro poderes agindo separadamente, mas em harmonia com vistas ao bem comum. Havia a garantia e respeito às liberdades civis. Quando ocorreu o golpe de Estado que implantou a forma republicana entre nós, o então Presidente da Venezuela – Juan Pablo Rojas Paúl – sabedor do zelo que Dom Pedro II tinha pela res publica (literalmente, “coisa pública”) declarou: “Foi-se a única República do Hemisfério Sul.”
Na monarquia brasileira, a inflação média anual era de apenas 1,5%. E durante toda a sua existência até 1889, o Brasil só teve uma moeda: o “Réis”. Diga-se, de passagem, uma moeda estável e forte, correspondente a 0,9 (nove décimos) do grama de ouro e equivalente ao dólar e à libra esterlina. Depois de proclamada a república, nossa pátria já teve – no espaço de 105 anos – 9 (nove) moedas. Ou seja, trocou de padrão monetário, a cada 14 (quatorze) anos... Fato inédito na história das nações. O Brasil Império era um país do primeiro mundo, junto aos Estados Unidos, Inglaterra e Alemanha. A diplomacia brasileira era uma das mais importantes do mundo de então. Diversas vezes, o Imperador Dom Pedro II foi chamado para ser o árbitro de questões envolvendo a Itália, França e Alemanha. Sob a monarquia, o Brasil possuía a segunda Marinha de Guerra do mundo. E foi o primeiro país do continente americano a implantar a novidade dos Correios e Telégrafos.
Segundo Ruy Barbosa: “O Parlamento do Império era uma escola de estadistas e na República virou uma praça de negócios”. Eis aí a “ponta do iceberg” do Brasil republicano. Na República, não conhecemos mais estadistas, apenas governantes. E governantes mais interessados nos seus próprios interesses do que nos altos interesses da nação. No mais, como escreveu Jhonnatha Fernandes: “A república no Brasil é um acidente, um acidente que custou e custa muito caro ao nosso país. Graças ao atabalhoado golpe liderado por um marechal do exército que só queria retirar (o Primeiro Ministro, Visconde de) Ouro Preto do Ministério, o Brasil foi entregue às oligarquias regionais e desde então não sabe o que é ter um estadista no poder”.
(*) Armando Lopes Rafael é historiador.