domingo, 26 de outubro de 2025

Bicentenário de nascimento do Imperador Dom Pedro II (1825–2025) -- por Armando Lopes Rafael (*)

(Artigo publicado no nº 54 da revista "Itaytera", orgão do Instituto Cultural do Cariri) 

 

É imensa e vasta a herança – moral e cívica – deixada pelo Imperador Dom Pedro II. Por isso, quem se aventurar a escrever sobre ele – limitado ao curto espaço de um artigo – constatará, ao fim e ao cabo, ter produzido apenas “um resumo de um resumo” acerca deste estadista. Na sua trajetória de vida, Dom Pedro II foi – e continua sendo – o ator principal do importante período da história do Brasil, imortalizado com título: “O Segundo Reinado”. 

   Um trineto do Imperador – o Príncipe Dom Luiz de Orleans e Bragança (1938-2022), na condição de Chefe da Casa Imperial Brasileira – escreveu, em 1989, por ocasião do centenário da “Proclamação” da República: “Mais de cem anos já se passaram (daquele golpe militar) e os contrastes entre o Brasil atual e o Brasil-Império só têm crescido. No tempo do Império havia estabilidade política, administrativa e econômica; havia honestidade e seriedade em todos os órgãos da administração pública e em todas as camadas da população, havia credibilidade do País no exterior. Havia dignidade, havia segurança, havia fartura, havia harmonia”

 O cenário acima descrito continua atualíssimo nos dias atuais...

Uma data fatídica

   Todos sabem que os tempos imperiais foram varridos do Brasil devido ao golpe militar 15 de novembro de 1889. Foi esta primeira ruptura constitucional, de uma série de outras que se repetiriam ao longo da tumultuada história republicana. Aquele levante   de poucos oficiais do Exército foi recebido com espanto e indiferença pela população brasileira. Continua sendo indiferente ao nosso povo. Tanto que a data de “15 de novembro” – apesar de ser oficialmente um “feriado nacional” – nunca foi comemorada no Brasil. A herança que ficou daquela rebelião foi a de um ataque perpetrado, à sorrelfa, por poucos oficiais do Exército Imperial, contra um governo legitimamente constituído. A sublevação militar de 15 de novembro de 1889 rasgou a Constituição Imperial de 1824, a nossa primeira Carta Magna – a mais longa da nossa história constitucional – pois vigorou durante 67 anos.  Um fato inédito dentre as 7 (sete) Constituições que o Brasil já teve. Haja Constituições...

   A minoria que fez o golpe republicano retirou, pela força, Dom Pedro II e sua família das posições constitucionais que exerciam. Em seguida, expulsou a Família Imperial do Brasil.  No entanto, no imaginário popular desta nação, Dom Pedro II exerce uma memória especial nos dias atuais. Ele é reconhecido como “O Maior dos Brasileiros”. E ninguém o superou como Chefe de Estado. No exercício desta função Dom Pedro II se destacou pelo vasto preparo intelectual de que era possuidor; por sua grande cultura; sua honestidade; seu patriotismo e seu magnânimo coração...

Uma vida e muitas lutas

   Último filho do Imperador Dom Pedro I e da Imperatriz Leopoldina, Dom Pedro II nasceu em 2 de dezembro de 1825, no Rio de Janeiro. Durou pouco – quase nada – o convívio deste filho com seus pais. Sua mãe faleceu quando ele tinha apenas um ano de idade. E seu pai abdicou da Coroa brasileira, retornando à Europa, deixando aqui no Brasil três descendentes, ainda crianças, entre eles Pedro II, à época, com apenas cinco anos e quatro meses de idade. 

   Dom Pedro II foi criado por tutores. Teve infância e adolescência solitárias e carregadas de responsabilidades antecipadas sobre seus ombros juvenis. Para sua educação foram escolhidos grandes professores daquele tempo. Estudou português, literatura, francês, inglês, alemão, geografia, ciências naturais, pintura, música, esgrima e equitação. Ao longo de sua vida demonstrou grande interesse pelas línguas. Falava alemão, italiano, espanhol, francês, latim, hebraico e tupi-guarani. Lia grego, árabe, sânscrito e provençal. Fez traduções do grego, do hebraico, do árabe, do francês, do alemão, do italiano e do inglês. 

    Em 23 de julho de 1840, com apenas 13 anos, teve sua maioridade antecipada, através de uma lei aprovada pelo Parlamento para evitar a desintegração do Império. Se hoje temos o Brasil como a 5ª maior nação do mundo, em extensão territorial, devemo-lo ao menino Dom Pedro II. Foi coroado Imperador Brasil no início da adolescência e seu frutuoso reinado durou 49 anos. Como Chefe de Estado do Brasil ganhou a admiração do mundo civilizado de então. Dom Pedro II era um homem consciente da sua missão histórica. Durante seu reinado, tanto ele, como sua família serviam de arquetípicos para a sociedade brasileira ainda em formação. A política nunca o atraiu. Na verdade, as questiúnculas partidárias eram um fardo para ele. "Nasci para consagrar-me às letras e às ciências", comentou o Imperador em seu diário pessoal em 1862. 

   A sua bússola moral – reconhecem todos os seus biógrafos – era a busca do conhecimento e tomar a si o patrocínio da cultura e das ciências no Brasil. Seus ditames eram voltados para o desenvolvimento da sua pátria. Mesmo assim, Dom Pedro II viajou apenas três vezes ao exterior.  A primeira vez quando já tinha 45 anos. A segunda viagem foi feita em 1876. E a terceira, em 1887. As despesas com essas viagens corriam por conta do bolso do Imperador apesar dessas viagens terem como objetivo conhecer as modernas inovações usadas nos países europeus e trazê-las para acelerar o progresso do Brasil.  

O que foi o Segundo Reinado

    O “Segundo Reinado” de Dom Pedro II ficou registrado como o período áureo da nossa história imperial. Quando o Imperador subiu ao trono, em 1841, 92% da população brasileira era analfabeta. No seu último ano de reinado, em 1889, essa porcentagem tinha caído para 56%. Dom Pedro II foi um grande incentivador da educação. Construiu inúmeras escolas, que tinham como modelo o excelente Colégio Pedro II, sediado no Rio de Janeiro, tido como o “crème de la crème” dos educandários brasileiros. Na economia, o ciclo da exportação do café atingiu o seu auge entre 1840 e 1860, trazendo ao Brasil um período de grande prosperidade. Contribuiu, também, para esse surto de crescimento econômico do país alguns investimentos industriais, dentro do que passou à história como a “Era Mauá". O Brasil tornou-se a 4ª Economia do Mundo e o 9º Maior Império da História. No Segundo Reinado a média da inflação era de 1,08% ao ano. A moeda brasileira daquela época – o Real (no plural “Réis”) –   tinha o mesmo valor do Dólar e da Libra Esterlina. Sob Dom Pedro II o Brasil tinha a segunda maior e melhor Marinha do mundo, inferior apenas a da Inglaterra. O republicano Rui Barbosa, anos depois da “Proclamação”, desiludido com os rumos que o Brasil tomava, afirmou: "O Parlamento do Império era uma escola de estadistas; já o Congresso da República transformou-se numa praça de negócios”. Imagina se Ruy tivesse vivido nos dias de hoje....

    No campo social, a extinção da escravidão negra – anseio de séculos por parte de minoria da elite e da maioria do povo simples –   foi consequência de uma intensa mobilização popular e política, sob o incentivo discreto da Família Imperial Brasileira. A libertação dos negros escravizados veio, em 13 de maio de 1888, com a assinatura – pela Princesa Isabel, A Redentora – da chamada Lei Áurea. Muito da articulação política para extinção da escravidão negra no Brasil se deveu ao trabalho do Imperador Dom Pedro II e da filha deste, a Princesa Isabel. 

O exílio e o fim da vida

    A maioria da população brasileira nutria admiração por Dom Pedro II e sua família. Diferente era a postura dos poucos oficiais do Exército, responsáveis pela quartelada republicana. Um dos líderes da rebelião, o Alferes Cardoso (vem a ser o avô do ex-Presidente da República Fernando Henrique Cardoso) sugeriu, após a “Proclamação”, que a Família Imperial fosse fuzilada. Felizmente foi voz isolada. O autodenominado Presidente do Governo Provisório da República, Marechal Deodoro da Fonseca, mandou comunicar ao Imperador deposto que o Tesouro Nacional lhe concederia a importância de 5 mil contos de réis, destinada às despesas iniciais dele e de sua família nos primeiros tempos de exílio. Dom Pedro II se recusou a oferta. Ora, 5 mil contos de réis era o equivalente, àquela época, a 4 toneladas e meia de ouro. O magnânimo Imperador assim respondeu ao emissário do Marechal Deodoro: “Com que autoridade esses senhores metem a mão no Tesouro Nacional?” E partiu para o exílio com o pouco dinheiro que dispunha. Com isso, deixou ao Brasil um último benefício: o grande exemplo de seu desprendimento. 

   A Imperatriz Teresa Cristina morreu logo após o navio, que os transportava ao exílio, chegar à cidade do Porto, em Portugal. A Família Imperial já estava quase sem dinheiro. E a Imperatriz só não foi enterrada como indigente porque um bondoso comerciante português pagou suas exéquias.  Os tempos de exílio do Imperador, vividos num modesto hotel no centro de Paris, trouxeram-lhe cansaços e enfermidades. Diabético, Dom Pedro II teve seu quadro de saúde agravado pelas saudades do Brasil junto às decepções sofridas nos últimos dias de sua vida. 

     Segundo a Wikipédia: “O estado de saúde de Dom Pedro II rapidamente deteriorou até a sua morte às 00h35 da manhã do dia 5 de dezembro de 1891. Suas últimas palavras foram: "Deus que me conceda esses últimos desejos– paz e prosperidade para o Brasil". Enquanto preparavam seu corpo, um pacote lacrado foi encontrado no quarto com uma mensagem escrita pelo próprio Imperador: "É terra de meu país; desejo que seja posta no meu caixão, se eu morrer fora de minha pátria". O pacote, que continha terra de todas as províncias brasileiras, foi colocado dentro do caixão. (...) Os brasileiros se mantiveram apegados à figura do popular Imperador, a quem consideravam um herói e continuaram a vê-lo como o “Pai do Povo” personificado. Esta visão era ainda mais forte entre os brasileiros negros ou de ascendência negra, pois estes acreditavam que a monarquia representava a libertação”.

   Sua morte gerou forte comoção em todo o mundo. As ruas de Paris se encheram de grandes multidões. A família recebeu cerca de 2.000 telegramas de condolências. No Brasil, as autoridades da recém implantada república viram isso com preocupação. E endureceram as medidas, na tentativa de reescrever uma versão manipulada da história da Império e do seu segundo Imperador para as futuras gerações. Deram com os burros n’água...

    (*) Armando Lopes Rafael é historiador.