quinta-feira, 12 de dezembro de 2024

Preciosidades da Catedral de Crato: A imagem de Nossa Senhora de Fátima -- por Armando Lopes Rafael (*)

 

Escultor José Ferreira Thedim e uma imagem da Virgem de Fátima 
por  ele esculpida

A origem da imagem

   Existe, numa capela lateral, no braço sul da Catedral de Crato, uma belíssima imagem de madeira de Nossa Senhora de Fátima. Medindo cerca de um metro de altura, essa estátua foi produzida em Portugal, em 1954, pelo escultor José Ferreira Thedim.  Este artesão foi o mesmo que esculpiu as demais imagens peregrinas da Virgem de Fátima, que percorreram o mundo na década 50 do século XX. Em novembro de 1953, Crato recebeu a visita de uma dessas imagens peregrinas. Foi um acontecimento apoteótico, marcante para os fiéis católicos desta cidade.  

   A tal ponto, que muitos fiéis cratenses pediram ao então Cura da Catedral, monsenhor Rubens Gondim Lóssio, para encetar uma campanha visando adquirir uma imagem similar para aquela igreja. A estátua foi então encomendada à oficina de José Ferreira Thedim, localizada na cidade de São Mamede do Coronado, em Portugal. Para confeccioná-la ele utilizou um toro de cedro brasileiro, ofertado pelo cratense João Bacurau.  Um ano depois, em 8 de dezembro de 1955, monsenhor Rubens Gondim Lóssio inaugurava uma capela lateral, na Catedral de Crato, construída para abrigar a imagem de Nossa Senhora de Fátima.

Quem foi José Ferreira Thedim

   Nascido em São Mamede do Coronado, em 1892, José Ferreira Thedim foi um renomado escultor sacro português. Ele ficou conhecido após esculpir várias imagens de Nossa Senhora de Fátima que peregrinaram pelo mundo. O pai de Thedim e seus irmãos também foram escultores. São Mamede do Coronado, localizada no concelho da Trofa, é conhecida, desde o século XIX, por sua produção de imagens sacras, esculpidas em madeira. Entretanto foi somente no século XX, que esta cidade ganhou maior projeção, devido à produção das imagens de Nossa Senhora de Fátima.  

    A primeira estátua de Nossa Senhora de Fátima, esculpida  em madeira de cedro,  media 1,10m. Esta estátua, Thedim realizou após ter conversado com  Lúcia dos Santos, uma das videntes das Aparições de Fátima, que seria a futura Irmã Lucia. A primeira imagem, bem como as seguintes, esculpidas para peregrinações pelo mundo, foram feitas em madeira de cedro do Brasil, vinda dos estados de São Paulo, Paraná e Santa Catarina.

   Tal foi a fama adquirida por Thedim, após esculpir essas imagens, que em 6 de dezembro de 1929, o Papa Pio XI procedeu a solenidade de bênção de uma estátua da Virgem de Fátima, executada por este escultor e destinada  a nova capela do Colégio Português em Roma, que é dedicada a Nossa Senhora de Fátima. O trabalho de Thedim ganhou fama internacional a ponto de o Papa Pio XI conceder-lhe o título de Comendador da Santa Sé. 

     Em agosto de 1941, a Irmã Lúcia fez novas revelações acerca da aparição de 13 de julho de 1917, na qual Nossa Senhora mostrou aos videntes o seu coração Imaculado. Foram então esculpidas novas imagens, agora sob a invocação do Sapiencial e Imaculado Coração de Maria. A primeira delas, também da autoria de José Ferreira Thedim se encontra no Convento das Carmelitas de Coimbra, em Portugal. 

    Em 1947, Thedim decidiu criar uma nova estátua da Virgem Maria. E, novamente, conversou com a Irmã Lúcia, para conseguir informações mais fidedignas de Nossa Senhora de Fátima. Paralelamente, o Bispo de Leiria escreveu à Irmã Lúcia sobre a possibilidade de enviar a imagem existente na Capelinha das Aparições (na Basílica de Fátima),  para visitar diversas partes do mundo, a fim de atender a inúmeros pedidos de fiéis católicos que desejam conhecer a representação da Virgem de Fátima. Em resposta, por carta, Irmã Lúcia sugeriu que a nova estátua, ora em finalização pelo escultor Thedim, fosse utilizada como imagem peregrina, por possuir semelhança com o rosto da santíssima Virgem. 

    O Bispo de Leiria acatou a sugestão da Irmã Lúcia. E no dia 13 de maio de 1947, ele procedeu à benção, denominando-a Estátua Peregrina Internacional de Nossa Senhora de Fátima. No entanto, dada a quantidade de solicitações, vindas de muitas nações, para a receber essa Imagem Peregrina, foi esculpida uma segunda estátua por José Ferreira Thedim. Ambas as imagens percorreram a maioria das nações do globo. Uma delas visitou a cidade de Crato no dia 13 de novembro de 1953. Essa imagem consolidou a veneração do povo cratense por Nossa Senhora de Fátima.  Hoje,

   Crato tem um monumento de Nossa Senhora considerado o maior do mundo para essa invocação. Existe outro pequeno monumento de Nossa Senhora de Fátima, onde funcionou o extinto Aeroporto de Fátima, localizado na Chapada do Araripe, município de Crato. Nesta cidade foi criada, também, uma paróquia dedicada a Virgem de Fátima. Sua igreja-matiz é ampla e acolhedora. Quanto a José Ferreira Thedim, ele morreu em 1971, em São Mamede do Coronado, aos 79 anos de idade.

(*) Armando Lopes Rafael é historiador.


sexta-feira, 13 de setembro de 2024

Afinal, o que é essa devoção a "Nossa Senhora das Lágrimas" tão difundida nos últimos tempos?

   (Parte 1) 

 

  Nossa Senhora das Lágrimas como apareceu à Irmã  Amália  Aguirre:
véu branco cobrindo o peito; manto azul e túnica lilás

Primeiro ponto:  

  Repondo a verdade dos fatos: esta devoção não está sendo apenas difundida nos dias atuais. Ela tem quase cem anos de existência. Na verdade, a “Coroa das Lágrimas de Nossa Senhora” é uma devoção religiosa católica que resultou das várias aparições feitas – pela Virgem Maria –   à Irmã Amália Aguirre, freira da Congregação das Irmãs de Jesus Crucificado, ocorridas no convento da congregação, cuja sede é a cidade de Campinas, no Estado de São Paulo. Essa aparição da qual vamos falar ocorreu em 8 de março de 1930.

  Essa “Coroa” (nome que lhe foi dado  pela Virgem Maria) é um “rosário especial”,  mostrado na data acima citada, por Nossa Senhora à Irmã Amália. Ela consiste na recitação de um conjunto de jaculatórias (ou seja, orações brevíssimas, com poucas palavras), jaculatórias ensinadas --  anteriormente à aparição da Virgem Maria, no dia 8 de março de 1930 --  pelo próprio Jesus Cristo à  Irmã Amália.

 O que disse Nossa Senhora à Irmã Amália na aparição o dia 8 de março de 1930? Depois de mostrar-lhe um "terço" (totalmente branco, cuja contas, segundo Irmã Amália, eram brilhantes do que a luz do sol e mais alvas do que a neve), formado por sete divisões (ou  "setenas"),ou seja,  7 contas ao ao invés das 10 contas de cada  "místério"  do terço atual, a Santíssima Virgem Maria disse:

    "Este é o rosário de Minhas lágrimas que foi prometido pelo Meu Filho ao nosso querido Instituto [das Irmãs Missionárias de Jesus Crucificado]  como uma parte de seu legado. Ele também já lhe deu as orações. Meu Filho quer me honrar especialmente com essas invocações e, além disso, Ele concederá todos os favores que forem pedidos pelos merecimentos de Minhas lágrimas. Este rosário alcançará a conversão de muitos pecadores, especialmente dos possuídos pelo demônio. Uma especial graça está reservada para o Instituto de Jesus Crucificado, principalmente à conversão de vários membros de uma parte dissidente da Igreja. Por meio deste rosário o demônio será derrotado e o poder do inferno destruído. Arme-se para a grande batalha.". 

Segundo Ponto:

    

 E por que a reza das “Coroa das Lágrimas de Nossa Senhora” está crescendo tanto nos dias atuais?  Porque numas das aparições à Irmã Amália Nossa Senhora disse:


“O Brasil me pertence, sobre ele estendi o meu manto protetor; porém é necessário que este povo venha a mim, entrando em minha arca, para poder assim se livrar esta terra de ser regada com sangue dos mártires! (...) Eu sou a Rainha dos Brasileiros e os salvarei, se me reconhecerem como tal, recorrendo a mim, como filhos submissos e obedientes das leis da Santa Igreja. Óh! eu salvarei o Brasil, se todos os dias ouvir nos lares: 'Ave Maria cheia de graça, o Senhor é convosco, bendita sois vós entre as mulheres, bendito é o fruto do vosso ventre.' Óh! se todos os brasileiros repetirem: 'Santa Maria, Mãe de Deus, rogai por nós, pecadores, agora e na hora de nossa morte!...'

Salvarei o Brasil, se ouvir em todas as casas ao menos uma jaculatória de minha Coroa das Lágrimas: 'Óh! Virgem Dolorosíssima, Vossas Lágrimas derrubaram o império infernal!' e assim falo, é porque desejo ver esta Terra de Santa Cruz triunfar de seus adversários, que desejam implantar o terrível inimigo, que já tomou conta de outras terras, que não me reconhecem como Mãe! Sou Mãe, sou Rainha dos Brasileiros, portanto, todos os que desejam ser bons brasileiros que venham a mim, e a vitória será nossa, porém, se eles se afastarem da Rainha, perecerão!”

Terceiro Ponto

    Atravessando o pântano das dificuldades que ora enfrentamos, entende-se porque a Coroa das Lágrimas de Nossa Senhora tornou-se a última esperança do Brasil não virar uma segunda Venezuela ou uma segunda Nicarágua...

Postado por Armando Lopes Rafael



quarta-feira, 4 de setembro de 2024

Em que casa nasceu o Padre Cícero? -- por Armando Lopes Rafael (*)

 

Atual Cúria Diocesana Bom Pastor de Crato

     No século passado corriam duas versões no tocante à casa onde teria nascido, em Crato, o Padre Cícero Romão Batista. Uma das versões – defendida por Irineu Pinheiro – dizia que o sacerdote teria vindo ao mundo numa casa localizada, à época, na Rua Miguel Limaverde. Aquela residência pertenceu ao coronel Pedro Pinheiro Bezerra de Menezes, um parente do Padre Cícero. Tal casa foi, posteriormente, desmembrada em duas residências. Ambas demolidas, na década 1980, por ocasião do alargamento da Rua Miguel Limaverde. Naquela década, muitos imóveis foram derrubados – na citada rua – numa fúria insana para destruir o que restava do patrimônio arquitetônico do Crato. A justificativa para essa destruição? Aumentar o espaço para o tráfego de veículos automotores pelo centro de Crato.

   Irineu Pinheiro escreveu sua versão baseada num depoimento, que lhe foi dado por uma ex-escrava da família do Padre Cícero, conhecida como “Teresinha do Padre”. Entretanto, em 1955, o historiador Pe. Antônio Gomes de Araújo publicou um artigo na revista “Itaytera”, nº 5, órgão oficial do Instituto Cultural do Cariri, contestando a versão de Irineu Pinheiro. Segundo Pe. Gomes, Cícero Romão Batista nasceu numa modesta casinha de sítio, cercada por árvores fruteiras, localizada próximo à atual Praça da Sé. Para ser mais preciso: Padre Cícero teria nascido no exato local onde funcionou o antigo Palácio Episcopal, hoje ocupado pela Cúria Diocesana de Crato.

      Na versão defendida por Pe. Antônio Gomes de Araújo, ele escreveu: “Teresa do Padre (quando fez a declaração a Irineu Pinheiro) já começava a mergulhar no crepúsculo da própria memória, cuja desintegração começara”. Ou seja, a boa velhinha, caminhando para os cem anos de idade, já não dominava mais a própria memória. Bom ressaltar, no entanto, que Teresa do Padre sempre foi  reconhecida, em Juazeiro do Norte, como uma senhora virtuosa e de credibilidade.  Ademais, Pe. Antônio Gomes de Araújo fez ainda constar – no seu artigo citado – um depoimento que lhe foi prestado pelo cônego Climério Correia de Macedo. Este declarou ao Pe. Gomes: “Minha tia paterna, Missias Correia de Macedo, cortou o cordão umbilical do Padre Cícero numa casa que foi substituída pelo (atual) palácio de Dom Francisco". O cônego referia-se ao antigo Palácio Episcopal, construído por Dom Francisco de Assis Pires – segundo bispo da Diocese do Crato – prédio onde   hoje funciona a Cúria Diocesana.

Outras pessoas concordaram com a versão do Pe. Gomes

   Reforçando a opinião do Pe. Gomes – sobre a casa onde teria nascido o Padre Cícero – recebi, tempos atrás, do escritor e historiador Dr. José Luís Araújo Lira, residente em Sobral, a cópia de uma página do jornal “Unitário” – que circulava em Fortaleza no século passado – edição de 16 de outubro de 1959. A página contém uma pequena nota que passo a transcrever abaixo, nos mesmos termos, tal como foi escrito. A conferir. 

“Juazeiro do Norte: debates sobre a casa em que nasceu Padre Cícero
JUAZEIRO (Valter Barbosa) – A imprensa publicou e nós por intermédio da mesma aplaudimos o gesto daquele que pesquisou e afirmou que o Padre Cícero Romão Batista havia nascido à Rua Dr. Miguel Limaverde nº 19 devendo ser colocada uma placa com dizeres alusivos ao Patriarca do Sertão. Acontece que o assunto mereceu a atenção de todos e passou a ser discutido publicamente.

Nossa reportagem, a fim de manter em dia os leitores com especialidade a colônia caririense em Fortaleza, resolveu ouvir pessoas que tenham autoridade para afirmar tal acontecimento em busca da verdade. Falou a nossa reportagem o Sr. Bruno de Alencar Peixoto, agricultor cratense, que afirmou ter o Padre Cícero nascido em uma casa (por sinal ele também lá nascera) localizada onde hoje é o Palácio Diocesano (nota do transcritor:  Palácio Episcopal, residência do Bispo de Crato, localizado na Rua Dom Quintino, centro de Crato). E para ilustrar ainda mais a sua afirmativa, acrescentou que suas duas avós, Dona Hortulana da Fonseca Alencar e Dona Amélia Gonçalves Linhares, muitas e muitas vezes o elogiavam por ter nascido na mesma casa onde nascera o fundador de Juazeiro.

O Sr. Odílio Figueiredo, pessoa de destaque da sociedade local, afirmou categoricamente a nossa reportagem que a casa onde nascera o Taumaturgo ficava localizada onde hoje se ergue o Palácio Episcopal, pois em 1919, quando a epidemia que recebeu a denominação de “bailarina”, que dizimou muitas vidas, ele justamente, com Dona Teresinha (moça velha que foi criada na casa do Padre Cícero e que o chamava “senhorzinho”) mostrou-lhe a casa onde veio ao mundo o sacerdote. 

As declarações do Sr. Odílio Figueiredo vieram coincidir com as do Sr. Bruno Peixoto. Mais prático seria já que o povo cratense quer homenagear a memória desse ilustre filho do Crato e ao mesmo tempo observar o valor histórico, mandar confeccionar em alto relevo a exemplo do que existe na (casa) da Mesa de Renda (local onde morara Bárbara de Alencar) uma placa com o desenho da fachada da casa onde realmente nascera o Padre Cícero e colocá-la na fachada do Palácio do Bispo. Então o Crato e Cariri passariam a possuir mais um lugar histórico”.

***   ***   ***

    Como se observa, a maioria das pessoas que escreveram sobre a casa apontada como o local de nascimento do Padre Cícero cerram fileira com a opinião defendida pelo Pe. Antônio Gomes de Araújo.

(*) Armando Lopes Rafael é historiador. Membro do Instituto Cultural do Cariri e Sócio-correspondente da Academia de Letras e Artes Mater Salvatoris, de Salvador (BA).

terça-feira, 6 de agosto de 2024

Prédio do Museu de Crato: um problema insolúvel? -- por Armando Lopes Rafael

 

 

O que é um prédio histórico?
   Segundo a UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) são imóveis que constituem um patrimônio; um legado que recebemos do passado. Os prédios antigos estão presentes nos dias de hoje transmitindo  informações às atuais e futuras gerações. Segundo a UNESCO, é o nosso patrimônio cultural, uma fonte insubstituível de vida e inspiração, nossa pedra de toque, nosso ponto de referência, nossa identidade... 

O que são os museus?
    São instituições permanentes de conservação da cultura de um povo. São acervos de interesse geral, voltados para a preservação e propagação, tanto do patrimônio artístico, como de objetos históricos como documentos e imagens relativas a pessoas, instituições ou lugares. Donde se conclui que o prédio do Senado da Câmara de Crato, concluído em 1877 – pelo Imperador Dom Pedro II – é um patrimônio cultural, de fundamental importância para a memória, a identidade e a criatividade dos cratenses...

E como anda o clamor da população cratense para preservar o prédio e o acervo do Museu de Artes de Crato?
    Continua na estaca zero, por parte da Prefeitura de Crato, a responsável pela conservação do imóvel... São 14 anos de abandono desse ícone arquitetônico da cidade de Crato, um prédio tombado pela Secretaria de Cultura e que hoje está desmoronando a partir do teto; que mantém a fachada externa suja (há anos nunca mais foi pintada) e com pichações feitas pelos vândalos...

   O Instituto Cultural do Cariri já fez inúmeras manifestações em prol do restauro da antiga Câmara do Senado de Crato. Iniciativas que contaram com ampla adesão da maioria da população cratense. Mas a nossa identidade cultural nunca foi prioridade das últimas quatro administrações municipais. Daí o abandono injustificável do prédio do Museu de Artes. E essa calamidade afeta a autoestima do povo cratense, o qual – em meio a tanto desmantelo do dia-a-dia – assiste impotente a destruição do nosso patrimônio artístico cultural ante a omissão dos poderes públicos do Ceará... 

PS - Olha como é conservado o prédio da antiga Casa do Senado da Câmara de Sobral

 Abaixo, foto da fachada da Câmara de Vereadores de Sobral. Na Princesa do Norte (a aristocrática Sobral) restauraram o prédio e até o belíssimo Brasão Oficial do Império do Brasil, instalado lá no século XIX. Aqui, no prédio congênere de Crato (a Princesa do Cariri), nossas autoridades (ó ignorância!) destruíram o Brasão Imperial (que existiu na fachada até 1889) e substituíram pela feiura das armas do Brasil republicano...  Viva Sobral!!!!



     Brasão do Brasil da República,  existente na fachada do Museu de Crato, lado da Rua Senador Pompeu...dizem que "questão de gosto não se discute"



 

domingo, 4 de agosto de 2024

Centenário de nascimento de Almina Arraes de Alencar Pinheiro - por Armando Lopes Rafael

 

(Palavras pronunciadas por Armando Lopes Rafael na sessão do Instituto Cultural do Cariri, no dia 01-08-2024,  em homenagem a Dona Almina)

   Almina Arraes de Alencar Pinheiro, nasceu em Araripe (CE), em 03.08.1924, filha de José Almino de Alencar e Silva e Maria Benigna Arraes de Alencar. Foi a sexta filha deste casal. Ela teve os seguintes irmãos: Miguel, Maria Alice, Anilda, Laís, Alda e Violeta. Em 1928, a família mudou-se para Crato, a fim de proporcionar uma melhor educação formal aos filhos. Dois anos antes, a Diocese da cidade havia implantado o Colégio Diocesano de Crato (para educação masculina) e, posteriormente, criou também o Colégio Santa Teresa de Jesus, (destinado à educação feminina). Ambos os educandários  proporcionavam o ensino dos primeiros anos do curso médio completo. Foram neles que estudaram os filhos do casal José Almino e Maria Beniga.

   Dona Almina é uma mulher admirável! Conhecida por sua inteligência e perspicácia, fez o curso primário (hoje o básico) no educandário Santa Inês, pertencente a três irmãs que vieram instalar essa escola na cidade de Crato.  Iniciou o intermediário no Colégio Santa Teresa de Jesus, em Crato, mas veio a concluir esse curso na Escola Normal Rural da cidade de Limoeiro do Norte, no Ceará. Almina foi a oradora e a aluna com as melhores notas da sua turma.

   Voltando ao Crato, depois de formada, exerceu o magistério até a chegada dos primeiros filhos, frutos do seu casamento, em 1946, com César Pinheiro Teles. Desta feliz e exemplar união nasceram 6 filhos: Maria Edite, Joaquim, José Almino, Maria Amélia, Maria Benigna e Antônio César.  As obrigações com a casa e a criação dos filhos não inibiram a criatividade de Almina. Esta foi sempre foi uma característica dela. Pois Almina sempre empregou seu pouco tempo livre lendo e pesquisando, como forma de preencher as atividades do seu dia a dia Virtude essa que ela conservou até pouco tempo.

    Foi da iniciativa de Dona Almina os manuscritos que proporcionaram o primeiro livro de poesias do consagrado e conhecido poeta Patativa do Assaré. Almina copiava em cadernos os versos ditados por aquele poeta popular. Suas anotações chegaram à editora Borsoi, no Rio de Janeiro, que publicou o primeiro livro de Patativa, em 1953, com o sugestivo título de “Inspiração Nordestina”. 

     Com todos os filhos criados (e muito bem criados) todos vitoriosos pelos caminhos da vida, Almina, aos 83 anos, ingressou no mundo da informática. Frequentou um curso onde o colega mais velho da turma tinha 12 anos. Anotou as dificuldades que enfrentou no aprendizado e publicou uma cartilha voltada sobre os princípios da Internet para as pessoas da 3ª idade. Esse trabalho foi distribuído com os amigos idosos. Muitos deles aderiram a rede mundial da WEB, graças a dona Almina. Nesta quadra da sua vida, ela também montou, em sua residência, um curso de pintura. Contratou o professor e convidou algumas amigas. Naquela fase, Dona Almina pintou mais de 100 quadros. 

     Naquela época, sensível à crise no setor da produção das conhecidas redes artesanais do Ceará, uma produção bem característica do Nordeste brasileiro, Almina montou um consórcio para dar saída à produção feita nos teares artesanais, ajudando muitas mulheres “rendeiras”, na obtenção de emprego e renda. Esta iniciativa foi destacada na edição da revista “Continente”, da Companhia Editora de Pernambuco–CEPE, edição de 01.07.2012. 

    Depois que atingiu os 90 anos, Almina passou a dedicar parte do seu tempo pesquisando métodos artificiais de polinização de plantas. Essa prática foi usada no seu jardim doméstico, um dos mais bonitos e bem cuidados desta cidade de Crato. Também desenvolveu uma chocadeira adaptando caixas de isopor para multiplicação de codornas, dotada de sensores e termômetros para controlar a temperatura.

    Gostaria de citar um depoimento muito interessante sobre Dona Almina, de autoria de Jorge Furtado, roteirista da Rede Globo de Televisão, com sede no Rio de Janeiro. Em 2015 ou 2016, o sobrinho de Dona Almina, o cineasta Guel Arraes, veio com uma turma da TV Globo ao Cariri. Vieram fazer uma matéria sobre o Projeto Casa Grande, na vizinha cidade de Nova Olinda.   Pois bem, Jorge Furtado, integrante da equipe, assim registrou a visita que fez a Dona Almina, àquela época com 91 anos de idade.  Num artigo que publicou, Jorge Furtado encerrou com a seguinte frase: “Dona Almina ainda não sabe o que vai ser quando crescer”.

    Encerro dizendo que Dona Almina é um dos maiores patrimônios humanos desta cidade de Crato. Um patrimônio moral, ético; um dos ícones da cultura desta Mui Nobre e Heroica Cidade de Crato. E falo de Cultura no sentido mais amplo desta palavra. Que inclui a generosidade e a solidariedade humana.Dona Almina possui uma personalidade forte, marcante, voltada para fazer o bem ao seu semelhante. Uma mulher exemplar como só a civilização cristã sabe plasmar.   Que ela viva por muitos anos. Para a felicidade da sua família. Para a admiração dos seus amigos. Para o engrandecimento da sociedade cratense. 

quinta-feira, 30 de maio de 2024

“Amor sem Tréguas” – um livro notável --- por Armando Lopes Rafael (*)

 



    Escrito por Adriana Aires de Alencar, o livro “Amor sem Tréguas” é relevante. 

   A obra resgata a história de vida dos pais da autora – José Aires de Alencar (Zito) e Teresinha Sampaio – complementado com narrações sobre os conflitos ocorridos na cidade de Exu (PE), iniciados num Domingo de Ramos, 10 de abril de 1949. Na manhã daquela data foram assassinados os dois coronéis de maior projeção daquela cidade: Cincinato de Alencar Sete, ex-prefeito do município e Romão Sampaio Filho. A partir daí surgiu uma verdadeira vindita entre os clãs Alencar e Sampaio. Trazendo resultados funestos. Ao longo dos trinta anos seguintes, 48 pessoas dessas famílias foram assassinadas.   A dor advinda dessas mortes só Deus e as pessoas que perderam seus entes queridos conhecem.

Uma pequena diáspora sertaneja

    Também para a comunidade exuense foram visíveis os prejuízos advindos dessa guerra familiar. Pelas décadas seguintes, aquele município viu estagnado seu progresso e desenvolvimento. Famílias inteiras – integrantes de ambos os clãs – abandonaram Exu e foram a viver noutros estados nordestinos. Várias delas buscaram até estados de distantes regiões brasileiras, tentando refazer a normalidade de suas vidas em Santa Catarina, Paraná, Espírito Santo, São Paulo, Tocantins, Distrito Federal, dentre outros. 

   No entanto, a noite negra dessas violências e desencontros trouxe, com a claridade do término da madrugada, a história de um amor impossível. Ainda jovens, Zito Alencar e Teresinha Sampaio – cada um pertencente a um dos clãs em litígio – apaixonaram-se um pelo outro. E esse amor veio a provar a veracidade daquela frase escrita por São Maximiliano Kolbe: “O ódio não é uma força construtiva; A força construtiva é o amor” ...

A autora do livro

    Adriana Aires de Alencar, médica ginecologista, obstetra e colposcopista, é o quarto rebento dos seis filhos advindos do casamento entre Zito e Teresinha. Dir-se-ia que o ambiente de amor doméstico vivenciado pela autora – desde a mais tenra infância – seguido do conhecimento posterior sobre os fatos trágicos vividos pelas famílias em conflito, a levou a dar vazão a uma inspiração transcendental para escrever sobre essa “guerra” dos clãs de Exu. O que Adriana fez com maestria! A leitura do livro, apesar das tristezas dos fatos, torna-se agradável. Prende a atenção do leitor do começo ao fim.

    No final da obra, no capítulo 18, (“Uma história ainda não contada”) Adriana escreveu com sinceridade e humildade: “Não existe fantasia no que escrevo, e muitos anos se passaram para que eu pudesse alcançar o entendimento e a grandeza dessa relação entre meus pais, de personalidades bem diferentes, mas em conjunção carnal, espiritual e afetivo eram um só”. 

     Encerro este pequeno artigo com um parágrafo escrito por Cincinato Alencar, irmão de Adriana, que disse: “Esta história precisava ser contada por alguém que estivesse bem pertinho, alguém que sentisse o cheiro e ouvisse a voz, acompanhando os passos percorridos pelos dois, e tivesse a capacidade de guardar em sua memória as experiências mais marcantes para nós...Situações...ocorrências....Acreditem! Não tinha outro filho(a) que tivesse esta “determinação” como Adriana tem! Acho que ela herdou a força e coragem de nossa mãe, e a sensibilidade na escrita do nosso pai”.

    Um excelente livro!


(*) Armando Lopes Rafael é historiador.
Sócio do Instituto Cultural do Cariri (Crato-CE) e Membro-Correspondente da Academia de Letras e Artes Mater Salvatoris, de Salvador (BA).

      Crato (CE), 30 de maio de 2024, Dia de Corpus Christi.




terça-feira, 9 de abril de 2024

Hino Nacional Brasileiro, uma herança da Monarquia – por Armando Lopes Rafael


            Poucos sabem que o nosso Hino Nacional é também oriundo dos tempos imperiais. Ou seja, o mesmo hino ouvido ainda hoje, com todo respeito, por milhões de brasileiros remonta ao reinado de Dom Pedro I. Esse Hino era executado, à época da Monarquia, sem ter ainda uma letra. Conhecida apenas como “Marcha Imperial”, nosso Hino foi tocado nos campos de batalhas da Guerra do Paraguai. Depois desse conflito foi popularizado na cidade do Rio de Janeiro, então capital do Império do Brasil.

       Com o advento do golpe de estado que implantou a República dos Estados Unidos do Brasil (assim era o nome oficial do nosso país), no chamado “Governo Provisório” – dirigido pelo Marechal Deodoro da Fonseca – foi instituído um concurso para a adoção de um novo hino nacional. A ordem era (tentar) apagar tudo que restasse do Brasil-Império. Vivia-se os novos tempos republicanos e a propaganda oficial dizia que tudo iria melhorar; que o Brasil iria trilhar uma nova senda do progresso e de bem estar para a “brava gente brasileira” ... Quantas vezes, nos últimos 135 anos, vimos esse filme...

      Pois bem, na noite de 20 de janeiro de 1890, o Teatro Lírico do Rio de Janeiro estava superlotado, reunindo as mais destacadas personalidades da então capital brasileira, para conhecer o novo Hino Nacional. No camarote de honra, o velho Marechal Deodoro, àquela época já bastante decepcionado com alguns companheiros do golpe militar de 15 de novembro de 1889. O hino que obteve o primeiro lugar no concurso foi composto pelo maestro Leopoldo Miguez, com letra de Medeiros e Albuquerque. Na verdade, uma bonita peça (hoje chamada de “Hino da República”, que começa com o refrão: “Liberdade, liberdade, abre as asas sobre nós”.

      Ao final da execução do hino, o Marechal Deodoro bateu o martelo e impôs:

– Prefiro o velho!

      Manda quem pode e obedece quem tem juízo, diz o dito popular! Foi quando ficou preservada para as gerações vindouras, a bela “Marcha Imperial”, o mesmo Hino Nacional Brasileiro de hoje, cujos primeiros acordes (“Ouviram do Ipiranga às margens plácidas/ De um povo heroico o brado retumbante”) nos enche de orgulho e nos faz reviver o pouco de patriotismo que ainda resta à “Pátria amada, Brasil".