quinta-feira, 2 de março de 2023

Uma breve abordagem sobre o Processo de Beatificação de Benigna Cardoso da Silva – por Armando Lopes Rafael

 (Palavras proferidas numa “live’, durante o 49° Colóquio da Sabedoria, promovido pelo Instituto Cultural do Cariri, em 1°/03/2023)

Como funciona um processo de Beatificação?

   Inicialmente devemos informar que a Igreja Católica não faz o “Santo”. Ela apenas reconhece, por meio de  processos demorados e cheios de exigências, a santidade de um homem ou de uma mulher, que teve sua memória preservada com fama de santidade. É necessário, pois, que essa pessoa seja falecida e goze da fama de santidade na comunidade onde viveu. 


Por dentro de um Processo de Beatificação

    Através das beatificações e das canonizações, a Igreja dá graças a Deus pelo dom dos seus filhos que corresponderam heroicamente à graça divina concedida por ocasião do batismo. Ao honrar esses Beatos e Santos, a Igreja incentiva seus filhos a invocá-los como intercessores junto a Deus. 

   Assim, no âmbito da Igreja Católica, alcançar a Beatificação decorre de um procedimento visando ao reconhecimento de que a pessoa,  (a quem é atribuída a fama de que se encontra no Paraíso, em estado de beatitude) pode interceder por aqueles que lhe recorrem em oração.

   Não existe tempo demarcado para a conclusão, pelo Vaticano, de um Processo de Beatificação, que antecede a próxima etapa da canonização, quando o Beato recebe o título de Santo. Citemos um único exemplo. O primeiro candidato a Beato no Brasil, foi o  Padre José de Anchieta. O Processo de Beatificação desse padre – que hoje é oficialmente Santo – e é conhecido como o Apóstolo do Brasil, durou quase 400 anos e teria começado em 1597, após relatos de milagres ocorridos em São Paulo.

    É necessário que o bispo da diocese peça a autorização do Vaticano para iniciar um processo de beatificação.  Se o Vaticano, após examinar as justificativas do bispo, considerar viável abrir o processo,  o candidato à beatificação passa por três estágios. 

   Se aprovado pela Congregação para a Causa dos Santos, ou seja, se o candidato da diocese se enquadrar nas exigências da Santa Sé,  o Vaticano expede um documento chamado “Nihil Obstat” (em português: “nada impede”). Este autoriza o prosseguimento da causa da Beatificação, no âmbito da diocese. Paralelamente,  é dado ao candidato ao título de Servo de Deus. Após essa autorização, a diocese abre o processo, o qual, depois de concluído, é levado para análise final no Vaticano.

      Na fase inicial, ou seja, no âmbito das dioceses,  investiga-se as virtudes ou o martírio do candidato a Beato. Em Roma é feita a análise do processo enviado pela diocese, e o candidato passa por várias "peneiras" ou etapas. Se for reconhecido que ele cumpriu de forma heroica as  virtudes exigidas para reconhecimento da sua santidade em vida (ou que a pessoa sofreu martírio pela Fé)  ela recebe o título de "Venerável".

    Quais são essas virtudes heroicas?

     São elas:
•  Fé Heroica;
•  Esperança Heroica;
•  Caridade Heroica;
•  Prudência Heroica;
•  Justiça Heroica;
•  Fortaleza Heroica;

    Heroica quer dizer, acima do usual, de forma extraordinária. E fica-se aguardando, no Vaticano, a documentação  de um milagre feito por intercessão do venerável.Se em Roma, na Congregação para a Causa dos Santos, onde a investigação é mais aprofundada, tudo correr favoravelmente ao candidato a Beato, os cardeais concluem o parecer do processo e o candidato é declarado “Venerável” pelo Papa.

   Só após a comprovação de algum milagre do Venerável, o candidato é considerado "Beato" e sua imagem pode, então, ser cultuada no país onde morreu. No caso de martírio em defesa da fé (e este foi o caso de Benigna), esse milagre é dispensado.

   Resumindo: 

   Atualmente as Dioceses têm autoridade para abrir processos de beatificações. Cada causa de beatificação possui um "postulador". Este atua como uma espécie de coordenador do processo, coletando sinais de santidade do candidato a Beato ou Santo

    No total existem, no Vaticano, 06 (seis) Processos de Beatificação oriundos do Ceará.   Da Arquidiocese de Fortaleza estão em Roma 4 (quatro) processos referentes aos religiosos Frei João Pedro de Sexto, Dom Antônio de Almeida Lustosa, Irmã Clemência de Oliveira e Irmã Rosita Paiva. Alguns desses pedidos foram feitos há quase 50 anos. É o caso do processo do  Arcebispo Dom Antônio de Almeida Lustosa. Embora seja a Arquidiocese de Fortaleza a mais bem estruturada do Ceará, parece que ela não encontrou bons postuladores para essas causas, pois esses processos se arrastam nos arquivos do Vaticano.

   Da Diocese de Sobral estão na Santa Sé dois processos: o do monsenhor Joaquim Arnóbio de Andrade, fundador da Congregação das Missionárias Reparadoras do Coração de Jesus; e o do Pe. Waldir Lopes de Castro. Na nossa Diocese de Crato, depois da beatificação da menina Benigna Cardoso da Silva (o único Processo de Beatificação que logrou êxito, até agora ,no Estado do Ceará), foi aberto -- pelo atual bispo de Crato -- outro: no dia 30 de novembro do ano passado, visando a beatificação do Servo de Deus Padre Cícero Romão Batista. Este processo ainda se encontra na fase diocesana.

   Acrescente-se que mais dois religiosos cearenses (ambos nascidos em Sobral) têm Processos de Beatificação em análise em Roma, mas esses processos correm no âmbito de outras dioceses: o do bispo Dom Expedido Lopes (na Diocese de Garanhuns, Pernambuco) e o do Padre Ibiapina (na Diocese de Guarabira, Paraíba).

       Das dioceses existentes no Nordeste brasileiro somente três: as dioceses de Natal (RN), Salvador (BA) e Crato (CE) possuem Beatos e Santos aprovados e oficializados, na rigorosa seleção feita pelo Vaticano.

Sobre a Beatificação da menina Benigna

      O  Processo de Beatificação da menina Benigna Cardoso da Silva, a primeira Beata do Ceará, foi de uma rapidez impressionante. Foi iniciado na Diocese de Crato em 2011 e durou apenas 8 anos. Ela foi martirizada, em defesa da sua castidade, em 14 de outubro de 1941. E sua fama de santidade foi conservada pela população de Santana do Cariri por cerca de 68 anos. Somente em 2011, o 5º Bispo de Crato, Dom Fernando Panico, assinou o decreto iniciando o Processo de Beatificação de Benigna na fase diocesana. 

   Em 2013, a causa foi aceita pela Congregação para a Causa dos Santos, e Benigna foi declarada Serva de Deus. Aos 3 de outubro de 2019, a Santa Sé promulgou, por mandado do Papa Francisco, o decreto de reconhecimento do seu martírio, abrindo o caminho para sua beatificação. E – devido essa solenidade ter sido adiada, por motivo da pandemia do Covid-19 – Benigna só foi beatificada em 24 de outubro de 2022, na cidade de Crato,  por Dom Leonardo Ulrich Steiner, Cardeal Arcebispo da Amazônia, representando o Papa Francisco. Este ato de Beatificação antecede ao da futura canonização, quando o nome de Benigna será inscrito nos cânones da Igreja Católica como uma nova Santa da Igreja Católica Romana.

     Os desígnios de Deus são insondáveis à inteligência humana. Benigna passou à frente de notáveis pessoas com fama de santidade, cujos Processos de Beatificação, se arrastam no Vaticano, a exemplo de renomados padres, bispos, cardeais e até Papas. Para tentar compreender isso, ocorre-nos lembrar o que escreveu Santa Teresinha, no seu livro biográfico "História de uma Alma"; "Deus se manifesta tanto na alma mais simples, que não coloca nenhuma resistência a sua graça, quanto na alma mais elevada. Ele não chama os que são sábios, fortes, poderosos, mas os que são do seu agrado. Chama quem Ele quer".

   Certamente a vida de Benigna, a sua opção de preferir morrer para não transgredir um preceito da doutrina de Cristo, foi do agrado de Deus. E como o tempo de Deus é diferente do tempo dos homens, foram necessários 68 anos, para chegar um bispo na Diocese de Crato, oriundo da Europa – o continente com maior número de santos oficializados – para ter a sensibilidade de enxergar no martírio da menina Benigna, os mesmos méritos que levaram a Igreja Católica a declarar Santa Maria Goretti uma Mártir da Castidade. Isso ocorreu na Itália, nos anos 50 do século XX.

    Salve a Beata Benigna!